Sidney Silveira
Já se disse aqui que o liberal, quando é letrado, consegue na melhor das hipóteses ser um esteta, um sujeito hipnotizado pela casca de beleza que há na forma de uma composição artística qualquer. Isto porque, nessa auto-idolatria camuflada — que é a crença na consciência individual autônoma —, ele desvirtua uma de suas tendências fundamentais, que é a sindérese, hábito natural que capta os primeiros princípios da razão prática. Querendo-se “autônomo”, no ato ele já deforma a sua própria consciência.
Assim, não lhe peçamos para ter a clara noção de uma hierarquia de valores objetivos que sejam a expressão das coisas reais, isto é, encontrem nestas últimas a sua correspondência ontológica, pois, como o bem e o mal “dependem” unicamente da percepção da sua consciência individual, certamente “bom” e “mau” serão conceitos “relativos”, salvo em casos extremos, talvez em situações de risco de vida. Daí que liberalismo e relativismo moral sejam, pois, irmãos siameses. Para o liberal, uma organização ocultista-satanista e um clube de xadrez são, ambas, instituições aprioristicamente legítimas, pois as pessoas que lá estão escolheram livremente lá estar (e uma vez mais: já mostramos que a liberdade não radica no ato da escolha). Pois bem: se o liberal crê realmente nessas premissas (às vezes nos custa acreditar!), falar bem ou mal de alguém ou de alguma instituição pode virar para ele um esporte, um lazer sardônico. Algo engraçado (se é contra os outros, e a favor dele mesmo) ou enfadonho (se é contra um dos seus “valores” individuais).
Para o católico, a coisa é diferente. A Igreja é uma instituição absolutamente perfeita quanto à doutrina sublime (ensinada pelo próprio Deus, na Pessoa do Cristo), quanto aos fins (a salvação das almas) e quanto aos meios (os sacramentos, que são sinais sensíveis da Graça, sem a qual o homem não pode salvar-se). Na visão católica, as gradações de bem e de mal nas coisas humanas — obras de arte, política, economia, etc. — são configuradas de acordo com que nos aproximem ou nos distanciem desse bem espiritual absoluto que é a doutrina do Evangelho, assim como dos meios pelos quais nos mantemos ordenados a esse fim sobrenatural beatífico. Vale dizer que também não serão boas caso nos distraiam dos valores fundamentais, fazendo-nos cair numa inércia hedonística — típica entre liberais, que hoje se interessam por uma bobagem, amanhã por outra —, inércia na qual o espírito se dissipa, amolece, se desviriliza, torna-se propenso a ser acometido de toda a sorte de paixões. E aqui, de passagem, não custa deixar registrada a definição de “paixão” que Santo Tomás acolhe do grande São João Damasceno, pois adiante voltaremos ao assunto: Paixão é o movimento do apetite sensitivo pela imaginação de um bem ou de um mal. Anotem, por favor, e aguardem.
São Paulo já nos dera a medida do bom combate: percorrer o caminho até o final, guardar a fé — o que implica também defendê-la contra idéias errôneas e maliciosas. Sendo assim, de fato, uma das formas de ser construtivo é destruir o que é destrutivo; quando isso é possível, torna-se obrigação moral, e não levá-la a cabo é nada menos que omissão. Diz o mesmo Santo Tomás que é dupla a função do detentor de algum saber: ordenar as coisas aos fins que lhes são próprios e combater os erros, pois uma implica a outra. Por isso, não há bom-mocismo no caminho de quem busca a sabedoria, e principalmente no de quem pretende manter-se sob a luz da fé, pois um só pecado mortal retira-nos a Graça atual e, assim, um só desses tem o condão de levar-nos ao inferno, se não buscamos remédio! Odiar o que é odiável, destruir o que destrói o que temos de mais digno é, por tudo isso, uma coisa altamente edificante, pois visa ao duplo bem das almas: ao bem inteligível, que é o fim da alma racional, pois todas as suas potências estão ordenadas a ele; e ao bem supra naturam, que é a beatitude perfeita, que sobreeleva a natureza pela Graça. Esse é o caminho dos Santos de todos os tempos.
Deixo aqui, a propósito, um exemplo prático de que o combate aos erros é um dos mais instrutivos e positivos combates: um trecho do parágrafo final do esplêndido livro De unitate intellectus contra Averroistas, de Santo Tomás. Lá vai:
“Eis, em suma, o que redigimos para destruir os erros referidos (destructionem predicti erroris), mas não servindo-nos dos dogmas da fé, e sim dos argumentos e das afirmações dos próprios filósofos. Se alguém, gloriando-se do falso nome da ciência [ou de “cientista”, diríamos], quiser dizer alguma coisa contra o que acabamos de escrever, que não fale pelos cantos (non loquatur in angulis) nem à frente dos jovens que não sabem julgar dos assuntos árduos (nec coram pueris qui nesciunt de tam arduis iuidicare). Em vez disso, escreva respondendo a esta obra, se tiver coragem (si audet)”.
Santo Tomás aí estava invocado! E não por uma mera questão filosófica — o erro dos filósofos averroístas, para os quais havia um só intelecto possível [não dá para aprofundar isto agora] —, mas porque, sabendo que, sem a razão íntegra, a fé descamba em pietismo ou em superstições, era seu dever refutar esse erro publicamente. Em prol de todos.
Ah, se o Aquinate lesse o que escrevem alguns bem-falantes liberais de hoje, capazes de mencionar, num mesmo texto, um satanista (de forma “neutra”) e um doutor da Igreja, ele daria murros na mesa! Sobretudo porque os meios de difusão de erros e de pecados contra o Espírito Santo são, hoje, incomensuráveis — entram em nossa casa pela Internet. Portanto, se você conhece uma dessas pessoas bem-falantes e lhe tem apreço, reze ainda hoje por ela, rogando a Deus que lhe dê Graças atuais, para que se arrependa. Reze amanhã. E depois. E depois. Reze sempre. Ofereça por ela pequenas mortificações, no silêncio da oração mental ou contemplativa. Isto é amá-la, mas não com amor natural, pois se dependesse só da natureza você talvez quisesse dar-lhe uns sopapos. É amá-la em Cristo.
Este era também um dos ensinamentos de São Francisco de Sales.
Já se disse aqui que o liberal, quando é letrado, consegue na melhor das hipóteses ser um esteta, um sujeito hipnotizado pela casca de beleza que há na forma de uma composição artística qualquer. Isto porque, nessa auto-idolatria camuflada — que é a crença na consciência individual autônoma —, ele desvirtua uma de suas tendências fundamentais, que é a sindérese, hábito natural que capta os primeiros princípios da razão prática. Querendo-se “autônomo”, no ato ele já deforma a sua própria consciência.
Assim, não lhe peçamos para ter a clara noção de uma hierarquia de valores objetivos que sejam a expressão das coisas reais, isto é, encontrem nestas últimas a sua correspondência ontológica, pois, como o bem e o mal “dependem” unicamente da percepção da sua consciência individual, certamente “bom” e “mau” serão conceitos “relativos”, salvo em casos extremos, talvez em situações de risco de vida. Daí que liberalismo e relativismo moral sejam, pois, irmãos siameses. Para o liberal, uma organização ocultista-satanista e um clube de xadrez são, ambas, instituições aprioristicamente legítimas, pois as pessoas que lá estão escolheram livremente lá estar (e uma vez mais: já mostramos que a liberdade não radica no ato da escolha). Pois bem: se o liberal crê realmente nessas premissas (às vezes nos custa acreditar!), falar bem ou mal de alguém ou de alguma instituição pode virar para ele um esporte, um lazer sardônico. Algo engraçado (se é contra os outros, e a favor dele mesmo) ou enfadonho (se é contra um dos seus “valores” individuais).
Para o católico, a coisa é diferente. A Igreja é uma instituição absolutamente perfeita quanto à doutrina sublime (ensinada pelo próprio Deus, na Pessoa do Cristo), quanto aos fins (a salvação das almas) e quanto aos meios (os sacramentos, que são sinais sensíveis da Graça, sem a qual o homem não pode salvar-se). Na visão católica, as gradações de bem e de mal nas coisas humanas — obras de arte, política, economia, etc. — são configuradas de acordo com que nos aproximem ou nos distanciem desse bem espiritual absoluto que é a doutrina do Evangelho, assim como dos meios pelos quais nos mantemos ordenados a esse fim sobrenatural beatífico. Vale dizer que também não serão boas caso nos distraiam dos valores fundamentais, fazendo-nos cair numa inércia hedonística — típica entre liberais, que hoje se interessam por uma bobagem, amanhã por outra —, inércia na qual o espírito se dissipa, amolece, se desviriliza, torna-se propenso a ser acometido de toda a sorte de paixões. E aqui, de passagem, não custa deixar registrada a definição de “paixão” que Santo Tomás acolhe do grande São João Damasceno, pois adiante voltaremos ao assunto: Paixão é o movimento do apetite sensitivo pela imaginação de um bem ou de um mal. Anotem, por favor, e aguardem.
São Paulo já nos dera a medida do bom combate: percorrer o caminho até o final, guardar a fé — o que implica também defendê-la contra idéias errôneas e maliciosas. Sendo assim, de fato, uma das formas de ser construtivo é destruir o que é destrutivo; quando isso é possível, torna-se obrigação moral, e não levá-la a cabo é nada menos que omissão. Diz o mesmo Santo Tomás que é dupla a função do detentor de algum saber: ordenar as coisas aos fins que lhes são próprios e combater os erros, pois uma implica a outra. Por isso, não há bom-mocismo no caminho de quem busca a sabedoria, e principalmente no de quem pretende manter-se sob a luz da fé, pois um só pecado mortal retira-nos a Graça atual e, assim, um só desses tem o condão de levar-nos ao inferno, se não buscamos remédio! Odiar o que é odiável, destruir o que destrói o que temos de mais digno é, por tudo isso, uma coisa altamente edificante, pois visa ao duplo bem das almas: ao bem inteligível, que é o fim da alma racional, pois todas as suas potências estão ordenadas a ele; e ao bem supra naturam, que é a beatitude perfeita, que sobreeleva a natureza pela Graça. Esse é o caminho dos Santos de todos os tempos.
Deixo aqui, a propósito, um exemplo prático de que o combate aos erros é um dos mais instrutivos e positivos combates: um trecho do parágrafo final do esplêndido livro De unitate intellectus contra Averroistas, de Santo Tomás. Lá vai:
“Eis, em suma, o que redigimos para destruir os erros referidos (destructionem predicti erroris), mas não servindo-nos dos dogmas da fé, e sim dos argumentos e das afirmações dos próprios filósofos. Se alguém, gloriando-se do falso nome da ciência [ou de “cientista”, diríamos], quiser dizer alguma coisa contra o que acabamos de escrever, que não fale pelos cantos (non loquatur in angulis) nem à frente dos jovens que não sabem julgar dos assuntos árduos (nec coram pueris qui nesciunt de tam arduis iuidicare). Em vez disso, escreva respondendo a esta obra, se tiver coragem (si audet)”.
Santo Tomás aí estava invocado! E não por uma mera questão filosófica — o erro dos filósofos averroístas, para os quais havia um só intelecto possível [não dá para aprofundar isto agora] —, mas porque, sabendo que, sem a razão íntegra, a fé descamba em pietismo ou em superstições, era seu dever refutar esse erro publicamente. Em prol de todos.
Ah, se o Aquinate lesse o que escrevem alguns bem-falantes liberais de hoje, capazes de mencionar, num mesmo texto, um satanista (de forma “neutra”) e um doutor da Igreja, ele daria murros na mesa! Sobretudo porque os meios de difusão de erros e de pecados contra o Espírito Santo são, hoje, incomensuráveis — entram em nossa casa pela Internet. Portanto, se você conhece uma dessas pessoas bem-falantes e lhe tem apreço, reze ainda hoje por ela, rogando a Deus que lhe dê Graças atuais, para que se arrependa. Reze amanhã. E depois. E depois. Reze sempre. Ofereça por ela pequenas mortificações, no silêncio da oração mental ou contemplativa. Isto é amá-la, mas não com amor natural, pois se dependesse só da natureza você talvez quisesse dar-lhe uns sopapos. É amá-la em Cristo.
Este era também um dos ensinamentos de São Francisco de Sales.