Sidney Silveira
Como vimos anteriormente, há incompatibilidade absoluta entre uma teoria que prega a autonomia da consciência individual e outra que ressalta a necessidade de fiel obediência à norma externa promulgada por um Magistério — o da Igreja Católica — participado por Deus aos homens, não obstante seja esse Magistério apenas a causa instrumental, e não formal, de uma autoridade que é própria apenas de Cristo.
Como vimos anteriormente, há incompatibilidade absoluta entre uma teoria que prega a autonomia da consciência individual e outra que ressalta a necessidade de fiel obediência à norma externa promulgada por um Magistério — o da Igreja Católica — participado por Deus aos homens, não obstante seja esse Magistério apenas a causa instrumental, e não formal, de uma autoridade que é própria apenas de Cristo.
Lembremos aqui de duas mudanças insufladas por Lutero, que representaram uma quebra no sensus fidei, como salienta com muita propriedade o teólogo argentino Álvaro Calderón:
1- a Sola Scriptura, de acordo com a qual, trocando em miúdos, a Revelação se fixou de uma vez para sempre nas Sagradas Escrituras, e é oferecida por Deus imediatamente (ou seja, sem mediação de um Magistério eclesiástico) a cada indivíduo, como expressão imutável, congelada, e, sendo assim, não há progresso na expressão do Traditum — ou melhor, não há propriamente tradição alguma. Ora, isto é de todo contrário ao que é, para o católico, a Tradição: esta progride não em si mesma, mas em sua expressão pelo Magistério da Igreja, até o fim dos tempos;
2- o Livre exame, de acordo com o qual é o sensus próprio da fé pessoal de cada fiel cristão o que o faz discernir o que é verdadeiro na Revelação, sem necessidade de uma mediação por parte de nenhum Magistério. O indivíduo protestante, portanto, “sente” qual a verdadeira interpretação que (a sua consciência individual) deve dar às Sagradas Escrituras.
Grandes santos e teólogos já disseram e redisseram, ao longo dos séculos, que todo pecado é uma imagem do pecado original, ou seja: é um anseio de autonomia, de querer construir para si uma felicidade independente de Deus, além de uma orgulhosa desobediência. Ora, nos dois casos arquitetados por Lutero, há o desejo de livrar-se da autoridade exterior — algo análogo ao que acontece com os liberais de todas as cores, para os quais a relação da consciência individual “autônoma” (o nome diz tudo!) com a autoridade exterior é, no mínimo, um enorme problema. Por isso, para o liberal a autoridade deve ser mitigada, reduzida ao minimum minimorum, para não “coagir” as liberdades individuais.
Com a simples menção a esses pontos da doutrina que fundou o protestantismo (que, no final das contas, levou à criação de uma “igreja” independente, “autônoma”), o leitor minimamente inteligente já percebeu o seguinte: entre o liberalismo — contemplado em algumas das características comuns a todos os liberalismos — e o protestantismo há absoluta semelhança: ambos pregam a autonomia do indivíduo!
Em um próximo post, veremos se se pode dizer que a consciência é autônoma em algum sentido, e se não se pode, quais seriam os condicionamentos da consciência individual no ato de escolher esta ou aquela coisa — tomando como base o texto de Tomás de Aquino em De Veritate [De Electione Humana], q. 24, a. 1, resp.