Sidney Silveira
A esta altura da história da filosofia, é impossível falar de ação, ou de agente, sem ter noção do conceito de ato, em Aristóteles, e dos desenvolvimentos que dele se fizeram ao longo dos séculos. A metafísica aristotélica do ato e da potência é uma aquisição definitiva para a história do pensamento, e negligenciá-la é — na melhor das hipóteses, para sermos benevolentes — engolfar-se em problemas já resolvidos satisfatoriamente no passado, ou, se se quer ficar na linguagem filosófica, apoditicamente.
Por isso, antes de prosseguirmos com Ludwig von Mises e com a sua idéia de que é possível analisar a ação humana independentemente de quaisquer circunstâncias (Human Action, capítulo II), o que é, em si, desconhecer a rica abrangência e, sobretudo, a essência do ato propriamente humano, vamos fazer a distinção da ação humana da seguinte forma:
1- A psicologia da ação humana.
2- A metafísica da ação humana.
3- A ontologia da ação humana.
A propósito, o argumento do economista, nesse mesmo capítulo do seu opus magnum, é o de que a praxeologia busca afirmações que não derivam da experiência, pois ela não se refere ao aspecto material dos atos, mas apenas formal, não obstante diga Mises no mesmo parágrafo que a praxeologia demarca um limite “semelhante ao da experimentação”, no caso das ciências que interpretam eventos físicos e químicos. E, no parágrafo seguinte — depois de haver anteriormente nos informado de que “o erro dos filósofos” (sic) se deve à sua total ignorância em economia (sic), e também a um candente desconhecimento em história (em um post anterior, informamos que, para Mises, a inteligência humana é um dado histórico [as palavras são dele!], pois viemos de... uma ameba!!! [também palavras dele!) —, o economista nos remete novamente ao evolucionismo que ele dá por certeza “científica”, ao dizer que o homem é “descendente de ancestrais não-humanos que não tinham tal capacidade (racional)”. É verdade que Mises nos diz que o homem não é só um animal sujeito a estímulos, mas um ser agente, e a categoria da ação é antecedente aos atos concretos (??). Mas desmontaremos tudo isso com calma, em prol da verdade, e não sem muito trabalho. Portanto, pedimos aos leitores que nos acompanhem devagar.
1- A psicologia da ação humana
O homem é uma unidade psicossomática, na qual se distinguem potências e atos especificados por seus objetos formais. Portanto, antes de chegarmos ao ato propriamente humano, em sua exterioridade atualizada no tempo e no espaço, é fundamental termos noções básicas sobre a relação alma-corpo (psique-soma), e como ela influencia a inteligência e a vontade, no exercício dos seus atos próprios. Seguiremos de perto o Prof. Martín Echavarría, autor do já citado La praxis de la psicologia y sus niveles epistemológicos según Santo Tomás de Aquino, pois a sua síntese é, simplesmente, esplêndida.
a) O conhecimento sensitivo (os sentidos externos)
De acordo com Santo Tomás (e ele está certo, como veremos adiante), todo conhecimento é uma posse imaterial do ente conhecido a partir da essência das coisas materiais (quidditas rei materialis). E, ao passo que os sentidos externos (tato, paladar, olfato, audição e visão), em si mesmos, apreendem não-intencionalmente as coisas (se eu abro os olhos, não há como não ver o que vejo), a inteligência as apreende intencionalmente — daí que todo conhecimento intelectivo é intencional, pois a vontade e a inteligência estão nele implicadas. Mas aqui já temos uma pista de que também os sentidos externos nos trazem um conhecimento verdadeiro, embora ainda incompleto, porque pelos sentidos já possuímos a coisa com certa imaterialidade, ou, como diz Echavarría, com um grau primitivo de imaterialidade.
a.1) O tato
O tato é, em sua instância específica, o mais universal dos sentidos, pois nenhum ente dotado de anima (ou seja: de princípio intrínseco de movimento de corpo) carece dele, nem mesmo um ente unicelular: da ameba evolucionista do texto de Mises ao próprio Mises, todos os animais possuem tato. E, como em todos os demais sentidos há algo do tato — na medida em que, nele, se cumpre o estatuto sensorial elementar —, neste aspecto o tato é o mais importante dos sentidos, como afirma Santo Tomás (em De sensu et sensato, 1, II, nº 21). Ademais, o tato de certa forma não é um só sentido, mas contém alguns outros — ainda que de forma imperfeita. Assim, o paladar parece uma espécie circunscrita de tato (cfme. De sensu et sensato, nº 23), pois se orienta a conhecer o conveniente ou inconveniente para o corpo, a partir de um contato físico.
Ao final desta série, ficará para o leitor evidente não apenas que a ação humana, para ser descrita em seu aspecto formal, não pode deixar de observar todas as instâncias disto que é o homem (como faz Mises), pois na ação humana está implicado todo o seu ato de ser, em graus distintos. E esperamos, de passagem, também mostrar que a tese central de Xavier Zubiri, em sua trilogia Inteligencia Sentiente (de que inteligimos sentindo e sentimos inteligindo) põe, num mesmo plano, potências não apenas distintas quanto ao objeto, mas também quanto à sua dignidade entitativa.
(Prossegue)
Por isso, antes de prosseguirmos com Ludwig von Mises e com a sua idéia de que é possível analisar a ação humana independentemente de quaisquer circunstâncias (Human Action, capítulo II), o que é, em si, desconhecer a rica abrangência e, sobretudo, a essência do ato propriamente humano, vamos fazer a distinção da ação humana da seguinte forma:
1- A psicologia da ação humana.
2- A metafísica da ação humana.
3- A ontologia da ação humana.
A propósito, o argumento do economista, nesse mesmo capítulo do seu opus magnum, é o de que a praxeologia busca afirmações que não derivam da experiência, pois ela não se refere ao aspecto material dos atos, mas apenas formal, não obstante diga Mises no mesmo parágrafo que a praxeologia demarca um limite “semelhante ao da experimentação”, no caso das ciências que interpretam eventos físicos e químicos. E, no parágrafo seguinte — depois de haver anteriormente nos informado de que “o erro dos filósofos” (sic) se deve à sua total ignorância em economia (sic), e também a um candente desconhecimento em história (em um post anterior, informamos que, para Mises, a inteligência humana é um dado histórico [as palavras são dele!], pois viemos de... uma ameba!!! [também palavras dele!) —, o economista nos remete novamente ao evolucionismo que ele dá por certeza “científica”, ao dizer que o homem é “descendente de ancestrais não-humanos que não tinham tal capacidade (racional)”. É verdade que Mises nos diz que o homem não é só um animal sujeito a estímulos, mas um ser agente, e a categoria da ação é antecedente aos atos concretos (??). Mas desmontaremos tudo isso com calma, em prol da verdade, e não sem muito trabalho. Portanto, pedimos aos leitores que nos acompanhem devagar.
1- A psicologia da ação humana
O homem é uma unidade psicossomática, na qual se distinguem potências e atos especificados por seus objetos formais. Portanto, antes de chegarmos ao ato propriamente humano, em sua exterioridade atualizada no tempo e no espaço, é fundamental termos noções básicas sobre a relação alma-corpo (psique-soma), e como ela influencia a inteligência e a vontade, no exercício dos seus atos próprios. Seguiremos de perto o Prof. Martín Echavarría, autor do já citado La praxis de la psicologia y sus niveles epistemológicos según Santo Tomás de Aquino, pois a sua síntese é, simplesmente, esplêndida.
a) O conhecimento sensitivo (os sentidos externos)
De acordo com Santo Tomás (e ele está certo, como veremos adiante), todo conhecimento é uma posse imaterial do ente conhecido a partir da essência das coisas materiais (quidditas rei materialis). E, ao passo que os sentidos externos (tato, paladar, olfato, audição e visão), em si mesmos, apreendem não-intencionalmente as coisas (se eu abro os olhos, não há como não ver o que vejo), a inteligência as apreende intencionalmente — daí que todo conhecimento intelectivo é intencional, pois a vontade e a inteligência estão nele implicadas. Mas aqui já temos uma pista de que também os sentidos externos nos trazem um conhecimento verdadeiro, embora ainda incompleto, porque pelos sentidos já possuímos a coisa com certa imaterialidade, ou, como diz Echavarría, com um grau primitivo de imaterialidade.
a.1) O tato
O tato é, em sua instância específica, o mais universal dos sentidos, pois nenhum ente dotado de anima (ou seja: de princípio intrínseco de movimento de corpo) carece dele, nem mesmo um ente unicelular: da ameba evolucionista do texto de Mises ao próprio Mises, todos os animais possuem tato. E, como em todos os demais sentidos há algo do tato — na medida em que, nele, se cumpre o estatuto sensorial elementar —, neste aspecto o tato é o mais importante dos sentidos, como afirma Santo Tomás (em De sensu et sensato, 1, II, nº 21). Ademais, o tato de certa forma não é um só sentido, mas contém alguns outros — ainda que de forma imperfeita. Assim, o paladar parece uma espécie circunscrita de tato (cfme. De sensu et sensato, nº 23), pois se orienta a conhecer o conveniente ou inconveniente para o corpo, a partir de um contato físico.
Ao final desta série, ficará para o leitor evidente não apenas que a ação humana, para ser descrita em seu aspecto formal, não pode deixar de observar todas as instâncias disto que é o homem (como faz Mises), pois na ação humana está implicado todo o seu ato de ser, em graus distintos. E esperamos, de passagem, também mostrar que a tese central de Xavier Zubiri, em sua trilogia Inteligencia Sentiente (de que inteligimos sentindo e sentimos inteligindo) põe, num mesmo plano, potências não apenas distintas quanto ao objeto, mas também quanto à sua dignidade entitativa.
(Prossegue)