Carlos Nougué
Entre os gênios militares, há, de um lado, o Rei São Luís e, de outro, Stalin.
Entre os gênios da retórica, há, de um lado, Cícero e, de outro, Hitler.
Entre os gênios da música, há, de um lado, Bach e, de outro, Wagner.
E qual a razão de dizê-lo aqui? Porque me disse um querido amigo que eu devia tomar certo cuidado ao criticar Beethoven, que foi um gênio da música e como tal é reconhecido por muita gente.
Ora, sem dúvida Beethoven foi um gênio. E algumas de suas peças, como a Sinfonia conhecida como Pastoral ou a chacona chamada 32 Variações em Dó menor, bem como movimentos de algumas de suas peças maiores, como o belíssimo Adágio da Nona Sinfonia, estão com todo o direito entre as obras de arte que “servem para recrear a alma dentro de justos limites”, expressando, espelhando, de certa maneira, alguma harmonia do universo ou do próprio homem.
Mas, em primeiro lugar, a sua música não pode enquadrar-se na categoria da arte que “serve para louvar a Deus”. (Mesmo as suas poucas peças “religiosas”, como a bela Missa Solene, são, digamos, demasiado profanas...) Só por isso já Bach lhe seria imensamente superior, pela ordenação de sua música a um fim imensamente superior ao fim da música de Beethoven.
E, sobretudo, boa parte da produção de Beethoven é má arte precisamente porque não expressa nenhuma harmonia, mas antes alguma desarmonia, como a desarmonia da própria alma pelas paixões, ou a desarmonia social da revolução. E isso é daninho em triplo sentido: em si mesmo, com respeito aos fins justos da arte, e com relação ao efeito provocado no ouvinte.
Ora, o estético deve ordenar-se ao fim último do homem – o Sumo Bem, que é Deus – como fim intermediário que é, fazendo-o pelo menos de maneira indireta. Se não o faz de maneira alguma, mas antes está ordenado a um mal, perde ipso facto o próprio caráter de fim: porque estar ordenado a um mal é, propriamente, servir não a algo, mas à ausência de algo, à ausência de um bem. A propósito, o Sidney postará mais adiante, neste espaço, a crítica ao esteticismo na chamada filosofia da arte, ou seja: ao lugar indevido que, após Baumgarten (século XVIII), a instância “estética” passou a ocupar na análise das obras de arte, com a perda do conceito de belo como um dos transcendentais do Ser. O belo, como veremos, não é "neutro" nem um fim em si mesmo.
Com efeito, Beethoven consegue como poucos ser genialmente daninho: seus recursos musicais para expressar a desarmonia são, de fato, superiores.
Pois, querido amigo a quem se destina este pequeno texto, também ao mal pode servir o gênio. Afinal, não será o próprio príncipe deste mundo um gênio? Sim, o é, e dos grandes, mas como macaco de Deus – e anjo caído.
Entre os gênios militares, há, de um lado, o Rei São Luís e, de outro, Stalin.
Entre os gênios da retórica, há, de um lado, Cícero e, de outro, Hitler.
Entre os gênios da música, há, de um lado, Bach e, de outro, Wagner.
E qual a razão de dizê-lo aqui? Porque me disse um querido amigo que eu devia tomar certo cuidado ao criticar Beethoven, que foi um gênio da música e como tal é reconhecido por muita gente.
Ora, sem dúvida Beethoven foi um gênio. E algumas de suas peças, como a Sinfonia conhecida como Pastoral ou a chacona chamada 32 Variações em Dó menor, bem como movimentos de algumas de suas peças maiores, como o belíssimo Adágio da Nona Sinfonia, estão com todo o direito entre as obras de arte que “servem para recrear a alma dentro de justos limites”, expressando, espelhando, de certa maneira, alguma harmonia do universo ou do próprio homem.
Mas, em primeiro lugar, a sua música não pode enquadrar-se na categoria da arte que “serve para louvar a Deus”. (Mesmo as suas poucas peças “religiosas”, como a bela Missa Solene, são, digamos, demasiado profanas...) Só por isso já Bach lhe seria imensamente superior, pela ordenação de sua música a um fim imensamente superior ao fim da música de Beethoven.
E, sobretudo, boa parte da produção de Beethoven é má arte precisamente porque não expressa nenhuma harmonia, mas antes alguma desarmonia, como a desarmonia da própria alma pelas paixões, ou a desarmonia social da revolução. E isso é daninho em triplo sentido: em si mesmo, com respeito aos fins justos da arte, e com relação ao efeito provocado no ouvinte.
Ora, o estético deve ordenar-se ao fim último do homem – o Sumo Bem, que é Deus – como fim intermediário que é, fazendo-o pelo menos de maneira indireta. Se não o faz de maneira alguma, mas antes está ordenado a um mal, perde ipso facto o próprio caráter de fim: porque estar ordenado a um mal é, propriamente, servir não a algo, mas à ausência de algo, à ausência de um bem. A propósito, o Sidney postará mais adiante, neste espaço, a crítica ao esteticismo na chamada filosofia da arte, ou seja: ao lugar indevido que, após Baumgarten (século XVIII), a instância “estética” passou a ocupar na análise das obras de arte, com a perda do conceito de belo como um dos transcendentais do Ser. O belo, como veremos, não é "neutro" nem um fim em si mesmo.
Com efeito, Beethoven consegue como poucos ser genialmente daninho: seus recursos musicais para expressar a desarmonia são, de fato, superiores.
Pois, querido amigo a quem se destina este pequeno texto, também ao mal pode servir o gênio. Afinal, não será o próprio príncipe deste mundo um gênio? Sim, o é, e dos grandes, mas como macaco de Deus – e anjo caído.