sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Morte, maldita sejas mil vezes!

Sidney Silveira
Relendo o breve texto sobre Santo Alberto Magno, vejo que ficou incompleto. Há uma passagem muito bonita, que se refere ao seu amado discípulo, frei Tomás. Na margem de um manuscrito do século XIII, lê-se um comentário de Alberto exatamente na questão 90 da terceira parte da Suma Teológica. A certa altura do texto, escreve ele: "Aqui, morre Tomás. Oh, morte, maldita sejas mil vezes!" ("Hic moritur Thomas. O mors, quam sis maledicta").

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

As relações entre a inteligência e a vontade (I)


Sidney Silveira
De acordo com Santo Tomás, os atos propriamente humanos, ou seja, aqueles que nos distinguem de todos os demais entes dotados de alma (anima = princípio intrínseco de movimento do corpo) provêm das duas potências superiores inscritas em nossa forma: a inteligência e a vontade. Em suma, entender e querer são atualizações de possibilidades propriamente humanas — na medida em que dos outros animais só podemos dizer que entendem e querem por analogia de atribuição. A menos que concedêssemos que uma anta pudesse querer jogar uma partida de xadrez contra Garry Kasparov, ou que um asno recitasse o Veni, Creator Spiritus desejando contemplar a face de Deus, por entender ser Ele o Sumo Bem. Como tal opinião é de uma asnice sem tamanho, pois nos levaria a aporias insanáveis, deixemo-la.

Ao indicar a bibliografia para a primeira aula do seu Curso de História da Filosofia, o Carlos fez alusão ao caráter problemático de uma tese do Pde. Cornelio Fabro atinente às relações entre a inteligência e a vontade. Noutra oportunidade, faremos um comentário ao livro do pensador italiano intitulado Riflessioni sulla libertà, onde se encontra a tese referida pelo meu querido amigo. Por hora, deixemos consignadas quais são as relações entre a vontade e a inteligência, na doutrina do Aquinate. Em suma, faremos um esboço de definição acerca de se há ou não primazia de uma potência sobre a outra — e em que ocasiões isto pode ocorrer.

Comecemos pela consideração de que o objeto do entendimento (o verum) é superior ao da vontade (o bonum apprehensum), na medida em que para nós o bem só pode dizer-se “bom” enquanto verdadeiro. Neste sentido, a razão de bem (ratio boni) radica na razão de verdade (ratio veri), porque a vontade — que é o apetite intelectivo do bem — só deseja algo na única e exata medida em que esse algo se apresenta a ela na forma de um bem. Em síntese, dada a sua constituição ontológica, a vontade não pode querer o mal em si (simpliciter), mas apenas acidentalmente (per accidens), como por exemplo ocorre a um suicida que, ao matar-se, realiza esse ato porque morrer, naquele instante dramático, se lhe afigurou como algo melhor do que viver sofrendo, por esta ou por aquela razão. Ou seja: a vontade quis o que, no ato, lhe pareceu um bem.

Em síntese, o verdadeiro está para o bom na mesma medida em que o ato está para a potência, pois o ser dos entes é apresentado à vontade somente após ser conhecido. Por isso Santo Tomás sustenta que não é possível querer o que não se conhece, pois algo só pode ser apetecido na medida em que o seu modo de ser (modus essendi) seja descortinado, em algum grau, pela inteligência. Por conseguinte, o entendimento dá à vontade o seu objeto, conforme se lê num estupendo artigo da Suma Teológica (I, q. 82, a.3, ad.2).

Como diz com grande acerto G. M. Manser, O.P., no seu hoje esgotado A Essência do Tomismo, a primazia do verdadeiro e da inteligência sobre o bem e a vontade aplicou-a Santo Tomás a Deus, ao universo e ao homem com uma extraordinária perfeição. Em resumo, o fim supremo do universo é a verdade (cfme. Suma Contra os Gentios, I), captável apenas pelo intelecto, razão pela qual o entendimento move a vontade humana até o seu objeto e exerce uma radical primazia sobre ela. A vontade só quer e apetece o fim enquanto conhecido pela inteligência e apresentado por esta como apetecível. O entendimento é, pois, a primeira causa de toda apetecibilidade da vontade, e dele dependem, em caráter absoluto, todas as volições.

Por outro lado, em certo aspecto (secundum quid) pode-se dizer que há uma primazia específica da vontade sobre o entendimento. Ela ocorre quando a atividade da vontade supera a da inteligência. Quando, por exemplo, a vontade apetece bens externos que têm um modo ser mais nobre em si mesmos do que em nosso entendimento — Deus, por exemplo —, a sua atividade supera a da inteligência. Assim, amar a Deus supera tudo o que dele possamos conhecer pela razão natural. É, pois, um ato da vontade mais nobre e superior a quaisquer atos que o homem possa praticar neste mundo.

Mas há outra primazia, à qual denominamos “primazia de atividade” (quoad exercitum, nas palavras de Santo Tomás). Em síntese, tendo a vontade como objeto o bem em geral (bonum in communi), por conseguinte ela quer o bem de cada uma das potências do homem, inclusive o da inteligência. Em palavras chãs, podemos dizer que, quanto às atividades, a vontade é a propulsora das outras potências, inclusive da inteligência. Um exemplo? A aquisição mesma do saber, que exige tantos sacrifícios, tantos anos de dedicação e tantas renúncias, que só mesmo uma firme vontade pode levar um homem ao ponto de se transformar num grande conhecedor de determinada matéria.

Há ainda outra primazia da vontade — também uma primazia de atividade — que é com relação à liberdade. Mas como há tantos erros neste ponto, como o do voluntarismo scotista, por exemplo, convém explicar:

1- No juízo meramente especulativo, o entendimento julga se algo é em si verdadeiro ou falso. Aqui não desempenha a vontade nenhum papel. Guiada pelas evidências, a inteligência chega à conclusão da bondade ou maldade do ente a que se refere (real ou de razão) por si mesma;
2- No juízo especulativo-prático, o entendimento julga se algo é bom ou mau e, por conseguinte, permitido ou proibido por si mesmo, em todas as partes e para todos (conformitas ad rem). Aqui também a vontade não entra em campo;
3- Por fim, no juízo meramente prático, o entendimento julga o que é preciso fazer num caso concreto, e, nestas circunstâncias, este juízo se apresenta à vontade. Portanto, julga o que é conveniente para a vontade hic et nunc, e o que é para ela bom ou proveitoso (conformitas ad appetitum). Mas como, em cada homem, nada há de mais variável do que as situações concretas, é evidente que este juízo não é propriamente científico, mas prático — e se refere à primazia da liberdade da vontade. Ou seja: a vontade, aqui, é absolutamente livre para querer ou não querer.

Estes três casos foram retirados do mencionado livro de Manser, e ilustram muito bem a teoria de Santo Tomás. Em suma, a nossa vontade é absolutamente livre apenas com relação a bens particulares aos quais não se determina necessariamente, de sorte que possa ou não escolhê-los. Mas, ainda neste caso, ela está condicionada pelo entendimento na medida em que mesmo estes bens particulares, aos quais a vontade pode ser indiferente, só são apetecidos na medida em que sejam formalmente bens para a inteligência.

Em outro texto, falaremos como, numa teoria como esta, se explica ter o primeiro anjo querido o mal e caído em tão monstruoso pecado de aversão a Deus, se nele a apreensão intelectiva do bem era tão perfeita... E como em Adão, em quem (no estado de justiça original) os apetites estavam todos ordenados, pôde haver pecado.

Para os desavisados, estes fatos poderiam levar-nos à conclusão de que o mal pode ser querido em si (simpliciter). Mas este é um grande erro. Veremos os porquês noutra ocasião.

Esclarecimentos sobre a bibliografia

Carlos Nougué

A leitura da bibliografia indicada com relação à aula inaugural do “Curso de História da Filosofia” não é pré-requisito para ela. Aliás, não o é tampouco para as demais aulas, que serão didaticamente suficientes e ministradas de modo acessível.

Indicando a cada aula a bibliografia correspondente, busca-se orientar o aluno em seus estudos, não só durante o nosso Curso, mas ao longo de toda a vida. Não se poderia tratar, naturalmente, de estudar salteadamente, por exemplo, uma Metafísica de Aristóteles, cuja leitura pode pressupor o acompanhamento de nosso primeiro ano de curso, no qual veremos toda a Filosofia Clássica (greco-romana). Nem, muito menos, se trataria de obrigatoriamente ler em latim um Comentário de Santo Tomás, o que não se pode indicar senão para os que já saibam a língua do Aquinate (e, se não está indicado em outras línguas, será pelo menos por desconhecimento nosso de traduções para elas). O aprendizado do latim, como do francês e do espanhol, parece-nos importantíssimo mas não indispensável para o estudo inicial das ciências filosóficas. Dada a enfermidade de que padece o atual sistema educacional também com respeito aos idiomas, seria absurdo postergar o aprendizado inicial da filosofia para depois do aprendizado deles. Muito pelo contrário, como o estudo das ciências filosóficas é coisa de toda uma vida, e como que deve converter-se em sangue e ossos de quem se entrega a ele, o estudo das línguas em que principalmente tais ciências se vertem pode ser feito concomitantemente àquele, e na medida do possível: primeiro o espanhol, depois o francês ou o latim. E não nos esqueçamos: nem Santo Agostinho nem Santo Tomás de Aquino sabiam grego, que era então a língua filosófica por excelência.

Temos por objetivo, com este Curso, dotar os alunos de ampla capacidade de entender a filosofia e sua linguagem. A leitura das obras indicadas em nossas bibliografias, portanto, deve dar-se quando já se tenham condições para tal ― para o que, justamente, nos esforçaremos por contribuir.

Até, pois, a aula inaugural.

Bibliografia inicial do Curso de História da Filosofia



Carlos Nougué

Bibliografia mínima referente à aula inaugural do “Curso de história da Filosofia”(“Que é a História da Filosofia”, 3 de novembro de 2009)

I) A Metafísica de Aristóteles, Livros Primeiro (especialmente 1-2), Segundo, Quarto e Sexto.

Observação 1: A melhor tradução ao português é sem dúvida a feita da tradução ao italiano por Giovanni Reale (3 vols., bilíngüe, São Paulo, Edições Loyola, 2005). Observe-se, contudo, o seguinte:

a) Giovanni Reale, como ele mesmo o diz, não é aristotélico-tomista, mas platônico-plotiniano-agostiniano. Ora, isso deforma por vezes suas conclusões a respeito da relação entre Aristóteles e Platão; embora, reconheçamo-lo, também o leve a superar com correção alguns equívocos a respeito desses dois filósofos que se perpetuavam entre os tomistas. Para além de tudo isso, porém, e afora o fato de o trabalho do italiano ser maiúsculo em muitos sentidos, é inegável que não podemos alinhar-nos a parte razoável de suas conclusões com respeito às diversas correntes filosóficas. Vê-lo-emos ao longo do primeiro ano deste Curso.

b) Cuidado especial há que ter com a tradução de Giovanni Reale (e pois com a de seu tradutor brasileiro) dos seguintes termos:

● Onde tradicionalmente se usa “sabedoria” (σοφία, sophía), Reale usa “sapienza” e seu tradutor “sapiência”.

● Onde tradicionalmente se usa “prudência” (φρόνσις, phrónesis), Reale usa “saggezza” e seu tradutor “sabedoria”.

Parece-me um capricho, e devemos usar sempre os termos tradicionais, sob pena de descontinuidade, precisamente, da tradição filosófica.
Itálico
Observação 2: Pode-se recorrer também à tradução francesa da Metafísica de Aristóteles pela Sœur Pascale-Dominique Nau, op, encontrável em
http://docteurangelique.free.fr/ .

Observação 3: Cuidado especialíssimo se deve ter em quase todas as traduções de Aristóteles e dos gregos em geral (e em muitas de Santo Tomás de Aquino) quanto aos seguintes termos:

a) Ón (), que corresponde em latim a ens, entis; em francês a étant; e em português e espanhol a “ente”. Infelizmente, porém, grande parte das vezes é vertido por être ou “ser”. Trata-se porém de coisas distintas: “ente” é tudo quanto tem ser; mas não é o Ser, conquanto se possa dizer, analogicamente, que Deus (cuja essência é ser) é o Sumo Ente ou, melhor ainda, o Ente sem fieri.

b) Por sua vez, eînai (primeira pessoa do singular: eimí, “sou”), sim, é que corresponde a être e a “ser”. Ón é justamente o particípio presente neutro de eînai, assim como ens, entis é o particípio presente de esse, e étant o de être.

Veremos aprofundadamente tudo isso na hora certa; mas habituemo-nos desde já a esta correção terminológico-conceptual.

II) O Comentário de Santo Tomás à Metafísica de Aristóteles.

Observação 1: Encontra-se o texto latino integral em
http://www.corpusthomisticum.org/ (in Opera omnia S. Thomae, Commentaria, In Aristotelem, Sententia libri Metaphysicae).

Observação 2: Em
http://docteurangelique.free.fr/ , encontra-se uma tradução parcial (e desigual) ao francês.

III) De Réginald Garrigou-Lagrange, El realismo del principio de finalidad, dedebec/ediciones desclée, de brower, 1947, cap. IV (“Orden en que deben estudiarse las ciencias filosóficas”), pp. 185-200. Magnífico, como toda a obra deste que se deve reputar entre os maiores tomistas de todos os tempos.

Observação: Cuidado especial, porém, deve ter-se também aqui com o que se diz mais acima (Observação 3 de I) de ente e ser. Trata-se de um problema quase geral entre os tomistas, o qual nos grandes, como Garrigou-Lagrange, implica apenas certa confusão terminológica e maneiras algo mais obscuras de explicá-lo, mas em tomistas menores implica verdadeiro nó conceptual. Esta observação, todavia, não nos faz adeptos do P. Cornelio Fabro, que porém tanto insistiu corretamente na distinção entre ente e ser. Ao contrário, como veremos também na hora certa, o filósofo italiano parece-nos incorrer em certo “escotismo” no tratamento da “vontade”, o que, naturalmente, nos afasta dele. Sentimo-nos decididamente seguidores da tradição tomista em que está um Cardeal Caetano, um Padre Garrigou-Lagrange, o Padre Teixeira-Leite Penido de A Função da Analogia em Teologia Dogmática e outras obras, e um Padre Álvaro Calderón.


IV) Do Padre Álvaro Calderón, A Candeia Debaixo do Alqueire, Rio de Janeiro, Edições Mosteiro da Santa Cruz/Angelicum ― Instituto Brasileiro de Estudos Tomistas, 2009, Apêndice Primeiro (“Algumas Noções Teológicas”), pp. 275-280.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Curso sobre a Alma Humana: última semana de inscrições

Sidney Silveira
Esta é a última semana para inscrições no minicurso
“A Alma Humana – Dos pré-socráticos a Santo Tomás de Aquino”, a ser ministrado pelo Nougué todas as quartas-feiras deste mês de novembro, na bela sede da Academia Brasileira de Filosofia – ABF, que, uma vez mais, nos foi franqueada por seu presidente, João Ricardo Moderno (Prof. da Uerj), para a realização de um curso.

As inscrições devem ser feitas pelo email curso@edsetimoselo.com.br, pelo qual passaremos todas as informações sobre como proceder.

Da consciência farisaica à detração

Sidney Silveira
Diz Santo Tomás que a virtude é certa disposição psicológica de um sujeito que seja congruente com o modo de ser de sua natureza, razão pela qual a virtude é uma espécie de bondade*. E o vício é, justamente, o oposto: uma disposição contrária ao modo de ser de sua natureza. Mas entre uma virtude e um vício oposto, muitas vezes, há tanta semelhança que é dificílimo fazer a distinção entre eles. Há pusilanimidade parecida com prudência, prodigalidade com aparência de liberalidade, imprudência com fumos de coragem, avareza semelhante a equilíbrio nos gastos, adulação com ares de afabilidade, etc. Para julgar com retidão, é preciso atentar para os atos correlatos ao vício ou virtude em questão, pois estes nunca vêm sozinhos.

Uma dessas confusões se dá entre a benignidade e a covardia. Na verdade, é ridículo pensar que um sujeito é bom apenas porque não briga com ninguém, não discute sobre nada, mas busca sempre a convergência. Acentua antes os pontos em comum e minimiza as discordâncias entre as pessoas. De fato, isto em muitos casos pode ser boa coisa, pois, antes de tudo, revela uma predisposição para a concórdia que, em si, deve ser louvada. O problema se dá quando os pontos de desacordo se referem a algo de capital importância, e mais ainda: quando implicam o erro ou o acerto, a verdade ou a mentira em relação a determinado ponto. Então, aquilo que parecia de uma bondade alvar (como dizia caricatamente Nelson Rodrigues de alguns de seus personagens de crônicas) revela o seu caráter maléfico. E o que parecia ser o retrato de um espírito bondoso e pacificador, mostra ser o signo de uma omissão — que pode ser mais ou menos culpável na exata medida do conhecimento com que a ação foi levada a cabo.

Neste último caso, a consciência vai-se obliterando até chegar ao ponto em que o auto-engano se transforma num hábito pelo qual o sujeito torna-se incapaz de julgar com retidão os acontecimentos de sua própria vida. É o caso da consciência farisaica, que, de acordo com os grandes mestres de Teologia Moral, faz uma pessoa diminuir o que é importante e essencial, e aumentar o que é desimportante e acidental.

Não há como este arquetípico sujeito farisaico não se transformar num detrator, com o decorrer do tempo. Mas detrator de quem? De qualquer um? Não. Daqueles que dizem as verdades incômodas que a sua consciência tinha jogado para debaixo do tapete — e ele, decididamente, não quer ver. Não há como não se tornar semelhante ao personagem Dorian Gray do romance de Oscar Wilde, cuja fulgurante beleza esconde uma consciência tornada horrenda, em razão de uma vida de mentiras. É claro que, devido a esta atitude inicial de negação, uma pessoa em tal situação dramática não quer pôr à prova as suas crenças e opiniões, pois o medo de ver o erro em que está fala mais alto. Portanto, não lhe resta senão a murmuração.

Alguns católicos liberais, talvez por se ligarem a grupos ou a alguns movimentos que hoje pululam na Igreja, têm um esgar de nojo e espanto com os textos do Contra Impugnantes — apesar de os freqüentarem com uma assiduidade que muito nos honra. São os nossos mais sutis detratores, e muitas vezes essas palavras ao léu por eles proferidas, aqui e ali, nos chegam por canais os mais improváveis. Mas o fato é que chegam.

Definitivamente, não lhes quero o mal, de forma alguma. E, quanto a alguns deles, tenho a firme esperança de que Deus os tirará, mais dia menos dia, dessa rede de crenças equívocas que molda a sua consciência**.

* Suma Teológica, I-II, q. 71, a. 1, resp.
** É claro que não me refiro aqui àqueles liberais que mentem e detratam com plena consciência. O caso destes é muito difícil, pois os pecados contra a Verdade se tornam uma qualidade permanente da alma, como diz o Aquinate em alguns trechos de sua obra...

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Sobre os Anjos (De Substantiis Separatis)

Sidney Silveira
Veja-se um trecho da palestra de lançamento do livro Sobre os Anjos ("De Substantiis Separatis", de Santo Tomás), da qual participamos eu, na condição de editor, o prof. Paulo Faitanin (da Universidade Federal Fluminense - UFF) e os professores Sérgio Salles e Carlos Frederico Calvet (ambos da Universidade Católica de Petrópolis - UCP), além do meu nobre amigo Luiz Astorga — autor da excepcional tradução desta obra magna de metafísica aplicada ao tema dos Anjos. Trata-se de uma edição, por assim dizer, universal, enriquecida por um sem-número de notas explicativas. Uma edição para ficar de pé na estante. O evento aconteceu em dezembro de 2006, no Centro Cultural Banco do Brasil - CCBB, no Centro do Rio.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Um só anjo em cada espécie


Sidney Silveira
É impossível um só homem atualizar todas as potências da espécie, nesta vida tão efêmera, tão cheia de vicissitudes — permeada de condicionamentos de vários tipos. É bom, pois, para a espécie humana que haja muitos indivíduos que atualizem as inúmeras possibilidades inscritas em nossa forma entis. Sicrano é grande teólogo; beltrano, um esportista; fulano, grande compositor e, ademais, filósofo; aquele outro, um grande mestre de xadrez; etc. Ao longo dos tempos, essa maravilhosa miríade de talentos, de atos e de realizações das pessoas vai compondo um panorama de tudo aquilo de que o homem é capaz (e aqui, para o que importa, refiro-me apenas aos homens notáveis, àqueles que deixaram, com suas vidas e suas obras, uma marca indelével de algo grandioso, exemplar). Olhamos para este variadíssimo cenário e temos um espelho de virtudes e de talentos grandemente inspirador. E é bom que assim o seja.

Fixemos muito bem isto: é impossível a um só indivíduo humano atualizar todas as potências da espécie, mas apenas um número limitado delas. Por um lado, isto é algo estupendo, pois sabemos que, por mais que aprendamos, por mais que cresçamos em virtude e em bem, sempre haverá um caminho a percorrer; e se por desventura erramos, se caímos, há a possibilidade de nos levantarmos, porque outros já o fizeram — e nos servem de exemplo. Sempre há e haverá novas coisas para entender, novos bens lícitos para querer. Por outro lado, tudo isso nos aponta para a necessidade de ser humildes, pois temos a notícia da nossa limitação, da nossa contingência e, em suma, da nossa absoluta pequenez. Bem dizia Santa Teresa D’Ávila que humildade é caminhar na verdade, razão pela qual é na clara visão da nossa miséria que nos tornarmos humildes e, por isso mesmo, capazes de grandiosas realizações, pois a nossa grandeza começa no reconhecimento desse quase nada que somos... O sujeito humilde é alguém que tem o senso de proporções preservado, ao contrário do orgulhoso, cuja cegueira da mente atrapalha ou impossibilita a visão da realidade.

Uma das causas mais palpáveis dessa nossa limitação essencial está no fato de que temos composição de matéria. Ou seja: a matéria nos circunscreve espacialmente; e, aderida à forma substancial que é a alma humana, é um co-princípio inferior que move uma série de potências — sendo sempre o corpo o instrumento para todas as possibilidades entitativas do composto humano, inclusive entender e querer, na medida em que: a) conhecemos as coisas por abstração de suas qüididades materiais (ato para o qual várias potências sensitivas são postas em marcha) b) queremos as coisas não de forma etérea, pois há sobre o nosso querer o influxo de várias predisposições corporais, de paixões e de tendências derivadas de aspectos físicos que, muitas vezes, configuram o temperamento, etc.

Em síntese, a espécie humana, para preservar-se e para manifestar o esplendor de sua natureza criada à imagem e à semelhança de Deus, precisa da multiplicidade de indivíduos; isto é bom para ela; ademais, Deus quis criá-la com esta característica. Portanto, se a nossa forma atualiza a matéria dando-lhe a peculiar organicidade que permite manifestar todas as nossas possibilidades espirituais e intelectuais, na verdade o faz, em cada um, de forma limitada, mas de maneira perfeita no conjunto da espécie.

Mas e se não tivéssemos corpo? A espécie humana, neste caso, precisaria de muitos indivíduos para atualizar todas as suas possibilidades espirituais e intelectuais? Precisaria de muitos para perpetuar-se? Precisaria de muitos para alcançar o seu maximum? A resposta de Santo Tomás é: não! E este é justamente o caso dos anjos, substâncias separadas da matéria.

Diz o Aquinate:

“Nenhuma forma, a não ser a forma corpórea, é recebida na matéria ao modo de quantidade. (...) Logo, é impossível que dois anjos sejam da mesma espécie”.*

No sed contra dessa mesma questão do seu Comentário às Sentenças de Pedro Lombardo, já asseverara Santo Tomás que a multiplicação dos indivíduos humanos concorre para perpetuar a espécie (o que não é o caso dos anjos), a qual não pode subsistir em um só homem. Ademais, o anjo não conhece por abstração, mas por intuição direta das essências, ou seja: sem que seja necessário usar o corpo (e todas as potências que lhe são próprias) para entender; portanto, a sua percepção espiritual dos bens que deseja é perfeita, pois nela não há mescla de paixões ou tendências oriundas de precondições corporais. E muito menos há o tempo, na medida em que o anjo — como o demonstra a metafísica aplicada à Angelologia — está fora do tempo, dado que a sua existência se atualiza no evo, um meio termo entre o tempo e a eternidade (fato sobre o qual voltaremos noutro texto). Sendo assim, não há na constituição de cada anjo nenhuma coisa que impeça a atualização de todas as potências de sua espécie. Logo, só pode haver um anjo em cada espécie. Daí dizer Octavio Derisi, citado na extraordinária edição de Sobre os Anjos (da Sétimo Selo), que o anjo Gabriel é a própria gabrielidade, ou seja: é único em sua espécie. E assim com os demais anjos.... E nenhum homem, por sua vez, pode dizer que é a humanidade.


* Santo Tomás, II, Sent. d. 3, art.4, resp.

Dados concretos do “Curso de História da Filosofia: do impulso grego ao abismo moderno”

Carlos Nougué

Dão-se aqui as principais informações sobre o Curso.

I) Nome: História da Filosofia: do impulso grego ao abismo moderno.

II) Professor : Carlos Nougué.

III) Meio, início, durações e outros dados:

1) O Curso será ministrado por meio de vídeos a que se terá acesso no site Cursos da Associação Cultural Santo Tomás (www.santotomas.com.br/cursos), que já está no ar. Nele, por diversas entradas (incluído o link "Fórum de debates"), já se podem ler três textos referentes ao curso: a "Apresentação", um artigo de fundamentação; este texto com os "Dados concretos do Curso"; e a "Ementa" [completa] do primeiro ano do Curso.

2) O Curso começará na primeira semana de novembro deste ano.

3) Haverá sempre duas aulas ou vídeos por mês (sempre dia 5 e 20, sucessivamente), cada uma das quais com duração de duas horas. Naturalmente, os que tiverem senha de acesso poderão ver os vídeos quando quiserem ou puderem.

4) A duração total do Curso será de quatro anos, assim divididos aproximadamente:

> Os primeiros doze meses: a Filosofia Clássica (ou seja, a greco-romana), com destaque para Sócrates, Platão e Aristóteles.
> Os seis meses subseqüentes: a Filosofia Cristã até Santo Tomás de Aquino (exclusive), com destaque para Santo Agostinho.
> Os dois anos seguintes: Santo Tomás de Aquino.
> Os últimos seis meses: de Duns Scot aos dias de hoje.

5) À aula inaugural (no dia 3 de novembro próximo) poderão assistir todos quantos visitarem o referido site. Tratará ela da natureza, classe e princípios das diversas ciências, incluídas a filosofia, a teologia, a história, e, particularmente, a própria história da filosofia.

6) Também será universal, no site, o acesso à ementa completa de cada período do Curso.

7) Os alunos poderão fazer perguntas mediante o e-mail do site do Curso; e a elas se responderá, de algum modo conveniente, na aula seguinte.

8) No site os alunos terão acesso, junto com cada aula, a uma comentada bibliografia referente ao explanado no vídeo.

9) Terão acesso também a livros e textos (em arquivo informático), os quais sempre terão conexão com a parte do Curso em que se estiver.

III) Preço e forma de pagamento:
1) O preço por mês de aula (ou seja, por duas aulas de duas horas cada) será de R$ 40,00 . Poder-se-á reduzir este valor para quem pagar três ou seis meses de uma vez:

a) três meses: R$ 100,00;
b) seis meses: R$ 200,00.

Observação: O preço por mês de aula poderá aumentar ao fim de cada ano.

2) O depósito do pagamento será feito em:

Carlos Augusto Ancêde Nougué
Banco do Brasil
Agência: 0001-9
Conta corrente: 16.603-0
CPF: 374.651.397/91 (para o caso de DOC)

3)
O aluno terá a senha de acesso aos vídeos assim que confirmar o depósito com Marcel Assunção Barboza no e-mail marcel@santotomas.com.br. A informação pode ser dada por meio de scanner do comprovante de depósito, ou pelo mero fornecimento dos dados deste.

Informação final:
Neste site se ministrarão outros cursos, concomitantes a este.
Em tempo: Esta é a última semana de inscrições no minicurso A ALMA HUMANA - DOS PRÉ-SOCRÁTICOS A SANTO TOMÁS, a realizar-se na Academia Brasileira de Filosofia - ABF todas as quartas-feiras de novembro. Elas estão sendo feitas pelo email curso@edsetimoselo.com.br. Agradecemos penhoradamente ao presidente da ABF, João Ricardo Moderno, Prof. da Uerj, por franquear-nos uma vez mais este maravilhoso espaço da Academia (na Casa de Osório, no Centro).

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

A Criação (I)


Sidney Silveira
Num trecho do Comentário às Sentenças de Pedro Lombardo, Santo Tomás afirma que criar é “produzir a coisa no ser segundo toda a sua substância” (producere rem in esse secundum totam suam substantiam). Trata-se, literalmente, de uma doação de ser, ou, em sentido mais técnico no vocabulário tomista*, de uma participação no ser. Noutras palavras, todos os entes têm o ser por participação — enquanto Deus é o próprio Ser que dá de si algo per creationem, num ato libérrimo de Sua vontade. Tudo isso é congruente com outra formulação do Aquinate: “Nada há que preexista à criação” (quia nihil est quod creationi praexistat).

Nenhum de nós é, portanto, capaz de criar, mas tão-somente de formar algo a partir de uma matéria preexistente, ou de gerar algo a partir da própria forma em consórcio com outra da mesma espécie (no caso da geração de uma nova vida, por exemplo). Nestas ocasiões, trata-se de um movimento, ou seja, do trânsito da potência ao ato que supõe uma matéria anterior. Já a criação não pode dar-se por movimento justamente porque é productio ex nihilo, ou seja, é a partir do nada — e nada havia fora da mente divina que pudesse mover-se da potência ao ato, nem a matéria prima. Em suma, o conceito de criação do nada se opõe ao conceito de movimento porque toda mutação pressupõe um sujeito que se movimenta, ou seja, supõe um ponto de partida que passa a um termo final, como muito bem afirma Juan Cruz Cruz na apresentação do Comentário às Sentenças editado pela EUMSA. Ora, no caso da Criação não havia nenhum outro sujeito que, por intermédio da ação divina, pudesse passar da potência ao ato, pelo simples fato de que não havia entes, mas apenas o Próprio Ser. Os entes são, literalmente, a “novidade no ser” (novitate essendi) que é produto da criação. Veja-se a proposição inteira: “A criação não é outra coisa senão uma relação [da criatura] a Deus com novidade no ser” (creatio nihil est aliud realiter quam relatio quaedam ad Deum cum novitate essendi)**.

Nós, em nossa absoluta indigência ontológica, não tocamos o ser, mas apenas a forma dos entes. Só Deus dá o ser e só Ele poderia retirá-lo, se assim o desejasse. Nós podemos destruir as formas dos entes, reduzi-las a outras, pulverizá-las transformando-as em partículas infinitesimais de matéria, mas não lhes destruímos o ser. Somente Deus cria e, portanto, somente ele pode aniquilar — levar o ente ao nada de onde proveio. Neste caso, também não se trataria de uma pura e simples mutação do ser ao não-ser, razão pela qual, de acordo com Santo Tomás, a aniquilação também não se enquadra na categoria do movimento. Em síntese, a potência ao não-ser (potentia ad non esse) não pertence propriamente a nenhuma das criaturas, pois tão-somente o omnipotente Criador pode atualizá-la nelas. Fazendo uso de uma imagem, podemos muito bem dizer que o ser é intocável por nossas mãos.

A criação não tem partes, pois é a criação da totalidade do ser dos entes a partir do nada. Num só ato, Deus cria a matéria prima com todas as suas formas específicas. Do ponto de vista das criaturas, a criação é, pois, uma relação, como afirma o Aquinate. Uma relação do ente finito com o Ente infinito que é o Próprio Ser. O mesmo Cruz Cruz, na referida apresentação ao Comentário de Tomás, diz com grande acerto que o ato de ser não pertence à essência mesma das coisas, pois é, para elas, um predicado acidental. O meu ato de ser não me pertence, nem o de ninguém. Por esta simples razão, não dispomos sequer da nossa própria vida, não somos os proprietários dela — e mesmo o mais convicto dos suicidas, se soubesse que, ao matar-se, apenas destrói o composto atual que o mantém vivo, mas não o ser (e muito menos a forma substancial do seu corpo, que é a alma), talvez mudasse de idéia antes de pôr fim à própria vida. Daria graças a Deus, autor da Vida, maravilhado com esse tão grandioso bem. Ademais, nenhum mal que se dê em nossa vida pode ser maior do que a mesma vida em que se dá.

Vejamos o que diz esse milagre da inteligência que foi Santo Tomás a respeito do ato grandioso, extraordinário, divino, da criação:

“Que haja criação não apenas o sustenta a fé, mas também o demonstra a razão. Porque consta que tudo o que é imperfeito em algum gênero nasce daquilo que primeira e perfeitamente se encontra na natureza do gênero, como consta do calor nas coisas que são esquentadas pelo fogo. Pois muito bem: como qualquer coisa e tudo o que há nela participa de alguma maneira do ser e está mesclado com imperfeição, é necessário que a coisa, de acordo com tudo o que há nela, provenha do Ente primeiro e perfeito. E a isto chamamos criar, ou seja, produzir a coisa no ser segundo toda a sua substância” (producere rem in esse secundum totam suam substantiam)”.
(II, Sent. d1. Art.2)

Em suma, embora não seja, em termos metafísicos, propriamente um movimento (pois sequer possui duração, que é a característica de todos os movimentos dos agentes naturais), a criação é o evento mais extraordinário que pode ter havido, uma ação maravilhosa do Todo Poderoso à qual devemos render graças sempre e sempre.

Meditar sobre a criação é, para o cristão, uma das formas de exercitar o olhar e ver no próximo (por pior que eventualmente possa ser) um semelhante em Deus — criado e amado por Ele.

* Digo vocabulário tomista porque me recuso terminantemente a usar a palavra tomasiano — por razões que noutro texto vale a pena explicar.
** De Potentia Dei, q. 3, a. 3, resp.
Em tempo: Se Heidegger tivesse lido o Comentário às Sentenças escrito pelo Aquinate, não diria que a pergunta “por que há o ente e não o nada?” é a pergunta das perguntas metafísicas. Veria que esta é, na verdade, uma pergunta que expressa um pseudoproblema.
(continua)

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

"TV" Contra Impugnantes: natureza, "telos", etc.

Sidney Silveira
Veja-se mais um trecho de aula do Nougué, na qual se alude ao caráter de "finalidade" que possui toda e qualquer natureza.

Santo Alberto: “In philosophia magnus”

Sidney Silveira
Entre as lacunas da minha formação está o não ter lido quase nada de Santo Alberto Magno, o Doctor Universalis (grande mestre de Santo Tomás de Aquino), a não ser alguns brevíssimos textos inseridos numa ou noutra coletânea. Foi ele matemático, teólogo, filósofo, exegeta, fisiólogo, governante, pregador, polemista e bispo, tudo isso impregnado pelo odor de santidade que distingue os grandes seguidores de Cristo. O qualitativo Magno lhe advém de um texto escrito por um dos seus muitos admiradores, Raimundo Martí, que diz o seguinte: In philosophia magnus, in theologia maximus.

Em certo sentido, sem Santo Alberto não teria havido Santo Tomás, discípulo a quem tanto amou e a quem tanto apoiou — desde o início da carreira do Aquinate até o comovente momento em que, morto Tomás, o então idoso Alberto viaja de Colônia a Paris para fazer a eloqüente defesa do ex-pupilo, que tivera várias proposições teológicas e filosóficas injustamente condenadas pelo Bispo Estêvão Tempier. A defesa feita por Alberto foi estupenda e causou grande impressão, de acordo com o testemunho de Hugo de Lucca, que presenciou a cena.

Diz-se que, ao final da vida, Alberto chorava intensamente toda vez que se lembrava do seu discípulo predileto, sobre cuja obra ainda pairava a censura oficial, a proscrição. É verdade que a exposição feita por Alberto em favor de Tomás não foi capaz de revogar as condenações de Tempier, o que só aconteceu praticamente cinqüenta anos depois. Mas a sua defesa do ex-pupilo, a quem prognosticara o gênio, tem algo de grandioso. A propósito, é famosa a passagem em que alguns alunos, caçoando do “Boi mudo” — como era chamado o jovem Tomás —, ouviram do professor Alberto o seguinte vaticínio. “Vocês escarnecem dele, mas saibam que esse Boi mudo, um dia, vai dar um mugido tão alto que abalará os alicerces da filosofia”.

Santo Alberto é Doutor da Igreja, o que basta para dar-nos de antemão a certeza de que se trata de um grandíssimo pensador e de um fecundo defensor da fé. Diz dele Dante (a quem faço todas as ressalvas políticas do mundo), no Paradiso:

Questi, che m’è a destra più vicino,
Frate e maestro fummi, ed esso Alberto
È di Cologna, ed io Thomas d’Aquino

Certamente, o caráter enciclopédico de Santo Alberto há de ter ajudado deveras o jovem Tomás a vislumbrar o caminho que lhe caberia seguir, de acordo com os desígnios da Providência.

É uma linda história de amizade filosófica e de amor à verdade, a Cristo e à sua Igreja — a única verdadeira.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Os dominicanos de Avrillé



Sidney Silveira
Nestes tempos de confusão hermenêutica, de pluralismo teológico, de modernismos de todos os tipos, em que a Igreja se transformou numa babel de vozes discordantes entre si e, sobretudo, em relação às suas próprias leis sagradas, nada como a leitura de textos do tipo que os dominicanos de Avrillé, na França, chamam de apostolat doctrinal. A propósito, eles editam a melhor revista de orientação tomista do mundo na atualidade — perto da qual algumas bobagens pseudoacadêmicas (inclusive entre professores que, presumivelmente, conhecem a Santo Tomás) são sal que não salga e, por isto, convém ser jogado fora, como manda Nosso Senhor Jesus Cristo.

Esta revista trimestral pode ser adquirida por assinatura feita diretamente no sítio Les éditions du Sel. O número atual (70) está, como de hábito, sensacional. Os textos sobre a questão da verdade em filosofia (e o combate que por ela devem fazer todos os católicos* capacitados para esta árdua tarefa), sobre a débâcle da sociedade descristianizada (com um artigo sobre as origens da subversão na arte) e sobre a vida espiritual (com ênfase nas prerrogativas corporais e celestes da Virgem Maria, por São Bernardo, que terá dentro em breve um livro publicado pela Sétimo Selo) estão imperdíveis. Ademais, o apuro na edição da revista é de quem faz o seu trabalho com grande amor.

A quem puder ler esta preciosidade de publicação, recomendo efusivamente a sua assinatura. A propósito, todas as edições antigas podem ser adquiridas no sítio acima referido.

Não percamos tempo: enquanto os nossos católicos ultraliberais andam por aí fazendo das suas, publicando artigos ou abrindo espaço em suas publicações sobre a “arte” do tremendamente maléfico cineasta Quentin Tarantino**, sobre René Girard, sobre Batman e Robin, sobre a separação (para eles, quase divina) entre o poder material e o espiritual, etc., estudemos os Santos, os Doutores da Igreja, o Magistério e a Sagrada Escritura. Porque, quando chegar o momento do confronto de idéias — e ele há de chegar —, estaremos encouraçados pela sã doutrina.

* Digo todos os católicos porque, no atual estado de necessidade, também cumpre aos leigos este papel de apostolado doutrinal. A propósito, os monges de Avrilllé não hesitam em abrir espaço a leigos conhecedores da teologia católica em sua revista, ao contrário de alguns religiosos brasileiros que, na surdina, falam muito mal de mim e do Nougué porque, simplesmente, somos leigos. Quanta cizânia por tão pouco... Enfim, prosseguiremos até quando for da vontade de Deus.
** Se Deus quiser e a saúde me permitir, ainda teremos uma longa série no Contra Impugnantes sobre as relações entre certos tipos de "arte" e o precipício espiritual em que encerram quem tem com eles contato.
Em tempo: A imagem belísima de São Domingos que ilustra a capa de todos os números da revista Le Sel de la Terre é o detalhe de um trabalho do genial Fra Angelico. Que delicadeza! Que paz espiritual o semblante do santo transmite! Que grande artista foi Fra Angelico! Cliquem na imagem acima e vejam melhor os detalhes...

sábado, 17 de outubro de 2009

"TV" Contra Impugnantes: a essência é o limite do ser

Sidney Silvera
Veja-se mais um pequeno trecho de aula em que se aborda um conceito caro a Santo Tomás (e que foi incluído nas famosas 24 teses tomistas): nos entes compostos de ato e potência, matéria e forma, substância e acidentes, a essência limita o ser.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

A FSSPX em Roma

Sidney Silveira
No próximo dia 26 de outubro, acontecerá em Roma o primeiro colóquio entre representantes da Fraternidade Sacerdotal São Pio X – FSSPX e autoridades vaticanas — conforme informou ontem o Pe. Frederico Lombardi, na Sala de Imprensa da Santa Sé. O encontro acontecerá no Palácio do Santo Ofício, e dele participarão o secretário da Comissão Ecclesia Dei, mons. Guido Pozzo; o secretário da Congregação para a Doutrina da Fé, Luis Ladaria Ferrer, SJ; o vigário geral do Opus Dei, Fernando Ocáriz; e Charles Morerod, secretário da Comissão Teológica Internacional, a famosa CTI, além de algumas outras autoridades vaticanas. Do outro lado estarão os representantes da FSSPX.

O conteúdo do encontro terá caráter “estritamente reservado”, embora esteja prevista a comunicação de uma nota ao término do colóquio, como informaram várias agências noticiosas.

Pois muito bem. A FSSPX é uma espécie de último bastião doutrinal da Tradição, uma trincheira da defesa da fé que preservou sem retoques a doutrina de sempre, pois não fez concessões ao modernismo condenado solenemente por Pio X na Pascendi — e que invadiu a Igreja após o Vaticano II, como ninguém pode negar sem que o faça em duas situações específicas: ou por ignorância ou por consciência culpável, pois os frutos do modernismo são evidentíssimos. Devemos rezar para que, a partir deste primeiro colóquio, a FSSPX tenha a firmeza para manter a sua coerência, a sua postura, a sua solidíssima posição doutrinal e, enfim, a sua fé íntegra — que tantos frutos ainda dá para a Igreja em crise.

E rezar também para que, acima de tudo, seja feita a vontade de Deus. Até porque é muito bom ter em vista o que diz profeticamente São Paulo na Epístola aos Tessalonicenses (II, 2, 3-4): “Primeiro deve vir a apostasia, e deve manifestar-se o homem da iniqüidade, o filho da perdição, o adversário, aquele que se volta contra tudo o que é divino e sagrado, a ponto de assentar-se no Templo de Deus (templo Dei, na Vulgata Latina), e apresentar-se como se fosse Deus”.

Esta passagem da Sagrada Escritura deve ser meditada pelos amantes da Tradição que sonham com uma Restauração Católica no mundo apóstata e liberal em que vivemos — numa espécie de desejo milenarista. Mas será essa a vontade de Deus?

Ora, comentando aquela passagem de São Paulo, na qual se afirma que o Anticristo tomará assento no Templo de Deus, pergunta-se Santo Tomás: “Mas em que templo? (Sed in quo templo?). Responde o Doutor Angélico que o Templo, de acordo com alguns, é a Igreja, porque muitos eclesiásticos receberão o Anticristo (quia multi de Ecclesia eum recipient). (Santo Tomás, Super II Epistolam B. Pauli ad Thessalonicenses lectura, Caput 2, Lectio 1).

É assustador ler essa interpretação numa obra do Doutor Comum da Igreja. Entreguemo-nos, pois, a Deus com confiança.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Aristóteles, Santo Tomás x maquivelices

Sidney Silveira
Veja-se mais um trecho de aula do Nougué em que ele aborda um tema tão do seu agrado: as relações entre ética e política.

Saramago e o Prêmio Nobel da Tolice

Sidney Silveira
Muito talento com a escrita e nenhum com as idéias, se as tomamos em seu sentido filosófico mais elevado: como “afecções da alma” em contato com os entes reais — conforme afirma lindamente Aristóteles no Peri Hermeneias. Um lampejo poético numa frase ou noutra, períodos construídos de forma artesanal, histórias muito bem urdidas, uma imaginação fértil, domínio perfeito da técnica da escrita, personagens compostos com mestria — tudo isso plasmado em um universo onírico no qual se mesclam, de forma sedutora, sarcasmo e surrealismo. Este é o Prêmio Nobel de Literatura José Saramago, a prova viva de que a arte, se não serve à verdade e aos demais transcendentais do Ser, se não alcança os arquétipos da condição humana, não serve para nada. É lixo não-reciclável. Ou melhor, serve ao erro, e dela podemos dizer o que dizia o notável teólogo Garrigou-Lagrange das más filosofias: a alma de suas doutrinas é o erro, pois, sendo o fundamento delas falso, acaba por corromper todas as verdades parciais que o sistema parecia, a princípio, comportar.

A propósito, há, na minha biblioteca, inúmeros livros remanescentes de uma época em que eu me importava com literatura, com literatos e literatices. Escaparam do expurgo e hoje são ruínas de um passado que representa a minha infância intelectual e, sobretudo, psicológica. Entre eles estão os de José Saramago, de quem posso dizer que li quase tudo; digo quase porque, a certa altura, o que a meus olhos figurava como coisa reluzente, conforme o tempo passava e os estudos avançavam mostrou ser uma bobagem sem tamanho, composta com alguma engenhosidade. E o artista, pura e simplesmente um tolo apaixonado pelo que pensa serem as suas idéias.

Não é o propósito deste breve texto fazer uma análise do materialismo tosco que permeia a visão de mundo e a obra escrita de José Saramago. Ele não é coisa séria que se consiga sustentar numa disputatio sem se cair na mais acabrunhante ridiculez. Como dizia Chesterton, o materialista é alguém que usa o espírito para dizer que só existe a matéria. E o comunista — seja ou não escritor — é, na prática, a encarnação desse imbecil arquetípico, emparedado em sua pungente imanência como uma espécie de pássaro que possui asas com grande autonomia de vôo, mas, contrariando a própria natureza alada, não aprendeu a usá-las, ou simplesmente recusa-se a fazê-lo. O meu propósito é outro: fazer uma alusão à ignorância e à má-fé do escritor português ao criticar a Igreja. Refiro-me, particularmente, à última dessas “críticas” (concedamos, por analogia, que o seja), feita ontem em Roma.

Disse Saramago nesta ocasião que o Papa Bento XVI é um cínico, e que a “insolência reacionária” da Igreja precisa ser combatida pela “insolência da inteligência viva”, que presumivelmente ele crê encarnar. E mais, entre outras coisas: “Que Ratzinger tenha a coragem de invocar a Deus para reforçar o seu neomedievalismo universal, um Deus que ele jamais viu, com o qual nunca se sentou para tomar um café, mostra apenas o seu absoluto cinismo intelectual”.

Pois bem. Antes de tudo, deve-se dizer que foi por essa atitude anti-Igreja que Saramago angariou a fama mundial que possui. O seu blasfemo livro “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” foi que o alçou aos píncaros da glória humana e fez dele um escritor conhecido — em Portugal e fora dele. Aliás, o mesmo sucedeu com Voltaire, Rousseau, Nietzsche e tantos outros próceres da cultura moderna, todos de triste fim (pessoal, moral e “filosófico”), que se fizeram na vida à sombra da grandeza da Igreja, não sem um senso de oportunismo típico de quem busca a fama. Mas esta é uma outra história.

A ignorância monumental de Saramago anda pari passu com a sua má-fé. Embora opine sobre um monte de coisas, nunca deparou o nosso escritor com um problema gnosiológico ou metafísico, como dá mostras inequívocas em seus escritos e entrevistas. O que é o ser, o que é conhecer, qual o alcance da linguagem como veículo do pensamento, o que é a verdade, que tipo de potência há nos entes compostos de matéria e forma, se Deus existe, etc., são temas cujo estudo requer uma dedicação integral, e que os espíritos superficiais com pretensões artísticas (caso de Saramago) jamais poderão alcançar — a menos que mudem a postura inicial que os faz engendrar as idéias a partir de erros fundamentais. E, como diz Santo Tomás de Aquino, citando a Aristóteles, parvus error in principio magnus est in fine.

A sua cultura filosófica é de um verniz gasto, talvez proveniente da leitura de orelhas de um ou outro livro de autores de menor estatura. O leitmotiv de sua obra é uma mescla de empirismo, fatalismo e raso ceticismo.

> Empirismo, dado o fundo materialista de todas as suas histórias. Para não perder tempo, basta tomar como exemplo o péssimo livro A Caverna, em que a grandiosa alegoria do livro VII da República de Platão se transforma numa coisa de uma palermice sem igual, e de um final surpreendentemente ruim, comparado a outros livros de Saramago; e também o primeiro dos seus romances: Levantado do Chão, uma quimérica paródia marxista;
> Fatalismo, em virtude dessa cosmovisão na qual as coisas carecem de um sentido fundamental. Ao homem não resta outra coisa senão ser um joguete, a vítima de uma pendular luta de interesses (entre “fortes” e “fracos”, entre “exploradores” e “explorados”), ou simplesmente um andarilho cuja vida transcorre sob a égide do acaso, como por exemplo a personagem da mulher do médico, no Ensaio Sobre a Cegueira. Não à-toa, Saramago certa vez escreveu que “a maior tragédia é não saber o que fazer com a vida”. É natural que não saiba o que fazer com a sua, além de viver os dias na superfície pegajosa do próprio sucesso literário;
> Ceticismo, o que decorre dessa recusa consciente e voluntária de enfrentar o problema da existência de Deus em toda a sua amplitude, problema esse que Xavier Zubiri (filósofo que noutra época seria incluído no Index Librorum Prohibitorum*, mas que tinha alguns insights isolados) dizia ser o problema dos problemas — de tal forma que delineia a própria condição humana. Afirmava Zubiri, talvez influenciado por Heidegger**, de cujo convívio privou, que a existência de Deus é o mais universal dos problemas, pois a ele todos, sem exceção, damos uma resposta (inclusive Saramago): somos ou ateus, ou agnósticos ou deístas.

Os resquícios civilizacionais do mundo contemporâneo em naufrágio, devemo-los todos à Igreja, sem nenhuma exceção. À sublime doutrina do Evangelho. À obra de gigantes do pensamento e de santos extraordinários. A instituições que se criaram à luz da fé, como os mosteiros medievais e as universidades, que são a primeira experiência de ensino não esotérico da história — e são obra da Idade Média cristã. Mas Saramago desconhece tudo isso, provavelmente devido à atrofia da sua formação. A qual pode servir-lhe de atenuante para as bobagens que diz e escreve.

O fato é que as palavras de Saramago dirigidas ontem ao Papa Bento XVI e à Igreja são de uma superficialidade semelhante à de suas idéias. Por elas ele merece o Prêmio Nobel da Tolice. Que Deus se apiede de sua alma. Rezemos um terço na intenção de que se converta e encontre a Misericórdia divina.

* De Zubiri nos ocuparemos noutra ocasião.
** Dizia Heidegger que a pergunta das perguntas filosóficas, por excelência, é esta: “Por que há o ente e não o nada?”.

Em tempo: Veja-se que em momento algum se disse aqui que Saramago não tenha talento como escritor. Mas de que serve esse talento, se não é utilizado para escrutinar a verdade, que nos liberta para agirmos como verdadeiros seres humanos? Ele e todos nós um dia vamos nos deparar com a pergunta do Senhor: "Que fizeste com os talentos que te dei?". Kyrie Eleyson.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

O elogio da amizade

Sidney Silveira
De Spirituali Amicitia
(Elredo de Rievaulx, monge cirstenciense do século XII).

A amizade é a glória dos ricos, a pátria dos desterrados, a riqueza dos pobres, a medicina dos enfermos, a vida dos mortos, a graça dos sãos, a força dos débeis e o prêmio dos fortes. (...) E há algo que tudo supera: a perfeição consiste no amor e no conhecimento de Deus, e a amizade está junto dela como uma espécie de escada — de modo que o homem, de amigo do homem, sobe um infinito degrau e se torna amigo de Deus, conforme diz o Salvador no Evangelho: Já não vos chamo servos, mas amigos”.

Esse trecho de um escrito do notável Elredo [Aelredus], companheiro de São Bernardo, nos faz lembrar que não pode haver real amizade se não for em Deus e na verdade. Daí dizerem os latinos: Amicus Plato, sed magis amica Veritas. Em suma, ou seremos amigos de Deus, para poder ser amigos dos homens, ou não seremos amigos de Deus nem de ninguém (nem de nós mesmos). Neste último caso, restar-nos-á apenas a angústia, a depressão, a solidão, as rixas e as taras mais acachapantes. Diz Elredo neste primor de tratado que é o De Spirituali Amicitia: “Está absolutamente só quem não tem amigos (“Solus omnino est qui sine amico est”). E poderíamos acrescentar: está sem amigos que não procura a Deus.

Noutras palavras: só é possível haver amizade entre os bons, ou melhor, entre os que participam da bondade de Deus por um ato da vontade e da inteligência (na oração, na prática dos mandamentos [com o auxílio da Graça] e na freqüência aos sacramentos), pois entre estes se estabelece um vínculo espiritual verdadeiro — que é a essência da amizade. Portanto, sem Deus no horizonte, a amizade se avilta e se molda, sempre, a interesses menores. Neste último caso, por mais presentes que estejam umas pessoas na vida de outras, sempre há um vazio de sentido nessa relação. Isto porque o amor sem Deus é paixão, o prazer sem Deus é fetiche, a amizade sem Deus é interesse, e o trabalho sem Deus dá frutos secos.

Em suma, a amizade que não se atualiza por esse vínculo espiritual profundo, na verdade, não é amizade. É qualquer outra coisa que se estraga com o tempo, torna-se pútrida como uma carne não conservada. Pois a amizade verdadeira é, como dizia Elredo de Rievaulx, o supra-sumo das relações entre os homens:

“Entre as coisas humanas, nada mais santo se pode desejar, nada mais proveitoso se pode buscar, nada se encontra mais dificilmente, de nada se tem mais doce experiência e nada mais proveitoso se pode ter do que a amizade. Pois ela leva consigo o fruto da vida que permanece. Tempera com a sua doçura todas as virtudes, enfraquece todos os vícios com a força do seu poder, mitiga a adversidade e modera a prosperidade. De modo que, entre os mortais, ninguém pode ser feliz se não tem amigos”.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Deu n'O Globo


Sidney Silveira
Aos amigos residentes no Rio de Janeiro e adjacências que lêem o blog e, eventualmente, compram os livros da Sétimo Selo, pedimos: se possível, inscrevam-se no minicurso A Alma Humana - Dos Pré-Socráticos a Santo Tomás de Aquino, que será ministrado na Academia Brasileira de Filosofia - ABF durante o mês de novembro. Precisamos deste apoio para fazer a roda girar, e aqui refiro-me a todas as atividades em que eu e o Nougué estamos envolvidos — incluindo as obras publicadas pela Sétimo Selo. Para terem uma idéia, há três novos livros prontos para mandar à impressão: um do grande São Bernardo, que, como todos verão no momento oportuno, é uma verdadeira "bomba de hidrogênio"; outro de Clemente de Alexandria; e um de Santo Tomás (que já estavam "na fila" para edição). Todos em edição bilíngüe. Isto para não falar de uma nova obra de Chesterton e outra de Duns Scot — este último, obviamente, com uma apresentação crítica... Vale dizer que temos plena consciência do grande serviço prestado com a publicação de tais obras, mas, como tudo é feito com parcos recursos próprios, o apoio dos leitores é inestimável. A propósito, o caderno Prosa & Verso, d'O Globo, veiculou no último sábado a nota que estampamos acima. As inscrições estão sendo feitas pelo email curso@edsetimoselo.com.br.

domingo, 11 de outubro de 2009

"TV" Contra Impugnantes: princípio de individuação, etc.

Sidney Silveira
Veja-se mais um trecho de aula do curso de filosofia ministrado no primeiro semestre deste ano no Centro Cultural Banco do Brasil - CCBB, do Rio, pelo Angelicum - Instituto Brasileiro de Filosofia e de Estudos Tomistas.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Ainda o massacre das Carmelitas de Compiègne

Sidney Silveira
Dadas as inúmeras mensagens que recebi por conta do último post, sobre o filme O Diálogo das Carmelitas, mesmo estando hoje combalido por meu problema de saúde, não posso deixar de passar por aqui para indicar, graças à lembrança do amigo Marcus Pimenta, outra obra muito importante: o romance de Gertrud von le Fort que inspirou a película: A última ao cadafalso, editado no Brasil pela Quadrante. Todos deveriam lê-lo. Veja-se, a propósito, um link no site da Permanência que traz um trecho do livro — que, por sua vez, teve como base o trabalho Le sang Du Carmel ou la Veritable Passion des Seize carmelites du Compiègne, de Bruno Jesus Maria, O.C.D. Mas por que digo eu que todos deveriam lê-lo? É simples: como peregrinos rumo ao céu, precisamos impregnar a alma de bons exemplos, ou seja, de exemplos a imitar, pois isto nos ajuda a evitar os pecados mais graves. É por isso, entre outras coisas, que a Igreja nos propõe os santos como modelo de vida. A propósito, num trecho do livro de Gertrud von le Fort diz-se que muitos se converteram ao ver o massacre das freirinhas, e outros decidiram mudar radicalmente de vida, tocados no âmago da alma por aquele exemplo de pureza e santidade. Às vezes, somente uma grande dor espiritual nos faz ter a clara visão da necessidade de dispor as coisas de nossa vida de forma totalmente distinta.

Outra coisa: o filme, com qualidade bem melhor e postado na íntegra (sem partes separadas), pode ser visto neste site, conforme me aponta o Nougué.

Vejamo-lo por inteiro, pois.

Noutra ocasião, voltarei ao tema da necessidade de imitação dos bons exemplos que são os santos. Em suma: ou isto, ou a queda na vertigem do pecado, do erro, dos dramas psicológicos de todos os tipos.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

O Diálogo das Carmelitas

Martírio das freiras de Compiègne

Sidney Silveira
Um filme imperdível que está esgotado em nossas distribuidoras (Le Dialogue des Carmelites [“O Diálogo das Carmelitas”]) conta a inacreditável história das 16 heróicas freirinhas de Compiègne, na França, hediondamente guilhotinadas por atividades “contra-revolucionárias”, enquanto entoavam o Veni, Creator Spiritus a caminho do cadalfalso. Elas foram em direção aos seus carrascos com a serenidade de quem abraça o martírio sabendo que troca este miserável vale de lágrimas (tão idolatrado pelos católicos neoconservadores, para quem o desprezo do mundo é quase uma infâmia) pela felicidade eterna. Uma história tocante, verídica, que mostra o ponto a que pode chegar o ódio do homem ao seu Criador e às pessoas que O amam. Uma passagem do filme chama a atenção: a de uma jovem que, recebendo uma Graça especial, escolhe voltar para a Ordem na hora decisiva — apenas para ir com as suas amigas ao martírio, morrer junto com elas em odium fidei.

Veja-se, neste link, a cena final do filme, que leva qualquer pessoa ainda não contaminada pela idiotice universal às lágrimas. A propósito, o filme inteiro pode ser visto no Youtube, dublado em espanhol (e não em sua versão francesa original).

Decerto há católicos liberais que preferem idolatrar o Batmam ou o Homem-Aranha como obra de “arte” cinematográfica. Tal patologia mental — que na verdade atinge a inteligência e, também, a sensibilidade — renderia uma série inteira de textos, que talvez um dia eu poste no Contra Impugnantes sob o título “Robin vai ao cinema”...

terça-feira, 6 de outubro de 2009

A alma humana: minicurso do "Instituto Angelicum" na Academia Brasileira de Filosofia - ABF



Carlos Nougué

Curso “A ALMA HUMANA — DOS PRÉ-SOCRÁTICOS A SANTO TOMÁS DE AQUINO”

Ministrarei no mês de novembro o curso acima referido. Seguem os dados e a ementa.
Datas: todas as quartas-feiras de novembro de 2009 (dias 04, 11, 18 e 25).
Horário: das 18:30h às 20:30h.
Local: Academia Brasileira de Filosofia — ABF (Casa de Osório), Rua do Riachuelo, 303 – Centro, Rio de Janeiro/RJ.
Observação: Ao lado da Academia há um estacionamento.
Preço total do curso: apenas R$ 100,00.
Inscrições e contato: Carlos Nougué (
curso@edsetimoselo.com.br).

EMENTA:


I) A alma humana segundo os mitos gregos
II)
Os milesianos: a alma é da mesma natureza do princípio físico do mundo
III) Heráclito de Éfeso: o fogo e a “profundidade” da alma
IV) O pitagorismo: culpa original e metempsicose
V) Empédocles: purificação e vida bem-aventurada
VI) Os atomistas: a alma (um composto de átomos sutis) e o conhecimento
VII) O avanço socrático: a psyché como a essência do homem
VIII) Platão: provas da imortalidade da alma, anamnese e metempsicose
IX) Aristóteles — a primeira solução definitiva: o hilemorfismo e as três partes da alma
X) Santo Agostinho: a alma e sua luz; o Hiponense e Plotino
XI) Santo Tomás de Aquino:
1) a alma enquanto ato do composto humano;
2) o momento da infusão da alma intelectiva;
3) a alma enquanto separada do corpo;
4) alma e restauração escatológica.

ADENDO DO SIDNEY: Este será o segundo curso que ministramos na Academia Brasileira de Filosofia — presidida pelo Prof. João Ricardo Moderno, Prof. da Uerj — na belíssima Casa Histórica de Osório, uma das mais antigas casas residenciais do Rio que, no passado, abrigou o Museu do Exército. Há três anos, realizamos um curso intensivo de três meses e meio, aos sábados, sobre alguns aspectos da doutrina de Santo Tomás de Aquino: ética, metafísica e angelologia (comigo, com o Nougué e com o Prof. Sergio Sales, da Universidade Católica de Petrópolis - UCP). Agradecemos ao presidente Moderno por abrir-nos uma vez mais este nobre e charmoso espaço para a realização de outro curso. Outra coisa: como faremos uma pequena divulgação em jornais cariocas, sugiro que quem quiser garantir a inscrição pelo email referido pelo Nougué (uma pechinha, pois no final de contas são R$ 25 por aula) que o faça desde já — pois o número de vagas será limitado.

domingo, 4 de outubro de 2009

"TV" Contra Impugnantes: Religião, Ética e Política

Sidney Silveira
Veja-se mais um treho de aula do Nougué no curso de filosofia do Instituto Angelicum no CCBB, no Rio.

sábado, 3 de outubro de 2009

TV" Contra Impugnantes: filosofia do ser x filosofia das essências

Sidney Silveira
Eis
mais um trecho da aula em que se alude à síntese feita por Santo Tomás entre a metafísica do ato e da potência em Aristóteles e a teoria da participação em Platão.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

...e o Verbo se fez carne


Sidney Silveira
Sem a Graça, o homem no atual estado decaído não passa de um feixe de paixões e taras — tendente aos piores erros e vícios. Um fumo de orgulho e de vaidades tolas. Nesta miserável condição, era necessário que o Verbo Encarnado, Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, Luz de Luz, Deus de Deus, descesse do Céu e se deixasse humilhar para que fôssemos exaltados e resgatados pelo seu Sangue. Com essa divina humildade Ele esmagou a nossa humana soberba e nos conduziu ao conhecimento da perfeição para a qual fomos criados. Armou-nos para a luta contra o pecado, que nos afasta de Deus. Em verdade, sem a Encarnação do Verbo seria impossível sairmos do buraco. Daí dizer Santo Tomás:

“À 'razão de bem' (ad rationem boni) pertence o comunicar-se. (...) Por conseguinte, pertence à razão de bem sumo o comunicar-se sumamente. E esta comunicação soberana se dá quando Deus une a si a natureza criada”. (Suma Teológica, III, q. 1, a.1, De convenientia incarnationis)

Deus caritas est, e por esse sumo amor redime a criatura por ele amada, feita à sua imagem e semelhança. Esta é, a propósito, a diferença entre o Cristianismo (ou seja: a Igreja) e todas as outras religiões: ela é a única verdadeira e integalmente teomórfica, pois foi fundada pelo próprio Deus, que lhe deu a forma, prescreveu os fins e instituiu os meios convenientes e adequados para lográ-los, de acordo com a Sua vontade. Muitas daquelas que, por analogia, chamamos "religiões" não passam de antropomorfizações mais ou menos envernizadas. Algumas são inclusive capazes de nos manter afastados de Deus pela estrita e ascética observância de ritos, práticas ou “tradições”...

É o que nos aponta este simples, belo e pedagógico vídeo.