terça-feira, 26 de abril de 2011

Sobre demônios e endemoniados (I)

Sidney Silveira


Estava eu por estes dias lendo a última questão do De Malo, de Santo Tomás — que trata dos demônios — juntamente com o livro Os endemoniados, hoje, do exorcista Corrado Balducci, e me pareceu útil trazer aos nossos leitores um pouco da doutrina católica sobre estas criaturas espirituais cuja excelência ontológica excede incomensuravelmente à humana.


Noutras ocasiões, lembramos no Contra Impugnantes que, de acordo com o Aquinate, a pecabilidade no Anjo provém de uma espécie de ignorância metafísica, ou seja, do fato de os Anjos (que não são Ato Puro, mas compostos de essência e ser) não terem a intelecção de todos os inteligíveis num só ato de sua elevada inteligência, sendo o seu conhecimento, portanto sucessivo — por ter um antes e um depois — e não instantâneo. Só Deus conhece instantaneamente todas as coisas num só ato, daí ser Ele omnisciente, por isso não há trânsito entre o que Ele pensa e o que cria (ou entende). Em resumo, em Deus não é possível haver ignorância, pois Ele já está na suma posse de todos os inteligíveis, que se identificam em absoluto com o seu Próprio Ser Subsistente. Nos Anjos, diferentemente, não há essa intelecção perfeitíssima e englobante de tudo o que há num só ato, razão pela qual eles não podem ter o conhecimento da ordem da Divina Providência, etc.


Santo Tomás encontra, pois, na própria natureza criatural angélica a ratio da pecabilidade, ou seja: a radical possibilidade de o Anjo pecar, como de fato pecaram Lúcifer e os que se seguiram a ele. E o fato de os Anjos que não caíram não poderem mais pecar se dá não em virtude de sua natureza, e sim porque eles foram sobrenaturalmente confirmados na luz da glória, sob cujo influxo nenhuma criatura é capaz de pecado. Mas por que essa necessidade de encontrar na inteligência do Anjo a raiz da possibilidade de pecar? Simplesmente porque, embora o pecado tenha sede na vontade, esta é apetite intelectivo do bem, e, portanto, a inteligência possui um papel-chave em todo ato pecaminoso, seja humano ou angélico. Noutras palavras, só uma inteligência absolutamente inerrante poderia não pecar. E este não era o caso dos Anjos, apesar da sua notável excelência.


Depois do pecado, há uma situação mais ou menos simétrica entre os Anjos e demônios: uns confirmaram-se na glória e não podem mais pecar, enquanto outros caíram e não podem mais ver-se livres do pecado. Estes últimos estão, pois, irremediavelmente perdidos, ao passo que os seus antípodas angélicos estão invencivelmente salvos. Para uns, amor, luz, glória; para outros, o ódio espiritual mais hediondo, trevas, desgraça. Ora, neste estado deplorável de confirmação no mal de culpa e de pena, uma criatura espiritual (como são os demônios, que com o pecado não perderam sua excelência ontológica) não pode senão voltar-se necessariamente ao pecado, aumentando a sua culpa ajuntando malefícios sobre malefícios, até o Dia do Juízo. Mas eles podem voltar-se contra quem? Como?


Pois bem. Digam-se em primeiro lugar três coisas:


a) o ódio satânico a Deus é impotente para feri-Lo, pois Deus é o Ato Puro que não pode sofrer qualquer alteração proveniente de nenhuma criatura.


b) Esse ódio é também impotente para ferir os Anjos confirmados na luz da glória, mesmo no caso eventual de o demônio ser de uma hierarquia superior à do Anjo, pois, como se disse acima, os Anjos que não pecaram foram confirmados na glória.


c) Resta, pois, ao demônio voltar-se contra o homem, que ainda é pecável no atual estado e possui uma dignidade ontológica muitíssimo inferior à das criaturas espirituais, nesta escala que vai da potência da matéria prima ao Ato Puro do espírito divino. Enquanto pode, portanto, o demônio vinga-se de Deus ferindo o homem, perdendo-o quando lhe é permitido chegar a tanto. Mas sempre como instrumento (em geral, de santificação) da Divina Providência, como se verá adiante.


Os teólogos identificam quatro modos de ação diabólica contra o homem: a tentação, a infestação local, a infestação pessoal e a possessão. Balducci convenceu-me de que o termo obsessão já não é o ideal, pois se confunde com algumas linhas da psicologia e da psiquiatria contemporâneas. Vejamos cada um desses casos, seguindo de perto o nosso exorcista.


A tentação diabólica é um estímulo, uma incitação ao pecado. Noutras palavras, tentar é por à prova induzindo ao mal, experimentando (tentare est proprie experimentum sumere de aliquo, conforme diz Santo Tomás na Suma Teológica, I, q. 144, a. 2). Aqui é conveniente dizer que nem todas as tentações provêm do diabo, pois muitas são advindas da nossa natureza corrompida pelo pecado, da concupiscência desgovernada. Mas como exercita o demônio esse poder de tentar o homem? Resposta: agindo sobre os sentidos internos e externos, principalmente sobre a memória, a imaginação, o tato e a visão. Desta forma, ele procurar atuar, ainda que indiretamente, sobre a vontade, induzindo-a a querer pecar.


A infestação local é a atividade diabólica exercida sobre a natureza inanimada ou, também, sobre a animada inferior, para perturbar o homem — sempre com intuitos espirituais maléficos.


A infestação pessoal ocorre quando o demônio comete contra uma pessoa uma série de tentações violentíssimas e reiteradas vezes. Aqui, em boa parte dos casos ele incita a pecados mais graves, tanto da carne como do espírito. Aparições monstruosas, blasfemas, imagens lúbricas e palavras malditas acossam o homem sob o influxo da infestação pessoal.


A possessão caracteriza-se pelo completo domínio de Satanás sobre uma pessoa, da seguinte forma a) diretamente sobre o corpo, pois a sua atuação sobre a matéria é perfeita, na medida em que a criatura espiritual tem o poder de submetê-la totalmente; b) indiretamente sobre alma, já que esta se serve do corpo para as suas operações próprias. Pois bem, nesta situação o homem é instrumento dócil do poder despótico e maléfico do diabo, como diz Balducci.


Nos próximos textos desta série veremos alguns aspectos dessa ação diabólica, dada a natureza de tais criaturas, a começar pelo fato de que os demônios têm total domínio sobre o lugar, pois eles estão onde operam, nas palavras de Santo Tomás. Eles não podem estar contidos num lugar, como nós, senão que o contêm. Veremos também se o possesso, a partir do momento em que passa a sê-lo, comete atos pecaminosos ou se está isento de culpa ao agir como instrumento do demônio.


(continua)

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Pequeno aviso

Sidney Silveira

Durante a Semana Santa, o Contra Impugnantes esteve em recesso; ou melhor, eu estive em recesso. Portanto, não respondi aos emails dos nossos leitores e não pude ver nada com relação ao envio dos DVDs da coleção A Síntese Tomista (particularmente quanto a este último ponto, também pelo fato de que os Correios me entregarão somente hoje a tabela com os novos preços de envio de material por Sedex). A partir de amanhã, impreterivelmente, começarei a responder aos que solicitaram o DVD Bach e a Harmonia das Esferas, com o valor do produto já calculado. Agradeço a compreensão de todos.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Potência e Omnipotência (II): a participação no Ser

Sidney Silveira


Em se tratando de Santo Tomás de Aquino, não há como falar em potência sem fazer referência ao fato de que a sua obra filosófica nos legou a chamada metafísica da participação em graus intensivos no Ser, como afirma o filósofo Jorge Barrera no começo desta palestra de apresentação de um livro da Sétimo Selo, numa alusão indireta ao teólogo italiano Cornelio Fabro. Tendo isto em vista, abriremos um parêntese nesta série para tratar do conceito de participação que o Aquinate aproveita de Platão, livrando-o não obstante da aporia da separação absoluta entre os mundos sensível e inteligível, entre a Idéia pura e a sua realização/imitação nas coisas compostas de matéria e forma, a metexis. Para tanto, o gênio medieval realizou uma síntese única na história da filosofia, entre o conceito de platônico de participação e a metafísica aristotélica do ato e da potência.


Recorramos a alguns axiomas, para começar:


Ø Ente é o que tem ser (habet esse), mas não é o Próprio Ser, o Ser absoluto.


Ø Todo ente possui, pois, um limite metafísico (seja formal, material, quanto ao ser, etc.).


Ø Portanto, ente é o que tem o ser participado (recebido) por outro.


Ø Por ser limitado, nenhum ente possui, em si, todas as possíveis perfeições da ordem do ser.


Ø Toda perfeição implica um modo de ser.


Ø Participar uma perfeição na ordem do ser é, em sentido próprio, causar.


Ø Em toda participação, o participante está para o participado assim como o ato está para a potência. Por ex.: esquentar um líquido pressupõe algo quente em ato (um bule, etc.), que participa o calor a algo que está em potência para recebê-lo (a água, etc.). Neste caso, a água passa a adquirir uma perfeição participada, o calor.


Ø Toda perfeição encontra-se no participante de modo mais pleno do que no participado; assim, por exemplo, o calor está de modo mais eminente no Sol do que nos planetas por ele aquecidos.


Ø Toda participação é um trânsito da potência ao ato.


Ø Todo ente participado depende de um participante, pois está para ele assim como o efeito está para a sua causa eficiente.


Ø Há certa proporcionalidade (semelhança formal) entre o participante e o participado. No exemplo acima citado, um ente quente em ato participa o calor a outro, e obviamente não o frio (o que seria desproporcional); esse calor passa a ser um modo de semelhança entre os dois.


Ø Todo ente por participação depende de algo que é por si, no que tange à perfeição participada.


A prioridade radical do ato em relação à potência — um princípio aristotélico — está pressuposta em todas estas máximas, e não expressa outra coisa senão a prioridade do mais perfeito com relação ao menos perfeito, na ordem do ser. Para Aristóteles, lembremos, o ato identificava-se com a perfeição formal ou operativa, enquanto a potência dizia respeito ao aspecto material (à matéria passível de assumir novas perfeições formais entitativas e de operar a partir delas), sendo ato e potêntia dois coprincípios inerentes a todas as coisas. Santo Tomás vai muito além: identifica o ato não com a forma, mas com o ser, e com este ajuste aparentemente simples resolve uma série incomensurável de aporias.


A emergência metafísica do ser (esse) sobre todas as formas e sobre todos os atos significa o seguinte: o ser é o ato por excelência, a atualidade de qualquer forma ou realidade, de sorte que qualquer perfeição formal está, com relação ao esse, em potência. E o ser dos entes é, literalmente falando, participado pelo Próprio Ser Subsistente, que é Deus. Diz o Aquinate:


“Nada possui atualidade senão enquanto é; logo, o próprio ser é a atualidade de todas as coisas e de todas as formas” (Suma Teológica, I, a. IV, a.1, ad 3).


Essa emergência absoluta do ser Santo Tomás buscou-a no neoplatônico Pseudo Dionísio Aeropagita, e é sobre ela que se articula a dialética da participação, de acordo com Cornelio Fabro — o tomista que, no século XX, resgatou brilhantemente o conceito de “ato de ser” (actus essendi). Em resumo, esta noção de ser é intensiva, na medida em que, quanto melhor for a participação de um ente na ordem do ser, mais ele será perfeito, mais terá potências ativas para atuar. Há, portanto, graus de ser que vão desde Deus (ato puríssimo e, portanto, omnipotente) até a mais ínfima parcela da matéria comum. O ser, neste sentido, subordina a si todas as formas entitativas, que em relação a ele são meramente potenciais. Como se disse no texto anterior, potência é um possível no Ser (aqui com maiúscula, porque a referência é o Próprio Ser, ao qual, normalmente, chamamos Deus).


Assim, em todo ente podemos dizer que:


a) a matéria participa (enquanto potência) da forma;


b) a forma participa (enquanto potência) do ato de ser.


c) e o ato de ser, por sua vez, é participado pelo Próprio Ser, sendo este o imparticipado, o absolutamente separado da matéria e de todas as formas.


Em todos os entes, pois, o ato de ser (participação no Próprio Ser) é o mais perfeito, o mais íntimo, o ato radical, o substrato metafísico fundamental absolutamente intocável pela nossa mão. Nós só podemos alterar a matéria e a forma dos entes, mas jamais lhes maculamos o ser. Só Deus, o Próprio Ser, participa o ato de ser dos entes e só Ele pode aniquilá-lo, tocá-lo, alterá-lo. Nenhum ente tem potência para tanto, pois o seu limite de atuação é a forma (principiis operationis). Assim, posso dizer que meus pais me participaram a forma humana, mas eles não me deram o ser, pois este quem dá é somente Deus. O ser era o suposto daquela operação formal específica, algo anterior (e superior, transcendente) aos meus pais. Da mesma forma eles não me podem retirar o ser; podem até matar-me, ou seja, destruir a minha forma entitativa humana, mas o ser que a subjaz permanecerá, no cadáver. Assim, podemos pulverizar um ente e transformá-lo em partículas infinitesimais de matéria, mas não o podemos metafisicamente aniquilar (ou seja: destruir-lhe o ser em sentido absoluto). O ser é, pois, indestrutível, pois participa da absoluta indestrutibilidade de Deus, o Próprio Ser.


Todas as coisas que não são o Próprio Ser — ou seja, Deus mesmo, que é o Ser por essência, enquanto elas o são por participação — têm perfeições formais específicas, porém limitadas. São, portanto, entes. Têm o ser mas não são o Próprio Ser.


De tudo isto pode-se extrair um corolário: dado que existem os entes (por participação), é necessário haver o Ser (por essência), sem o qual os entes seriam não menos que absurdos, sob qualquer aspecto que os contemplássemos.


Nesta ordem do ser, o homem é a interseção entre o finito (pois participa das coisas corpóreas) e o infinito (pois participa das coisas incorpóreas, dada as suas potências superiores: a inteligência que conhece a verdade e a vontade que quer o bem). Ora, isto é de uma beleza sem par, sublime! Daí Santo Tomás dizer lindamente que, quando entendemos algo, acontece o seguinte milagre*: o ínfimo do Supremo (que é Deus) toca o supremo das coisas ínfimas (que somos nós).


* Uso aqui o termo "milagre" com analogia de proporcionalidade metafórica.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Novidades editoriais: Santo Tomás pela É Realizações, etc.

Sidney Silveira


Finalmente encontrei tempo para escrever a apresentação ao livro Protreptico, de Clemente de Alexandria, que virá à luz em acurada tradução da Profª. de grego clássico Rita Codá, do Mosteiro de S. Bento do Rio. Esta importante obra sairá pela editora É Realizações, assim como as outras que menciono abaixo, em trabalhos paralelos coordenados por mim e pelo Nougué, respectivamente. Enquanto isso, a pequenina Sétimo Selo segue o seu caminho com a edição do já mencionado O Êxtase da Intimidade – A Ontologia do Amor em Tomás de Aquino, do filósofo espanhol Juan Cruz Cruz, que deve chegar às livrarias dentro de aproximadamente 10 dias.


Pela parte que me cabe coordenar, sairão as seguintes obras (entre outras):


De Clemente de Alexandria:


1- Protreptico (já pronto para edição);


2- Pedagogo (para o final deste ano);


3- E os Stromata (para o próximo ano)


De Santo Tomás de Aquino:


1- Questão Disputada sobre a Alma (no momento, em processo final de tradução). A propósito, a tradução desta obra monumental do Aquinate é da lavra do meu querido amigo Luiz Astorga, que já traduzira para a Sétimo Selo o Tractatus de Substantiis Separatis. Haverá nesta edição um breve Prefácio meu e a Apresentação será assinada por dois professores tomistas: Carlos Casanova (autor do denso Reflexiones Metafísicas sobre la Ciencia Natural) e o caríssimo amigo Nougué.


2- Opúsculos sobre a Natureza, também traduzidos por Luiz Astorga. São diferentes opúsculos em que o Aquinate aborda, do ponto de vista metafísico, o conceito de Natureza. A Apresentação será minha.


O projeto Santo Tomás de Aquino coordenado por mim na É Realizações — ainda sem nome definido — contemplará a edição de outras Questões Disputadas, assim como de breves tratados de capital importância para a história do tomismo e, por conseguinte, da filosofia ocidental. Também o integrarão alguns livros de importantes tomistas, mas prefiro deixar estas novidades mais para frente. Para este ano, estão a caminho do forno o Protreptico, de Clemente de Alexandria, e as duas obras de Santo Tomás acima mencionadas (todas em edições bilíngües).


No que diz respeito ao trabalho coordenado pelo Nougué, sairão pela É Realizações duas importantes coleções: 1) Grandes Comentadores de Platão e Aristóteles; e 2) Grandes Comentadores da Bíblia, ambas em edições bilíngues.


O Nougué, além de ocupar-se da revisão das traduções que integram essas duas coleções, fará a Apresentação de cada obra. As diversas apresentações conterão uma exposição substanciosa da filosofia e da teologia do comentarista e de suas relações filosófico-teológicas com o autor comentado, e uma precisa localização do comentador e sua doutrina na História da Filosofia. Além disso, o conjunto das apresentações terá como traço comum o tratamento dos diversos comentadores e suas respectivas filosofias e teologias pelo ângulo da doutrina tomista.


Eis alguns Comentadores e Obras da primeira Coleção já em processo de tradução ou já encomendada a diversos tradutores:


1) Alexandre de Afrodísias (século II-III d.C.):


Comentário à Metafísica de Aristóteles.



2) Proclo (412-485 ou 487 d.C.):


Teologia Platônica (liv. 1-5);


Comentários à República de Platão;


Comentário ao Timeu de Platão;


Sobre o Parmênides de Platão;


Sobre o Livro I do Alcebíades de Platão;


Comentário ao Crátilo de Platão.



3) Amônio de Hérmias (c. 440-c.-520 d.C.):


Comentário ao De Interpretatione (Perì Hermenéias) de Aristóteles


Comentário às Categorias de Aristóteles;


Comentário aos Primeiros analíticos (Livro I) de Aristóteles.



4) Boécio (480-524 d.):


In Categorias Aristotelis Libri Quatuor;


In Librum Aristotelis De Interpretatione Libri Duo;


Topicorum Aristotelis Libri Octo Severino Boethio Interprete;


Elencorum Sophisticorum Aristotelis Libri Duo Severino Boetio Interprete.


5) Simplício (490-560 d.C.):


Comentário às Categorias de Aristóteles;


Comentário à Física de Aristóteles (todos os livros);


Comentário ao Do Céu de Aristóteles;


Comentário ao Da Alma de Aristóteles.



6) Santo Tomás de Aquino (1225-1274 d.C.):


Comentário à Física de Aristóteles;


Comentário à Metafísica de Aristóteles;


Comentário à Política de Aristóteles;


Comentário à Ética Nicomaqueia de Aristóteles;


Comentário ao De Anima de Aristóteles;


Comentário ao Da Geração e da Corrupção de Aristóteles;


Comentário ao Da Céu e do Mundo de Aristóteles;


Comentário ao Sobre a Interpretação de Aristóteles;


Comentário aos Analíticos Posteriores de Aristóteles;


Comentário ao Da Memória e da Reminiscência de Aristóteles;


Comentário ao Do Sentido e do Sensível de Aristóteles.



E eis alguns Comentadores e Obras da segunda Coleção:


1) Fílon de Alexandria (20/13 a.C.-40/45 d.C.):


● Um volume com: Da criação do mundo segundo Moisés; Da Incorruptibilidade do Mundo; Da Providência; Da Imutabilidade de Deus;


Questões sobre o Gênesis.


2) Santo Agostinho (354-430 d.C.):


Interpretação Literal do Gênesis.


Serão as seguintes as primeiras obras que se publicarão:


1) Fílon de Alexandria, Da criação do mundo segundo Moisés; Da Incorruptibilidade do Mundo; Da Providência; Da Imutabilidade de Deus. Tradução de Luíza Dutra.


2) Santo Tomás de Aquino, Comentário ao De Interpretatione (Perì Hermenéias) de Aristóteles. Tradução de Renato Romano.


3) Fílon de Alexandria, Questões sobre o Gênesis. Tradução de Guilherme Ferreira Araújo.


Para encerrar este breve texto cheio de novidades, volto à Sétimo Selo: além do livro O Êxtase da Intimidade, acima citado, virão a lume ainda neste ano, enfim, o livro As Heresias de Pedro Abelardo, de São Bernardo de Claraval, e o Tractatus de Primo Principio, de Duns Scot.


Em breve darei notícia aqui no Contra Impugnantes a respeito dos próximos DVDs da coleção A Síntese Tomista. Bola pra frente!

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Nesta hora, o nosso apoio à FSSPX

Carlos Nougué e Sidney Silveira


É a FSSPX a principal coluna da Tradição. Ao contrário de constituir cisma nem nada parecido, ela foi criada para preservar, em sua integralidade, a fé, os sacramentos e o sacerdócio, e manter as notas próprias da Igreja ante a degradação causada nela pelo Concílio Vaticano II e sua doutrina. Esta é a sua heróica razão de ser. Portanto, em qualquer discussão que envolva o nome da FSSPX, não nos esqueçamos jamais disto: estando a fé em grave risco de perder-se, dada a radical inversão de vetor doutrinário implantada pelo Magistério conciliar, a FSSPX assumiu a tarefa — num momento dramático da história da Igreja — de preservar intacto o bem comum natural e sobrenatural do Corpo Místico, precisando apelar, a certa altura de sua trajetória, ao estado de necessidade (instituto reconhecido pelo Direito Canônico), para justificar sua existência e atuação.


Reiteremos: desde os seus primórdios, a FSSPX assumiu a grave tarefa de defender a doutrina de sempre contra uma espécie de câncer que atingira quase toda a Igreja, com frutos patentíssimos para quem quer que analise a história eclesiástica recente sem paixões. O câncer era o modernismo denunciado no começo do século XX por São Pio X na Pascendi, mas que aprendera a resistir a todos os remédios, até alcançar por metástase as mais altas esferas e ser “consagrado” nos documentos do Concílio Vaticano II — assim como em todo o Magistério que se lhe seguiu.


Observe-se bem: não dizemos que a FSSPX é a única coluna da Tradição. Mas, por sua história, ela é indubitavelmente a principal. Ainda hoje. Portanto, respeito para com ela é o mínimo que qualquer fiel amante da Tradição deve ter. Respeito para com a sua história. Respeito para com a nobreza de sua batalha, que, ao contrário do que insinuam alguns, não se restringe a questões litúrgicas e/ou pastorais, mas a algo muito, muitíssimo maior.


Este breve texto assinado em dupla é a propósito de vários argumentos ad hominem que alguns clérigos e grupos de leigos no Brasil têm usado para denegrir a Fraternidade Sacerdotal São Pio X. Argumentos contra pessoas, e que passam longe de qualquer aspecto doutrinal. O padre fulano é isso; o padre beltrano disse aquilo; o padre sicrano me ameaçou, roubou meu saco de pipocas... Santo Deus! Isto são argumentos teológicos? Isto é tratar a questão com a altura teológica que ela merece? Não! Decididamente, não. Pois bem, dirigimo-nos a estes leigos e clérigos para dizer o seguinte: se quiserem discutir doutrina, está-se à disposição para qualquer debate público. Mas, se quiserem fofoca, é melhor nem começar.


Neste momento, não podemos senão apoiar publicamente a FSSPX brasileira contra tais ataques, que em meio ao disse-me-disse apelam a argumentos teológica e religiosamente inconsistentes. Esses ataques parecem visar apenas a debilitar a luta da Tradição iniciada por D. Lefebvre e D. Antônio de Castro Meyer.


Não caiamos nesta armadilha. E pensemos bem: ou se está com o Magistério infalível pré-conciliar e com a Tradição, ou de algum modo se atua, ainda que inconscientemente, pelo advento do Anticristo.


Em tempo: Nenhum dos que assinamos esta breve nota pertence à FSSPX. Apoiamos a sua posição doutrinal e a sua luta, sim, mas não incondicionalmente. A única condição é, precisamente, ela manter-se fiel à Tradição, sem concessões doutrinárias de nenhuma ordem ao modernismo. Rezamos por esta intenção, para que a FSSPX jamais faça como Esaú, que trocou algo muito valioso por um simples prato de lentilhas (Gên. XXV, 29-34).

quinta-feira, 14 de abril de 2011

"TV" Contra Impugnantes: Pródico de Céos — "Héracles na Encruzilhada"

Sidney Silveira

Veja-se este bem-humorado trecho de aula do Nougué (no curso que ministramos há dois anos no Centro Cultural Banco do Brasil - CCBB, no Rio) sobre o sofista Pródico de Céos, com referência à sua obra Héracles na Encruzilhada, com a qual tenta conter, em parte, os efeitos mais danosos produzidos pela sofística na Pólis.

O “pecado” de homofobia: a sociedade cristã em decúbito ventral

Sidney Silveira


A nossa situação existencial concreta aponta para um fato gritante: somos pecadores, ou seja, não somos impecáveis em nossas ações. Quem quer que ainda não tenha perdido totalmente o senso de realidade, devido ao influxo de alguma paixão ou por qualquer outro motivo, há de constatar esta grande verdade, na medida em que somos contingenciados por inúmeros males que afetam as duas potências superiores da alma, a inteligência e a vontade. Ignorância, paixão* e malícia são os nomes genéricos desses males que nos impedem de realizar os dois bens específicos buscados pelas potências acima referidas, quais sejam: conhecer a verdade e querer o bem. O pecado é, pois, um desvio do fim, uma disteleologia, um malogro. E é também um mal na ação, uma deficiência. Ele é erro, é mentira, é adesão voluntária ao mal, não obstante haja graus de voluntariedade (e de culpabilidade) no ato pecaminoso.


Se o mundo descatolicizado perdeu até mesmo a noção, a idéia, o conceito de pecado, isto não significa que ele deixe de ser o que é e de acarretar os seus malefícios. Quem toma um veneno pensando ser remédio nem por isso impede a ação do veneno; este último agirá independentemente da ignorância no ato de quem o tomou. E de alguma maneira o mesmo ocorre com o pecado: ele é sempre um obstáculo à verdadeira felicidade — sendo esta a posse habitual do bem —, daí Tomás de Aquino começar uma das questões da Suma Teológica propondo o seguinte: “Só podemos conseguir a felicidade por meio de atos. Por isso, devem-se estudar os atos humanos para saber por quais deles chegamos à felicidade e por quais nos desviamos do caminho que a ela conduz” (I-II, q.6, proêmio).


Ora, o desvio do caminho reto é justamente o pecado, que, como se disse, pode identificar-se com o erro culpável, com a mentira, com o dolo, com a simples ignorância, ou então com o deixar-se vencer pelos apetites sensíveis, fazendo deles o epicentro da personalidade por meio de uma vida hedonista que impede a posse dos bens espirituais que todo homem, dada a sua natureza intelectivo-volitiva, é chamado a realizar, etc. E na caminhada espiritual não há meio-termo: ou se está em linha ascendente, ou em descendente; ou em luta contra as próprias fraquezas e debilidades, ou fomentando-as em progressão. Como muito bem afirma Aristóteles na Ética a Nicômaco, o homem, depois que se perverte moralmente, não tem jeito; será sempre refém das imagens da sua própria depravação, que ressurgirão recorrentemente em sua estrutura psíquica. É claro que o Estagirita não conheceu a fé e, portanto, a saída espiritual superior para o drama humano de quem chafurdou em qualquer tipo de vício, mas isto não vem ao caso neste breve texto.


E também não é o caso de expor aqui toda a casuística do pecado, iluminando as circunstâncias que o agravam ou atenuam, de acordo com os ricos critérios da Teologia Moral, mas o fato é que, excetuando os casos raros de ignorância absolutamente invencível (e, portanto, de grau zero de voluntariedade no ato mau), sempre há pecado quando nos desviamos da posse dos fins, próximos ou distantes, para os quais somos ontologicamente aparelhados. O pecado é, nessa perspectiva, uma recusa do fim, sobretudo dos fins espirituais mais excelentes. Uma recusa que tem sede na vontade — pois os atos propriamente humanos são voluntários —, embora com o auxílio de uma inteligência que labora em erro, como veremos; afinal, somente onde há inteligência pode haver livre-arbítrio (unde ubicumque est intellectus, est libero arbitrium, nas palavras de Santo Tomás). Entenda-se bem: no ato de escolha, a vontade não delibera a respeito da hierarquia de bens da realidade, e esta deficiência, na prática, provém do fato de a vontade não ter em si mesma a norma de ação, pois a busca na inteligência, que lhe subministra a forma intelectiva universal do bem. E se a inteligência está em erro, seja atual ou habitual...


Pois bem: há, na maioria dos pecados, um erro anterior ou concomitante da inteligência, excetuando-se os casos de patente e gravíssima malícia, pois em linhas gerais a vontade não pode pecar se não houver uma defecção (atual) na inteligência que leve a pessoa a deliberar mal**, sendo o pecado, neste sentido, a ausência de um bem da razão que deveria ser imanente ao ato da vontade, e este é o defeito específico desta última. E aqui, para não se pensar que a tese é intelectualista, como muitos acusaram o Aquinate de o ser, esclareçamos: o pecado reside na vontade, sem dúvida, mas o defeito desta provém do fato de aderir a um bem que não lhe convém, e neste ato está sempre implicada a carência da forma inteligível que, provavelmente, evitaria o pecado. Muitas vezes, esse conhecimento é apagado de forma voluntária, dadas as paixões desgovernadas a que o homem cede.


Em vista disso, Santo Tomás chega a fazer uma distinção em seu Comentário à Ética [a Nicômaco] entre pecar por ignorância (ex ignorantia) e pecar com ignorância (ignorans), lembrando que nem todo pecado é ex ignorantia, mas, em certo sentido, todo é cum ignorantia. Assim, a inteligência move a vontade de duas formas: essencialmente pelo conhecimento, e acidentalmente pela ignorância. Neste último caso, a ignorância é remotio prohibentis (segundo o tomista português Celestino Pires, trata-se do latim de escola, intraduzível em sua densidade), o que quer dizer o seguinte: a ignorância exclui, remove (removens) o conhecimento que impediria (prohibens) a ação pecaminosa, e deste modo é a ignorância causa indireta do pecado. Aqui remeto os leitores ao texto Meandros da ignorância, onde se mostra que mesmo a ignorância invencível desculpa perante Deus, de fato, mas não perante os homens. Com relação à ignorância vencível, esta é sempre pecado, em maior ou menor grau.


No homem pode acontecer ainda que as paixões e os hábitos viciosos de tal modo perturbem a razão e a absorvam que o levem a emitir um juízo atual falso, o qual servirá de insumo nocivo para a vontade, no ato de escolha. Tudo isso numa escala que vai do pecado mortal mais grave até o pecado venial mais leve de um homem santo, que também traz consigo a falta de um bem atual na inteligência: a não-deliberação, no ato de escolha, dos verdadeiros fins implicados na ação. Decerto a carência atual de ciência — ou seja, a ignorância — de que tratamos aqui se dá no âmbito da razão prática (a que dirige a ação humana), e não no da razão especulativa. Também vale frisar que a tese não se aplica ao pecado imperdoável de Lúcifer, pois o anjo, por não ter corpo, não possui paixões; a sua anuência ao mal é, pois, perfeitamente deliberada.


Neste ponto, vale fazer uma pequena advertência: até mesmo nos casos de ignorância invencível, nos quais não há culpa no ato, o efeito mau (que é o desvio do fim natural, nos atos humanos) se segue necessariamente. Assim, um demente que em sua esquizofrênica desrazão se atire da janela do hospício, pensando bater as asas e voar, perderá a vida da mesma forma que um suicida perfeitamente consciente das implicações do ato de pular de um nono andar, pois, como se disse noutro artigo, o desvio da verdade (que se identifica formalmente com o ser) sempre acarreta no homem males espirituais, psicológicos ou físicos. A diferença é que no primeiro destes dois casos não houve pecado mortal, pois a intenção era voar e não morrer, mas no segundo, sim. Mas em ambos, necessariamente, o efeito mau se seguiu à ação levada a cabo de forma indevida.


Pois bem, feito todo este preâmbulo, assentemos uma verdade multissecular: para o cristianismo, a prática de atos homossexuais é um dos pecados específicos da luxúria, vício capital. É um desvio da reta ordem ao fim espiritual superior (a perfeita bem-aventurança), além de ser um ato contrário à natureza, tanto no que diz respeito ao plano físico, ou seja, aos órgãos implicados em qualquer ato homossexual, usados sem ordem aos seus fins naturais devidos***, como no tocante ao plano espiritual, pois fomenta uma vida hedonista em que o gozo passa, cada vez mais, a ser buscado como um fim em si mesmo, sem orientação a nada exterior a ele — ao contrário do que acontece com o gozo dentro do matrimônio cristão, que, embora também seja um bem em si, está ordenado à natural geração da prole e, portanto, da família, que é a celula mater daquilo a que chamamos propriamente de “civilização”. Em resumo, a luxúria, dada a veemência dos gozos sensíveis que propicia, quando transformada em hábito acarreta vários outros vícios, de acordo com a Igreja: cegueira mental, inconsideração, inconstância, precipitação, egoísmo, ódio a Deus, amor excessivo à vida presente e desespero em relação à futura. E com a luxúria homossexual, que é um dos seus tipos específicos, não poderia ser diferente.


Podemos concordar ou não com tudo isso, mas o fato inegável é que esta visão de mundo se transformou num verdadeiro escândalo para uma sociedade que se desvincula dos últimos resquícios de sua raiz católica e, na esteira disso, nega o acesso aos bens espirituais de ordem superior, abrindo flanco para todos os tipos de esoterismo infanto-juvenil, de seitas malucas, das milionárias igrejolas pseudoevangélicas que se aproveitam da boa-fé de gente simplória, etc. Não admira que cheguemos mesmo ao ponto em que ter ojeriza ao pecado se torne um crime inafiançável — que é o que está prestes a acontecer, quando o PL 122 se transformar em lei, ou melhor, na chamada “lei da mordaça gay”. Sob o nome mágico de “homofobia”, o que vem por aí, minha gente, é inacreditável. E podem crer: só uma verdadeira autoridade espiritual poderia deter essa tsunami, mas onde estão, por exemplo, os bispos? Ah, lembrei... são teologicamente modernistas e muitos deles estão é preocupados em fazer trabalhos “sociais”, abraçar árvores, como induz a Campanha da Fraternidade 2011 da CNBB, etc. Então, não nos enganemos: cedo ou tarde o PL 122 se transformará em lei, numa imposição da minoria organizada (e ricamente financiada) contra o sentir comum da maioria dispersa, desorganizada. Oh, admirável mundo novo!


Não vou sequer entrar amiúde no mérito de que a palavra “fobia”, proveniente do grego φόβος (medo), significa, de acordo com a definição corrente, aversão irracional a situações, objetos, animais, práticas, lugares, etc. E o que é irracional não pode ser imputável na forma da lei, por ser uma espécie de patologia. Então, o “homofóbico” seria antes de tudo alguém que precisa receber auxílio psicológico, e não um criminoso. Por aí se vê o grau de malícia (acompanhado da ignorância concomitante, de que acima falamos) na proposição de criminalizar a dita homofobia, um slogan de organizações não-governamentais que recebem rios de dinheiro para fazer valer os seus propósitos, mesmo contra a tendência da maioria da população.


Mas se, por outro lado, com a palavrinha mágica “homofobia” se quer conceituar a aversão consciente a uma prática sexual, ainda assim a coisa seria absurda, pois, numa sociedade que prega a liberdade de expressão como um dos seus pilares fundamentais, se estaria criminalizando uma opinião, um conceito. Curioso é alguém como eu, um baita antiliberal — e, portanto, contrário à liberdade indiscriminada de expressão de idéias —, dizer isto, mas por aqui bem se vê o quão mentirosa é a nossa democracia, e o quão teleguiada é a nossa liberdade política.


Na prática, em nossas terras, a lei da mordaça gay será a pá-de-cal da sociedade cristã, cujo epitáfio bem poderia ser: aqui jaz uma sociedade em decúbito ventral, inerte ante o hedonismo transformado em bandeira política.


Em suma, primeiramente o pecado foi sendo banido da ordem social, com o avanço do liberalismo anticristão, mundo afora. Agora, entre nós, está sendo assassinado na forma da lei; em breve será cremado. E nem poderemos rezar por suas cinzas, pois o PL 122 vem aí...


* Aqui a referência é a paixão má, cujo influxo oblitera a razão. Esta ressalva é importante na medida em que ter paixões, ou seja, agir sobre o influxo de imagens, é algo inerente à nossa humana condição, pois a paixão é o movimento do apetite sensitivo pela imaginação de um bem ou de um mal, na definição metafísica de Santo Tomás. Mas quando a paixão se torna uma verdadeira idéia fixa, que induz o homem a agir mal, então há sempre pecado.


** Dizia Boécio que no homem a inteligência está para a razão assim como o centro está para a circunferência. A distinção aqui é entre inteligir e raciocinar. O que se quer apontar é o seguinte: o homem, para inteligir, precisa raciocinar, quer dizer, elaborar premissas e destas ir dialeticamente caminhando até as conclusões. Não somos inteligências puras e, portanto, precisamos compor e dividir raciocínios para chegar às verdades. Ora, os maus hábitos podem induzir a razão a inteligir erroneamente, na medida em que a alma não consegue desvincular-se facilmente das imagens apaixonadas que atrapalham a clara visão das premissas. E, estando obliterada a razão, a vontade tende a escolher mal.


*** Por razões óbvias, serei bastante econômico ao citar as doenças que, por exemplo, a prática continuada do sexo anal pode acarretar (cada um procure se informar direitinho com um médico de confiança): retite, colpite, proctite, prostatite, orquite, uretrite, dermatite anal crônica, traumatismos no canal retal, salpingite com quadro de inflamação pélvica, etc. Isto porque a cavidade anal é povoada por inúmeras bactérias que fazem parte da flora intestinal e vivem por lá, em equilíbrio com os tecidos, mas que podem migrar para as áreas internas dos órgãos sexuais masculinos e femininos, além é claro das doenças não bacteriológicas (como fissuras anais, abscessos anorretais, verrugas perianais, etc.) causadas, no caso de que se trata, pelo fato de o músculo esfíncter ser propriamente feito para expelir o que está no interior, e não para ser impelido por algo exterior. Para um cristão, isto é uma evidência do que se disse acima: trata-se de práticas contrárias à natureza mesma dos órgãos implicados in actu exercito fornicacionis. Mas estaremos, em breve, proibidos até mesmo de dizer isso, ou de sequer discutir acerca do assunto. Por ora, aviso desde logo: o engraçadinho que se atrever a me chamar de "homofóbico" enquanto o PL 122 não vira lei, responderá a um processo de calúnia, com polpuda indenização por danos morais. Depois que a mordaça estiver aprovada, veremos o tamanho da sua inconsistência jurídica, para ver como será possível agir no novo estado político instaurado.


Em tempo: O que farão os nossos políticos (depois de aprovar o PL 122), com as citações bíblicas abundantes que citam a sodomia como ato abominável? Criminalizar a Sagrada Escritura? Talvez cheguemos a isto, mas antes os religiosos serão obrigados a apenas murmurar intra muros, e olhe lá. Como se vê, é uma guerra civilizacional entre as duras exigências do espírito cristão (de renúncia, penitência, jejum, etc.) e as facilidades imediatas da carne. Entre a porta estreita e a porta larga.


Em tempo 2: Alguns conservadores (não raro adeptos de religiões “evangélicas”) partem do pressuposto de que se devem atacar diretamente os propugnadores das políticas gayzistas, deixando o tema do pecado de lado. Atacar as pessoas e sua presumível má-fé, e não o pecado. Nada mais liberal do que essa idéia!!!! Um católico, por sua vez, deve sempre pôr na frente de sua argumentação nesta matéria o ato objetivo do pecado, do qual precisa afastar-se para manter-se em estado de graça habitual. E o que pode ele dizer aos amigos gays que porventura tiver, sempre com espírito de caridade e se a ocasião propícia se apresentar, é o seguinte: convertam-se, conheçam os sacramentos e a graça divina que eles veiculam, pois Deus, em Sua infinita misericórdia, não quer que o pecador se perca, mas que se converta. Nós odiamos o pecado (e mais: somos também pecadores, não raro em matérias muito mais graves, porque espirituais!!!!). Em suma, odiamos o pecado porque ele nos afasta de Deus — mas queremos que a salvação alcance a todos. Mais que isso, só rezando.


Em tempo 3: Indaguei acima: cadê os bispos, neste momento? Bem, se eu tiver sido injusto com algum deles que porventura tenha uma postura mais de acordo com as exigências da fé para a hora presente, peço desde logo perdão e abro espaço aqui no blog para que se manifeste. Quanto aos demais, peçamos a Deus que os force santamente a agir, a sair da zona de conforto para defender não apenas a fé, mas também os fiéis, que sabe Deus em que situação estarão quando a mordaça virar lei.

terça-feira, 12 de abril de 2011

"TV" Contra Impugnantes: o tomista Jean-Pierre Torrel e os diferentes fins últimos do homem

Sidney Silveira

Em diferentes textos do Contra Impugnantes, já se abordaram alguns problemas do tomismo contemporâneo, que muitas vezes — por ser propugnado por professores para quem não há crise alguma na Igreja desde o Concílio Vaticano II, ou se há nada teria a ver diretamente com os textos do Concílio — é uma tentativa de adaptar Santo Tomás ao modo de pensar moderno, ou mais que isso: a teses do mundo contemporâneo contrárias aos fins espirituais buscados pela Igreja. Um exemplo é Jean-Pierre Torrel, frade dominicano sobre o qual já falamos noutro texto, e a quem o Prof. Nougué faz alusão neste breve trecho de aula da "TV" Contra Impugnantes... Em algumas passagens da obra Saint Thomas d'Aquin, maître espirituel, propõe Torrel teses muito semelhante às de Dante, colocado por razões doutrinais e prudenciais pelo Magistério da Igreja no Index, durante séculos.

Em tempo: Às pessoas que, desde a quinta-feira passada, encomendaram um exemplar do DVD Bach e a Harmonia das Esferas, peço um pouco de paciência: por falta de tempo, estou respondendo os emails aos poucos.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

"Hereges", na tradução do Angueth

Sidney Silveira

Com certo atraso, divulgo aqui a edição de Hereges, de G. K. Chesterton, em tradução da lavra do amigo Antonio Angueth. A propósito, em agosto de 2009 recebi esta tradução feita pelo Angueth, e chegamos a aventar a publicação do livro pela Sétimo Selo (que já editara A Inocência do Pe. Brown, também de Chesterton, que pode ser encomendado pelo email contato@edsetimoselo.com.br), o que não foi possível, infelizmente. De toda forma, parabéns ao amigo! Espero que a obra deste singular escritor inglês encontre novos leitores entre nós.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Sobre erros e crimes: a propósito do assassinato de 12 adolescentes no Rio de Janeiro

Sidney Silveira


O bem da inteligência é a posse formal da verdade, ou seja, é o despir as coisas e as situações de seus aspectos incidentais e lhes descortinar o núcleo ontológico, a essência, chegar à forma inteligível que traduz, com fidelidade, o que elas são em si. O desvio da verdade — seja por ignorância paixão ou malícia, ou então uma mescla destas três, ainda que em doses desiguais —, acarreta no homem distúrbios espirituais, psicológicos e físicos. Sim, pois com o afastamento da verdade (e, por conseguinte, da realidade mesma das coisas), o aparato psicofísico humano é cindido, as potências da alma se desordenam decisivamente e causam males classificáveis por gente versada nas mais distintas ciências: do psiquiatra ao exorcista; do psicólogo ao clínico geral; do antropólogo ao teólogo com formação metafísica; etc. Em suma, afastar-se da verdade é ir contra a realidade, e isto só pode fazer mal ao homem, porque, como dizia o filósofo espanhol Julián Marías, a realidade não é só existência, mas também resistência, quer dizer: ela é o que resiste invencivelmente aos nossos equívocos.


É evidente que a diagnose das patologias varia de acordo com a abrangência da ciência que estuda cada caso. Não se peça ao ortopedista para dar um parecer sobre um distúrbio esquizóide, nem ao endocrinologista para assinar um atestado de delírio persecutório esquizofrênico, ou a um geneticista para identificar uma possessão demoníaca. Todos darão com os burros n’água! Neste contexto, convém salientar que um conhecimento é tanto melhor quanto abarca causas mais universais. Ou seja, por uma forma inteligível de grande alcance e profundidade, conhecem-se mais coisas particulares (tanto em sua configuração normal, como em seus desvios acidentais) do que por uma forma inteligível de menor alcance. Assim, por exemplo, se eu sei que as sociedades devem ordenar-se a Deus e prestar-Lhe o devido culto de latria, conhecendo esta verdade saberei, no ato, que uma sociedade caminha para o desastre espiritual se ignora a Deus na forma da lei, como acontece com todas as democracias liberais, sem uma exceçãozinha sequer. Mas, se desconheço totalmente aquela verdade, não terei a intelecção deste desvio específico no plano político, fonte de verdadeiras monstruosidades e aberrações.


O que se quer dizer com isto — entre outras coisas — é o seguinte: um bom metafísico, se porventura se torna psicólogo, será com toda a certeza um estudioso muito mais profundo dos fenômenos psíquicos do que um presumível especialista versado apenas em sua ciência e a partir de uma aporética perspectiva materialista, pois conhecerá as causas universais que afetam a matéria, e, no caso do homem, o corpo (que é a união da matéria com uma forma noética) e suas potências. Este é porventura o caso do psicólogo Martín Echavarría, autor do magistral livro La práxis da Psicología y sus niveles epistemológicos según Tomás de Aquino, uma lição magna de antropologia, ministrada ao longo de 800 densas páginas.


Pois bem: como se depreende da gnosiologia de Santo Tomás de Aquino, há uma identidade formal (e também intencional) entre o cognoscente e a coisa conhecida. Ou seja, ao conhecer a verdade o homem apossa-se das coisas imaterialmente, discernindo a si próprio como distinto delas e — valorando-as exatamente pelo que são — tendo uma noção de como deve agir em cada situação existencial que se apresente. Ora, quanto mais universais forem as verdades conhecidas, melhor e mais saudável será a vida de um homem. Pelo menos esta é a tendência natural. Há, pois, entre ser, conhecer e agir uma complementaridade que se rompe quando o homem se afasta da verdade, e isto sempre acarreta, como se disse acima, distúrbios internos (problemas espirituais, psicológicos e físicos), mas também externos, decorrentes daqueles (nas relações do homem com o seu entorno). Esses distúrbios podem gerar tanto o deprimido como o serial killer; tanto o melancólico como o pedófilo; tanto o misantropo como o fratricida.


Cito estas coisas a propósito do tristíssimo acontecimento de ontem numa escola do subúrbio carioca, onde um jovem patentemente problemático assassinou cruelmente 12 adolescentes, e depois se matou. Na carta que deixou, além de um conjunto de abstrusidades ele mencionava o nome de Jesus e manifestava várias idéias equivocadas sobre celibato, castidade, pureza, perdão de Deus, etc. Um prato cheio para os materialistas de plantão, que estão agora colocando a culpa na religião — pondo num mesmo balaio, obviamente, a religião que civilizou o mundo (com os seus ensinamentos e sacramentos, os seus Santos e grandes filósofos), as falsas religiões e também as seitinhas diabólicas que afastam o homem não apenas de Deus, mas também das verdades mais evidentes sobre si mesmo e sobre o mundo. Mas se com o ecumenismo a própria Igreja se coloca no mesmo plano de seitas e de religiões fundadas por assassinos e tarados, podemos condenar os materialistas por essa opinião?


Como o rapaz morreu, o complexo de causas particulares que o levaram a assassinar sem piedade essas crianças só pode agora ser conhecido, perfeitamente, por Deus. Médicos psiquiatras, filósofos, pedagogos, psicólogos e sociólogos poderão especular à vontade, mas sem jamais chegar à ciência perfeita das causas deste terrível evento, embora possam aventar hipóteses mil: problemas familiares, sociais, econômicos, políticos, físicos, psicológicos, psiquiátricos, etc. É evidente que estas circunstâncias podem ter sido concausas próximas do ato criminoso, em graus distintos, mas a verdade é que jamais o saberemos com toda a certeza nesta vida. Isto porque não podemos ter a ciência dos particulares se sequer possuímos os dados fundamentais para o estudo deles, e, como se disse acima, o rapaz está morto. Podemos, sim, saber que as razões da sua desrazão se afastam certamente das verdades mais fundamentais sobre a condição humana, dos tópicos da lei natural captados a partir da sindérese. Ora, quem se afasta dessas verdades sobre a essência do homem não impressiona que se torne um criminoso, um desvairado preso à agônica e insuportável dor de uma vida sem sentido. E, como se frisou acima, afastar-se da verdade é ir contra as coisas (e, diga-se, também contra as pessoas).


A forma do assassinato das crianças (semelhante à de alguns filmes que mostram a violência em suas configurações mais insanas), porém, nos aponta para uma outra causa do aumento, no mundo, dos crimes hediondos por motivo torpe: a cultura da morte, uma cultura satânica que dá ao mal um verniz estético, seja na literatura, na TV, no teatro, no cinema, na internet, etc. Uma cultura que, a pretexto de defender a liberdade de expressão, dá vazão ao abismo espiritual mais terrível que pode haver, no plano social. Cultura de um mundo que se fechou à ação da graça divina e, portanto, à face humana verdadeira que encontramos em Cristo — verdadeiro Deus e verdadeiro homem, como ensina o Credo de Calcedônia.


Infelizmente, a causa distante da dramática situação atual do mundo é a própria Igreja, que há 45 anos deixa de lado o seu carisma magisterial, já que este só se pode verificar se aqueles que o receberam não o depõem, culpavelmente. Uma Igreja apartada do Estado e, portanto, responsável pela multiplicação das seitas e também por uma política que não visa ao bem comum e à ordenação deste a Deus, pois o bem comum virou uma quimera. Obviamente, não que as coisas no contexto anterior ao Concílio Vaticano II fossem uma maravilha, pois a bem-aventurança perfeita só se dará no céu, mas, depois que o modernismo tomou conta do Magistério, as amarras que impediam a difusão dos males espirituais em grande escala foram rompidas...


Ora, a cultura de um mundo onde não existe autoridade espiritual manifesta, ou melhor, uma autoridade que manifeste a intenção de ensinar as verdades recebidas por Deus em alguns dos mais importantes tópicos da doutrina revelada, só pode induzir à multiplicação do que há de pior no homem. Não se assustem: a tendência é irmos descendo em círculos concêntricos cada vez mais dramáticos... Que Deus nos ajude.