Sidney Silveira
(continuação de: 1- A psicologia da ação humana).
No último post (em a.2), encerramos com a descrição do que é, de acordo com Santo Tomás, o olfato. E, antes de prosseguirmos com os sentidos externos mais “nobres” — a visão e a audição —, duas anotações vale recapitular (apenas para gravar na memória, da qual também falaremos ao abordar os sentidos internos):
I- Todos os sentidos captam a coisa com certa imaterialidade, daí que constituem um tipo de conhecimento, embora incompleto, pois a inteligência abstrai a ratio entis e vai além da captação sensorial deste ou daquele ente, descortinando-lhe a essência (sobre a qual ainda falaremos), etc.;
II- O tato é o mais universal dos sentidos, pois todos os entes dotados de anima o possuem.
a. 3) Audição, visão e sensíveis próprios
Para Santo Tomás, os sentidos da audição e da visão são, na realidade, os principais auxiliares das potências cognitivas do homem, pois, além de nos dar a conhecer mais amplamente a realidade — dado que os seus sensíveis próprios são, por assim dizer, mais “etéreos” ou menos materiais — são eles que imprimem na psique (mais propriamente na imaginação) os mais fortes “fantasmas”, para usar um termo escolástico tomado de empréstimo à filosofia aristotélica para traduzir a imagem que um objeto sensível deixa em nossa estrutura psicofísica. Quando, mais adiante, tratarmos da psicologia do pecado, veremos que a visão e a audição são os sentidos mais capazes de nos desordenar as paixões, e é por por meio destas que mais atua o inimigo do gênero humano — e, justamente por isso, os Padres do Deserto e os santos de todos os tempos aconselham-nos a conter a imaginação, e assim elevarmos as nossas potências mais nobres a Deus, o que é impossível para quem está vivamente apaixonado por alguma criatura, ainda que seja a própria consciência individual “autônoma”, no caso de alguns liberais. Mas deixemos isto para outra ocasião.
Falou-se no parágrafo anterior de “sensíveis próprios”, e agora lhes damos a definição: sensíveis próprios são aqueles que especificam cada sentido. Os sensíveis próprios da vista são a cor e a luz (pois a sua razão formal é tudo o que é visível); o sensível próprio da audição é o audível; o do paladar, o palatável; o do tato, o táctil; e o do olfato é tudo o que não seja absolutamente inodoro. Isto deveria parecer óbvio, na medida em que não enxergamos o cheiro e não cheiramos o audível, etc. Mas, como dizia Nelson Rodrigues, o óbvio é muitas vezes ululante e não o percebemos.
Os sensíveis comuns e a sensação
Além dos sensíveis próprios, há outros que podem ser captados por mais de um sentido — razão pela qual são chamados de sensíveis comuns. Em geral, esses sensíveis se enumeram entre as qualidades mais próximas à quantidade, pois são determinações do contínuo: a figura, o tamanho, o movimento, o repouso, etc. Com a captação dos sensíveis comuns já se põe de manifesto, para o homem, uma certa articulação da realidade. Um exemplo: a figura muitas vezes se apresenta pelas cores ou pelo movimento ou até mesmo pelo som.
Vale também deixar consignada, de forma clara, a noção de sensação na psicologia tomista: é o fenômeno psíquico determinado pela modificação de um órgão corporal, o que implica dois aspectos — um objeto apreendido em suas qualidades sensíveis e um estado afetivo mais ou menos acentuado (calor, sabor, cor, etc.), decorrente dessa apreensão. Para quem não tem acesso a livros de Santo Tomás ou aos de alguns autores de orientação aristotélica ou tomista que abordaram o tema, vale acessar o Curso de Filosofia, de Régis Jolivet, no trecho em que ele trata do conhecimento sensível.
Diziam os escolásticos que os entes operam a partir de suas formas, pois a forma é o princípio e o fim da operação de qualquer ente (falaremos acerca disso noutro texto, quando analisarmos o princípio de que a “potência limita o ser”). Para definir como um ente age (ou seja: opera), é necessário fazer um criterioso escrutínio de todas as potências dessa forma entis humana. Isto fica evidente se lembrarmos que toda operação procede de alguma potência (como diz Tomás de Aquino em De Potentia Dei, I, 1, sed contra 3: Omnis operatio ab aliqua potentia procedit).
Ludwig von Mises — a propósito de quem começamos essa série de textos — define o homem como ser agente sem maiores aprofundamentos metafísicos, e, mais à frente, veremos aonde isto pode dar... Mas há muita água a correr por esta fonte até lá, pois ainda estudaremos as demais potências da psique humana. No próximo post desta série, será a vez dos chamados sentidos internos e da função específica de cada um.
(continuação de: 1- A psicologia da ação humana).
No último post (em a.2), encerramos com a descrição do que é, de acordo com Santo Tomás, o olfato. E, antes de prosseguirmos com os sentidos externos mais “nobres” — a visão e a audição —, duas anotações vale recapitular (apenas para gravar na memória, da qual também falaremos ao abordar os sentidos internos):
I- Todos os sentidos captam a coisa com certa imaterialidade, daí que constituem um tipo de conhecimento, embora incompleto, pois a inteligência abstrai a ratio entis e vai além da captação sensorial deste ou daquele ente, descortinando-lhe a essência (sobre a qual ainda falaremos), etc.;
II- O tato é o mais universal dos sentidos, pois todos os entes dotados de anima o possuem.
a. 3) Audição, visão e sensíveis próprios
Para Santo Tomás, os sentidos da audição e da visão são, na realidade, os principais auxiliares das potências cognitivas do homem, pois, além de nos dar a conhecer mais amplamente a realidade — dado que os seus sensíveis próprios são, por assim dizer, mais “etéreos” ou menos materiais — são eles que imprimem na psique (mais propriamente na imaginação) os mais fortes “fantasmas”, para usar um termo escolástico tomado de empréstimo à filosofia aristotélica para traduzir a imagem que um objeto sensível deixa em nossa estrutura psicofísica. Quando, mais adiante, tratarmos da psicologia do pecado, veremos que a visão e a audição são os sentidos mais capazes de nos desordenar as paixões, e é por por meio destas que mais atua o inimigo do gênero humano — e, justamente por isso, os Padres do Deserto e os santos de todos os tempos aconselham-nos a conter a imaginação, e assim elevarmos as nossas potências mais nobres a Deus, o que é impossível para quem está vivamente apaixonado por alguma criatura, ainda que seja a própria consciência individual “autônoma”, no caso de alguns liberais. Mas deixemos isto para outra ocasião.
Falou-se no parágrafo anterior de “sensíveis próprios”, e agora lhes damos a definição: sensíveis próprios são aqueles que especificam cada sentido. Os sensíveis próprios da vista são a cor e a luz (pois a sua razão formal é tudo o que é visível); o sensível próprio da audição é o audível; o do paladar, o palatável; o do tato, o táctil; e o do olfato é tudo o que não seja absolutamente inodoro. Isto deveria parecer óbvio, na medida em que não enxergamos o cheiro e não cheiramos o audível, etc. Mas, como dizia Nelson Rodrigues, o óbvio é muitas vezes ululante e não o percebemos.
Os sensíveis comuns e a sensação
Além dos sensíveis próprios, há outros que podem ser captados por mais de um sentido — razão pela qual são chamados de sensíveis comuns. Em geral, esses sensíveis se enumeram entre as qualidades mais próximas à quantidade, pois são determinações do contínuo: a figura, o tamanho, o movimento, o repouso, etc. Com a captação dos sensíveis comuns já se põe de manifesto, para o homem, uma certa articulação da realidade. Um exemplo: a figura muitas vezes se apresenta pelas cores ou pelo movimento ou até mesmo pelo som.
Vale também deixar consignada, de forma clara, a noção de sensação na psicologia tomista: é o fenômeno psíquico determinado pela modificação de um órgão corporal, o que implica dois aspectos — um objeto apreendido em suas qualidades sensíveis e um estado afetivo mais ou menos acentuado (calor, sabor, cor, etc.), decorrente dessa apreensão. Para quem não tem acesso a livros de Santo Tomás ou aos de alguns autores de orientação aristotélica ou tomista que abordaram o tema, vale acessar o Curso de Filosofia, de Régis Jolivet, no trecho em que ele trata do conhecimento sensível.
Diziam os escolásticos que os entes operam a partir de suas formas, pois a forma é o princípio e o fim da operação de qualquer ente (falaremos acerca disso noutro texto, quando analisarmos o princípio de que a “potência limita o ser”). Para definir como um ente age (ou seja: opera), é necessário fazer um criterioso escrutínio de todas as potências dessa forma entis humana. Isto fica evidente se lembrarmos que toda operação procede de alguma potência (como diz Tomás de Aquino em De Potentia Dei, I, 1, sed contra 3: Omnis operatio ab aliqua potentia procedit).
Ludwig von Mises — a propósito de quem começamos essa série de textos — define o homem como ser agente sem maiores aprofundamentos metafísicos, e, mais à frente, veremos aonde isto pode dar... Mas há muita água a correr por esta fonte até lá, pois ainda estudaremos as demais potências da psique humana. No próximo post desta série, será a vez dos chamados sentidos internos e da função específica de cada um.