Sidney Silveira
Santo Agostinho, no segundo capítulo do seu utilíssimo livro Sobre a Mentira, ao classificar as mentiras distingue o mentiroso (mendax) do embusteiro (mentiens). Embusteiro, de acordo com o Bispo de Hipona, é o que mente na maioria dos casos por fraqueza, enquanto o mentiroso, propriamente dito, é o sujeito a quem apetece mentir, e que chafurda na mentira com um sardônico prazer interior, a ponto de sofisticá-la mais e mais, chegando ao cúmulo de mentir com pedaços soltos de verdade ordenados de forma tal, que, aos olhos da maioria, pareçam ser alguma verdade fundamental, mas que na prática compõem uma grande mentira. E, definido o mentiroso quanto ao caráter, Agostinho passa a definir as mentiras quanto aos graus. E especifica oito, sendo o mais nefasto o da mentira em matéria religiosa (leia-se: católica!), pois afasta as pessoas da verdade fundamental revelada por Cristo e defendida pelo Magistério da Igreja em todos os tempos.
Esse tipo de mentiroso — ou seja: o autor de mentiras religiosas, que, como ensina Santo Agostinho, é o mais abominável — muitas vezes é um inimigo da Cruz infiltrado nos genuflexórios. Desse tipo, ou melhor, desse arquétipo, vários Papas trataram em incontáveis Encíclicas, entre os séculos XIX e XX. Se é pessoa de alguma erudição ou conhecimento do Magistério, então, torna-se altamente daninho, pela capacidade propagar mentiras sofisticadamente, ou melhor: sofisticamente. Chega a ser capaz de citar trechos de Encíclicas descontextualizando-os, para prosseguir em seu ofício mendaz. Como na verdade ele não defende a fé, incomoda-se com quem o faça — e sobretudo com quem o faça seguindo à risca a doutrina da Igreja. Temos observado o comportamento de alguns desses homens arquetípicos, neste mês e meio de existência do Contra Impugnantes: são católicos que têm murmurado um bocado, não raro apegando-se a coisas contingentes para fugir ao essencial. Mas ir para o combate de idéias, que é bom, nada... Em contrapartida, nós temos sido claros em nossa luta contra a cosmovisão liberal, sobretudo no que tem de contrária à fé.
Alguns andam insinuando por aí, entre pessoas católicas, que eu e o Prof. Nougué estamos querendo nos fazer de “mestres”, quando na verdade não há uma só idéia aqui que possa ser dita “nossa”, pois não há nada, absolutamente nada neste blog que não seja a reprodução fiel (às vezes ipsis verbis) do que Doutores da Igreja e o próprio Magistério — ordinário e extraordinário — ensinaram desde sempre. Até mesmo o que o Nougué tem escrito sobre a música — embora seja uma matéria opinável, para o católico — provém do Magistério; neste caso, tanto de São Pio X como de Pio XII.
Essa gente não peca apenas por omissão, mas faz pior: trabalha subterrânea e maliciosamente contra quem não é omisso! Talvez por ver na coragem alheia o tamanho da sua própria omissão. Que Deus dê a essas pessoas Graças atuais suficientes, para retornar à doutrina do Evangelho! É o que desejamos com fervor.
Por fim, voltando à mentira: para vermos quão daninha ela é, lembremo-nos do que diz Santo Agostinho em outro livro — desta vez, no tratado Contra a Mentira: “Não devemos mentir nem mesmo para salvar um homem do castigo eterno”. São palavras duras de um Doutor da Igreja (e não nossas!!!!), e obviamente só mesmo com a Graça alguém pode chegar a este estágio, pois apenas com nossas forças, com o apoio de nossa frágil consciência individual, de fato não podemos. A propósito, essas palavras de Agostinho já não podem sequer ser entendidas por católicos que naturalizaram tudo, ou seja: perderam a noção de sobrenatural. Para estes, o homem santo é um sujeito bom, moralmente cumpridor dos seus deveres, timorato e às vezes até piedoso. Quem defende isto tem uma idéia kantiana de moral e de religião. Um católico assim jamais poderia sequer ter um vislumbre do que Santo Agostinho quer dizer, quando pergunta:
— Por que homens justos se perdem eternamente, enquanto lodos humanos se salvam no último instante?
O próprio Santo responde, adiante: “Não sabemos. Sabemos apenas que a Justiça de Deus é justíssima, e isto nos basta”.