Trabalho de Robert Grosseteste sobre a refração da luz
Sidney Silveira
Como se assinalou neste vídeo, há em linhas gerais três graus principais de abstração: o da física, que aborda o ente na perspectiva do movimento; o das matemáticas, que considera o ente na perspectiva das relações; e o da metafísica, que considera o ente enquanto ente — desprovido de todo e qualquer modus. Isto implica dizer que a física está subordinada à matemática e à metafísica; a matemática, à metafísica; e a metafísica, a nenhuma das duas, pois representa o grau máximo de abstração que a inteligência humana pode lograr*, razão pela qual merece ela o título de ciência por excelência, pois todas as demais a supõem fundamentalmente.
Como se assinalou neste vídeo, há em linhas gerais três graus principais de abstração: o da física, que aborda o ente na perspectiva do movimento; o das matemáticas, que considera o ente na perspectiva das relações; e o da metafísica, que considera o ente enquanto ente — desprovido de todo e qualquer modus. Isto implica dizer que a física está subordinada à matemática e à metafísica; a matemática, à metafísica; e a metafísica, a nenhuma das duas, pois representa o grau máximo de abstração que a inteligência humana pode lograr*, razão pela qual merece ela o título de ciência por excelência, pois todas as demais a supõem fundamentalmente.
Quando se diz subordinação, quer-se dizer que uma ciência busca em outra os seus princípios. Santo Tomás dá o exemplo disso quando, no começo da Suma Teológica (I. q. 1., a. 2, resp), lembra-nos que a perspectiva parte dos princípios que proporciona a geometria, e a música, dos que lhe proporciona a aritmética, e assim por diante É exatamente este o sentido em que se afirma que uma ciência supõe a outra, à qual se subordina.
Para a mentalidade moderna, isto não parece óbvio, dada a subdivisão das ciências em especificidades cada vez mais minuciosas, o que, a par de trazer grandes avanços particulares, prejudica sobremaneira a visão do conjunto das ciências. Isto fica bastante evidente quando observamos físicos contemporâneos abordar questões (como a da origem do universo) que transcendem em absoluto à sua ciência, apoiados em mal-disfarçadas muletas metafísicas.
Tomemos por exemplo a teoria do Big Bang. E pressuponhamos, a título de exercício dialético, que esteja certa em suas linhas principais. Ainda neste caso, ficaria fundamentalmente por explicar de onde veio a matéria prima inicial que, no começo do universo, teria explodido em razão de sua máxima concentração, proporcionando o cosmos hoje em expansão. Em resumo, a teoria do Big Bang parte de um dado para o qual precisa apoiar-se numa premissa de cariz metafísico (ou teológico), sem no entanto esboçar uma resolução para o problema inicial. A propósito, a solução foi dada com razões suficientes pela metafísica do Ser de Tomás de Aquino.
Abra-se um parêntese para lembrar que a teoria do Big Bang ganhou uma primeira formulação com o bispo católico Robert Grosseteste, na virada dos séculos XII para o XIII (obviamente, com diferenças em relação às atuais variáveis da tese do universo em expansão). O fato é que, como bom realista, Grosseteste não aceitara sustentar toda a sua tese sobre uma hipótese para a qual não houvesse uma evidência ou, ao menos, um elemento corroborante. Por isso, afirmara no tratado De luce seu de inchoatione formarum, que a matéria prima seria uma substância sutil luminosa próxima do incorpóreo... criada por Deus!
A característica dessa luz primeva de Grosseteste seria o perpetuamente engendrar-se a si mesma pela difusão esférica em torno de pontos luminosos. Em síntese: dado o primeiro ponto luminoso criado por Deus, instantaneamente se engendrou, ao redor dele, tomado como centro, uma esfera luminosa, e esta se propagou em outros pontos luminosos e assim por diante, ad infinitum; esta difusão circular da luz seria o princípio ativo de todas as coisas, inclusive da corporeidade. Primeira forma criada por Deus na matéria prima, tal luz se multiplicaria indefinidamente por si mesma e se estenderia em todas as direções, distendendo a porção de matéria prima que leva consigo desde o princípio dos tempos e constituindo, assim, o universo em movimento e expansão que contemplamos.
Voltemos ao tema da subalternação das ciências. A física se subordina à matemática e à metafísica; a matemática não se subordina à física, mas sim à metafísica; e esta última não se subordina a nenhuma delas, muito menos a qualquer outra ciência, com exceção da teologia, conforme dissemos. Como diz o tomista Carlos A. Casanova no instigante livro Reflexiones metafísicas sobre la ciencia natural, nos tratados de matemática, por exemplo, não se discute o princípio de não-contradição, que está pressuposto desde o começo em todas as equações. Tudo supõe o axioma sem o qual nem haveria matemáticas. Ademais, quando o matemático ou o físico consideram-no de modo explícito, saem do seu campo de competência e têm por hábito errar bastante.
Assim, algumas proposições sobre as quais versa a matemática (axiomas chamados circa quæ, como o que afirma: duas quantidades iguais a uma terceira são iguais entre si) não podem ser provadas por ela, mas supõem outra disciplina. Casanova aponta também os axiomas ex quibus**, como o princípio de não-contradição. Sem eles sequer poderia a matemática avançar um passo.
Na física matemática ocorre de maneira semelhante. Suas convenções, diz Casanova, se referem à realidade e ajudam a conhecê-la se são aplicadas de modo sistemático, pois nos remetem a relações quantitativas reais. Quando se trata de um fenômeno qualitativo, como uma descarga elétrica ou o calor, sempre há algo que escapa às fórmulas.
Conceitos que se situam entre os mais fundamentais da física matemática, como massa, tempo e temperatura, são precisos dentro de esquemas que os utilizam em cadeias dedutivas matemáticas, mas estas pressupõem os princípios metafísicos de que falamos.
* Não é o caso aqui de abordar a separatio, que para alguns tomistas contemporâneos, apoiados num trecho do comentário de Santo Tomás ao De Trinitate de Boécio, seria um grau de abstração superior ao da metafísica.
** Essa expressão pode ser encontrada no Comentário aos Analíticos Posteriores de Aristóteles, escrito por Santo Tomás.
** Essa expressão pode ser encontrada no Comentário aos Analíticos Posteriores de Aristóteles, escrito por Santo Tomás.