Sidney Silveira
Como se dizia antigamente, por uma espécie de analogia, “a castidade faz dos homens anjos” (castitas angelum de homine facit). Dizia-se também: “Com as mulheres, usemos de palavras breves e austeras” (cum feminis, sermo brevis et rigidus)*. E mais: “É impossível aproximar-se do fogo e não arder” (impossibile est flammis circumdari, et non ardere). Estas e muitas outras máximas e advertências dos Santos Doutores e do Magistério da Igreja com relação à castidade e aos meios (naturais e sobrenaturais) de mantê-la pertencem hoje a bolorentos manuais de Teologia Moral, relegados ao esquecimento, mesmo em Seminários.
Como se dizia antigamente, por uma espécie de analogia, “a castidade faz dos homens anjos” (castitas angelum de homine facit). Dizia-se também: “Com as mulheres, usemos de palavras breves e austeras” (cum feminis, sermo brevis et rigidus)*. E mais: “É impossível aproximar-se do fogo e não arder” (impossibile est flammis circumdari, et non ardere). Estas e muitas outras máximas e advertências dos Santos Doutores e do Magistério da Igreja com relação à castidade e aos meios (naturais e sobrenaturais) de mantê-la pertencem hoje a bolorentos manuais de Teologia Moral, relegados ao esquecimento, mesmo em Seminários.
Num mundo lúbrico, feito de encomenda para todos os tipos de gozo psicofísico, verdadeira fábrica de sexo das mais inimagináveis formas, a castidade transformou-se definitivamente em signo de algum tipo de doença psicológica. Mas isto não é de hoje. Algumas pseudofilosofias, secundadas pela teoria psicanalítica, há mais de cem anos vêm repetindo esse bordão. Nietzsche, por exemplo, dizia-nos em sua tola (porém daninha) Genealogia da Moral que o tipo mais acabado de neurótico é o santo. Freud foi além, ao afirmar em diferentes obras que uma das principais fontes de neuroses no Ocidente era a repressão dos movimentos da sexualidade por parte da moral cultural cristã.
Na prática, o homem sadio, na opinião dessas “autoridades”, seria o que conseguisse dar vazão a todos os movimentos libidinosos de sua psique; caso contrário, não lhe restaria senão a queda em estados os mais mórbidos e nervosos que se possam imaginar. O problema, segundo Freud, residia na moral ocidental (também vigente na católica Viena de então) que proibia não apenas a perversão sexual — como era chamada a homossexualidade —, mas até mesmo o exercício da heterossexualidade fora do matrimônio (oh, sacrifício terrível, o da monogamia!). Nesta visão, uma sociedade de adúlteros plenamente saciados e de sodomitas habitualmente in actu exercito de suas taras geraria um mundo muitíssimo melhor. Um mundo livre dos conflitos pulsionais mais agressivos provenientes das interdições do Superego.
O ataque frontal e decisivo ao sacramento do Matrimônio cristão estava desferido — pois, para justificar toda a sorte de incontinências e fetiches, passou-se a ter o apoio de uma nova “ciência” que se transformaria, na prática, numa espécie de sucedâneo da Religião: sobretudo nas classes médias, ao longo do século XX o divã tomaria o lugar do Confessionário. Mas se este último apagava uma culpa objetiva por meio do perdão divino subministrado sacramentalmente pelo padre (in persona Christi), aquele contribuiria para, em primeiro lugar, tornar a idéia de culpa algo subjetivo em toda a linha (e com raízes no elástico conceito de “inconsciente”, sobre o qual os psicanalistas das mais diferentes linhas divergem), e, depois, enterrar de vez a noção de culpa — lançando profanamente (in persona “Freudi”) a pá de cal sobre toda e qualquer idéia de moral. Era o prelúdio do vale-tudo.
Em síntese, para o Dr. Freud, a moral sexual vigente em sua época e nos séculos anteriores (ou seja: a cristã) seria a causa direta da neurose coletiva de todo o Ocidente, dada a impossibilidade de ser cumprida pela maioria das pessoas . De acordo com o seu psicanalítico parecer, as tendências perversas seriam justamente as que fariam a cultura progredir. Na prática, a religião (o Totem) já havia perdido a preeminência, mas ainda restava por derrubar a moral (o Tabu), e todas as suas proibições que não faziam outra coisa senão produzir patologias em progressão geométrica.
Hoje é extensa a bibliografia que aponta as raízes nietzschianas da psicanálise de Freud. Os conceitos de “pulsão”, “inconsciente”, “repressão”, “sublimação”, “caráter patológico da moral ocidental (e da religião)” e outras idéias centrais do pensamento freudiano se encontram presentes, de modo evidentíssimo, na obra de Nietzsche, como nos aponta Martín Echavarría, no livro “La práxis de la psicologia y sus fundamentos epistemológicos según Tomás de Aquino”. Num trecho dessa obra luminosa, Echavarría acertadamente nos lembra que:
“(…) la técnica terapéutica misma de hacer conciente lo inconciente se inserta en una concepción cercana a la idea de Nietzsche según la cual la curación consiste (…) en la superación del bien y del mal”.
Echavarría nos aponta, pela voz de alguns testemunhos que privaram da intimidade do pai da psicanálise, a grande esperança que tinha Freud no “super-homem” nietzschiano. Ele confessara ao Dr. G. C. Viereck que “Nietsche foi um dos primeiros psicanalistas. É surpreendente até que ponto sua intuição antecipou as nossas descobertas”.
Não admira que, com tais fundamentos e com esse afã prometéico de ir além do bem e do mal, a psicanálise estivesse condenada a permanecer eternamente como uma teoria — sem jamais lograr uma demonstração empírica dos seus conceitos-chave. Uma teoria feita de idéias auto-referentes com fumos de ciência, como demonstrou um dos mais importantes psicólogos do século XX: Rudolph Allers (mestre de Viktor Frankl, mas em certo sentido muitíssimo superior ao discípulo, dada a perspectiva metafísica de sua psicologia), em seus livros “Estudo crítico da psicanálise” (uma grande obra-prima de demonstração dos sofismas da ciência inventada pelo Dr. Vienense) e “Freud – o problema da psicanálise”.
Diz Allers no primeiro desses dois livros: “Não será difícil provar que a psicanálise pertence a um grupo de sistemas nascidos do espírito do naturalismo e do materialismo. E não é difícil também ver que o ponto de vista moral radical da mesma psicanálise é caracterizado por um puro hedonismo. Estas atitudes têm uma influência definida e de vasto alcance sobre a maneira de conceber a natureza humana. (...) A psicanálise não é, e nem pode ser, uma ciência, no mesmo sentido em que a física o é”.
Depois desse preâmbulo, Allers escolhe seis axiomas da psicanálise e os põe a todos por terra, juntamente com os seus corolários e conseqüências — como num dominó.
São eles:
1º. Todos os processos mentais se desenvolvem de acordo com o padrão do mecanismo do reflexo;
2º. Todos os processos mentais são de uma natureza energética;
3º. Todos os processos mentais são estritamente determinados pela lei da causalidade.
4º. Todo fenômeno mental deriva, em última análise, de um instinto. Os instintos são o material primário dos estudos mentais;
5º. O princípio da evolução aplica-se ao desenvolvimento do espírito humano na história;
6º. A cadeia das associações livres reconduz-nos à causa real dos fenômenos mentais.
2º. Todos os processos mentais são de uma natureza energética;
3º. Todos os processos mentais são estritamente determinados pela lei da causalidade.
4º. Todo fenômeno mental deriva, em última análise, de um instinto. Os instintos são o material primário dos estudos mentais;
5º. O princípio da evolução aplica-se ao desenvolvimento do espírito humano na história;
6º. A cadeia das associações livres reconduz-nos à causa real dos fenômenos mentais.
Para o católico culto — que hoje se vê compelido a defender a doutrina tradicional em sua integridade (tanto intra como extra ecclesiam) —, as obras de Allers críticas à psicanálise são obrigatórias. Tanto pela profundidade filosófica, como pela contundente defesa da fé, que indiretamente acabam realizando.
* Tais prescrições nada têm a ver com algum tipo de misoginia, de aversão às mulheres. Pelo contrário: a grande apetecibilidade da beleza feminina, aos olhos do homem cristão em permanente e titânica luta contra o pecado, é que traz, para a sã doutrina, um grande risco de queda. Ou seja: no atual estado de natureza caída, a contemplação da beleza traz consigo o risco de queda em pecados os mais variados, pois não temos — como tivéramos no estado de justiça original — a capacidade de ordenar o apetite sensitivo às potências superiores da alma racional, senão com o auxílio da Graça. A propósito, isto serve também para as mulheres, na contemplação da beleza masculina: da deleitação morosa ao ato pecaminoso, muitas vezes basta um instante. Ah, se Santo Tomás, com santa inocência, dizia para evitarmos olhar as mocinhas belas (que no seu tempo se vestiam castamente), que diria a nós, homens contemporâneos, de um mundo hiperssexualizado e, ao mesmo tempo, infantilizado a mais não poder?
* Tais prescrições nada têm a ver com algum tipo de misoginia, de aversão às mulheres. Pelo contrário: a grande apetecibilidade da beleza feminina, aos olhos do homem cristão em permanente e titânica luta contra o pecado, é que traz, para a sã doutrina, um grande risco de queda. Ou seja: no atual estado de natureza caída, a contemplação da beleza traz consigo o risco de queda em pecados os mais variados, pois não temos — como tivéramos no estado de justiça original — a capacidade de ordenar o apetite sensitivo às potências superiores da alma racional, senão com o auxílio da Graça. A propósito, isto serve também para as mulheres, na contemplação da beleza masculina: da deleitação morosa ao ato pecaminoso, muitas vezes basta um instante. Ah, se Santo Tomás, com santa inocência, dizia para evitarmos olhar as mocinhas belas (que no seu tempo se vestiam castamente), que diria a nós, homens contemporâneos, de um mundo hiperssexualizado e, ao mesmo tempo, infantilizado a mais não poder?