Como já se disse, a alma humana tem cinco potências, que são o princípio e o limite de suas operações — as quais são absolutamente complementares neste todo harmônico que é a estrutura psicofísica do homem. E há, entre elas, não apenas complementaridade, mas hierarquia, ou seja: desde as operações inferiores que não transcendem a matéria, pois são realizadas instrumentalmente no plano corporal, como as da parte vegetativa (por exemplo: a digestão e as funções que dela derivam), até o supremo grau da parte intelectiva (que, por abstração, apreende imaterialmente as formas materiais, no conhecimento das essências das coisas), tudo contribui para que a alma alcance o seu fim principal, que é o bem inteligível, como salienta Santo Tomás na Questão Disputada Sobre a Alma, artigo 13, resposta à sétima objeção. Trocando em miúdos: todas as potências da alma humana são orientadas a esse fim principal, e por isso podemos dizer que as nossas operações vegetativas, sensitivas, apetitivas e motrizes estão a serviço do nosso optimum que é o inteligível, instância onde se dão os atos propriamente humanos: entender (a verdade) e querer (o bem). Sem a possibilidade de concretizar esses atos, sequer poderíamos ser ditos entes livres.
A propósito, um desvio ou defeito numa das funções intermédias dessas potências — sobretudo nas sensitivas e nas apetitivas — pode comprometer a operação máxima do ser humano, que se dá no plano da inteligibilidade.
Pois muito bem. Dizem muitos liberais contemporâneos que a consciência individual é autônoma, embora engasguem quando alguém lhes pergunta: autonomia em relação a quê? Ora, já vimos que a consciência não chega nem mesmo a ser uma potência essencial da alma, mas apenas a aplicação de um conhecimento a algo (ou de um erro, pois ela pode errar!!!). Como diachos ela poderia ser “autônoma”? Recorramos ao pai dos burros, que diz o seguinte do vocábulo “autonomia”: é a faculdade de governar-se a si mesmo; direito ou faculdade de se reger; liberdade ou independência moral ou intelectual; etc. Mas nós já constatamos que a consciência tem, como insumo, tanto a sindérese (esta sim, impecável enquanto hábito natural pelo qual captamos os primeiros princípios da razão prática) como as experiências. Sendo assim, o fato é que a consciência não possui autonomia nenhuma, nem intrínseca (em relação à sindérese) nem extrínseca (em relação às experiências adquiridas, que são exteriores a ela e pelas quais certos conhecimentos vão tornando-se habituais em nós).
A consciência é, portanto, um bicho altamente condicionado e nada autônomo!!! Não creiamos nessa falácia — que ganhou força com liberais do século XIX, como o obstinadíssimo Lamennais, e depois foi metamorfoseando-se, para escapar a todas as críticas — de que há uma coisa chamada “liberdade de consciência”, outra chamada “liberdade de escolha”, pois, como Santo Tomás demonstrou suficientemente em diferentes obras, a liberdade não está per essentiam nem na consciência nem na escolha, mas na vontade, que é apetite intelectivo. Se existe, pois, algo livre em nós é o querer (embora este não seja absoluto ou autodeterminado, como pensava Duns Scot, no século XIV). A propósito, vale consignar aqui o seguinte: a supervalorização da consciência individual, hoje tão querida dos liberais, é um dos disfarces do voluntarismo, ou seja, daquele tipo de filosofia que pretende fazer-nos crer, contra todas as evidências, que a vontade pode tudo, como por exemplo afastar-se do bem e querer o mal em si. Neste ponto, embora sem o intuito de misturar as estações, ocorre-me dizer o seguinte: o pecado original, conforme nos ensina a Sagrada Escritura, foi um pecado de afastamento de Deus (o supremo Bem), e, portanto, uma tentativa de autonomia da vontade humana em relação ao ser, ou melhor, ao Próprio Ser Subsistente.