Sidney Silveira
Não há como crescer espiritual ou moralmente se se está apegado às coisas mundanas. Para Santo Tomás, o desprezo do mundo (contemptus mundi) é precondição para o pleno desenvolvimento das duas potências superiores da alma humana: a inteligência e a vontade. Uma das premissas do Santo é muito simples, e vale para homens de todos os tempos: se não nos servirmos das coisas do mundo como intermediárias em relação à bem-aventurança perfeita, elas tornar-se-ão formalmente um empecilho para que alcancemos a pátria celeste. Diz o Aquinate:
“O homem encontra-se entre as realidades deste mundo e os bens espirituais em que consiste a eterna bem-aventurança, de tal modo que, quanto mais se incline a um deles, mais se afasta do outro (...) Quem se apega às coisas deste mundo fazendo delas o fim da existência, a razão e a regra de seus [próprios] atos, afasta-se totalmente dos bens espirituais. (...) No entanto, para atingir esse fim não é necessário renunciar totalmente ao mundo, porque se pode chegar à bem-aventurança fazendo uso dos bens terrestres, [mas] com a condição de não fazer destes o fim [da existência]”. (Suma Teológica, IªIIª, q.108, a.4. resp).
Nesta mesma resposta da Suma, informa-nos Santo Tomás que os bens deste mundo são de três tipos: uns pertencem à concupiscência dos olhos e são as riquezas; outros, à concupiscência da carne e são os prazeres; e os terceiros à soberba da vida, e são as honrarias humanas. E é justamente para contrapor-se a essas três concupiscências que, de acordo com o Aquinate, o religioso faz os votos de:
Pobreza (contra a concupiscência dos olhos)
Castidade (contra a concupiscência da carne)
Obediência (contra a soberba da vida)
Tão visão nos aponta que a vida religiosa é, em si, muito superior à vida leiga, pois não aplica apenas os preceitos evangélicos (válidos para todos os homens), mas busca também obedecer estritamente aos conselhos evangélicos, direcionados às almas mais perfeitas no seguimento de Nosso Senhor. Vale ressalvar que a vida religiosa é superior quanto aos meios, dado que o fim último é para todos. E superior porque os negotia saecularia são, comumente, um impedimento para a consecução do fim último para o qual Deus nos criou: a bem-aventurança perfeita. Daí a importância — e às vezes a absoluta necessidade! — de desprezá-los. Eis aí a descrição do que seja o desprezo do mundo: usar dos meios para gozar com o fim. Se se inverte esta ordem, cai-se formalmente em pecado.
Não há como crescer espiritual ou moralmente se se está apegado às coisas mundanas. Para Santo Tomás, o desprezo do mundo (contemptus mundi) é precondição para o pleno desenvolvimento das duas potências superiores da alma humana: a inteligência e a vontade. Uma das premissas do Santo é muito simples, e vale para homens de todos os tempos: se não nos servirmos das coisas do mundo como intermediárias em relação à bem-aventurança perfeita, elas tornar-se-ão formalmente um empecilho para que alcancemos a pátria celeste. Diz o Aquinate:
“O homem encontra-se entre as realidades deste mundo e os bens espirituais em que consiste a eterna bem-aventurança, de tal modo que, quanto mais se incline a um deles, mais se afasta do outro (...) Quem se apega às coisas deste mundo fazendo delas o fim da existência, a razão e a regra de seus [próprios] atos, afasta-se totalmente dos bens espirituais. (...) No entanto, para atingir esse fim não é necessário renunciar totalmente ao mundo, porque se pode chegar à bem-aventurança fazendo uso dos bens terrestres, [mas] com a condição de não fazer destes o fim [da existência]”. (Suma Teológica, IªIIª, q.108, a.4. resp).
Nesta mesma resposta da Suma, informa-nos Santo Tomás que os bens deste mundo são de três tipos: uns pertencem à concupiscência dos olhos e são as riquezas; outros, à concupiscência da carne e são os prazeres; e os terceiros à soberba da vida, e são as honrarias humanas. E é justamente para contrapor-se a essas três concupiscências que, de acordo com o Aquinate, o religioso faz os votos de:
Pobreza (contra a concupiscência dos olhos)
Castidade (contra a concupiscência da carne)
Obediência (contra a soberba da vida)
Tão visão nos aponta que a vida religiosa é, em si, muito superior à vida leiga, pois não aplica apenas os preceitos evangélicos (válidos para todos os homens), mas busca também obedecer estritamente aos conselhos evangélicos, direcionados às almas mais perfeitas no seguimento de Nosso Senhor. Vale ressalvar que a vida religiosa é superior quanto aos meios, dado que o fim último é para todos. E superior porque os negotia saecularia são, comumente, um impedimento para a consecução do fim último para o qual Deus nos criou: a bem-aventurança perfeita. Daí a importância — e às vezes a absoluta necessidade! — de desprezá-los. Eis aí a descrição do que seja o desprezo do mundo: usar dos meios para gozar com o fim. Se se inverte esta ordem, cai-se formalmente em pecado.
Na prática, sem o desprezo do mundo (no sentido acima descrito), o acesso do homem às verdades — das mais comezinhas às mais abstratas — será em inúmeras ocasiões obstado. Sem o desprezo do mundo, o homem cedo ou tarde cairá nos chamados respeitos humanos, e, para não desagradar a pessoas ou instituições, defraudará a verdade e obscurecerá a luz natural da mente. Querem um exemplo? Alguém que elogia ou critica os outros apenas na medida em que ajudam ou atrapalham aos seus próprios interesses ou aos do grupo a que serve. Ora, isto não é desprezar os valores do mundo, mas colocá-los acima da verdade objetiva. Por fim, sem o desprezo do mundo não há perfeita vida de oração e muito menos verdadeira oblação.
Pois bem, a interpretação que faz Jean-Pierre Torrel em seu Saint Thomas D’Aquin, maître spirituel (agora publicado no Brasil pela Loyola, numa bem cuidada edição), no trecho dedicado ao contemptus mundi, nos parece forçada — a começar pela sugestiva interrogação no título do capítulo: “Desprezo do mundo?”. No decorrer dessas páginas, Torrel chega a afirmar a “autonomia” da realidade criada (sic), e também a dizer que Santo Tomás faz uma avaliação “plenamente positiva” do mundo (sic). Para Torrel, da desconfiança do Angélico em relação às atividades seculares “não se pode fazer um juízo unilateral”. Nestas e noutras passagens, ele nos conduz a uma interpretação demasiado benevolente quanto aos valores do mundo, que não são outros senão os valores seculares — o que pode induzir o leitor desavisado à equivocada idéia de paralelismo entre vida laica e vida religiosa. Afinal, como dizia Servais Pinckaers, se eliminássemos a superioridade intrínseca da vida religiosa (como meio mais adequado e perfeito para conduzir-nos ao céu), por que razão alguém quereria tornar-se religioso? Sim, pois se a vida leiga está no mesmo plano que a religiosa e exige sacrifícios tão menores... por que alguém escolheria ser monge ou freira?
Da premissa de que as atividades das quais os monges se abstêm com os seus votos são, em si mesmas, lícitas, Torrel deduz que a sabedoria do mundo não pode ser reduzida a um simples meio. E todas as ocasiões em que, neste capítulo, ele cita alguma passagem mais dura de Santo Tomás com relação ao ponto em questão, afirma tratar-se de uma visão “do seu tempo” — dando-nos com isto a entender que não serve para o nosso tempo, embora diga, aqui ali, que tudo deve ser apreciado em função do fim, segundo o Doutor Comum.
Com todo o respeito a Torrel — conhecido estudioso da obra tomista e coordenador da edição francesa da Suma* —, a sua interpretação neste ponto beira o temerário. Entre outras coisas, porque o leva a enfatizar alguns bens terrestres que valem ser perseguidos “por si mesmos” (como a amizade, a fundação de uma família e conseqüente educação dos filhos, a manutenção da paz entre as nações, etc.), sem matizar as precondições para que tais bens se tornem de fato meios em relação ao fim último. Ora, não nos devemos esquecer de que há uma paz mundana (a qual nada tem a ver com a Pax Christi) que mata a alma, pois impugna a verdade por causa dos respeitos humanos; há uma amizade mundana da qual devemos fugir, se almejamos realmente a salvação, pois nos fixa nas coisas efêmeras de forma apaixonada; e por fim há uma educação altamente daninha, porque não é orientada aos valores primordiais.
* A minha querida amiga Milena, da Livraria Leonardo da Vinci, no Centro do Rio (tel. 21 2533 2237), informa-me que tem La Somme de Théologie de Saint Thomas coordenada por Torrel (em dois belos e copiosíssimos volumes em capa dura) à venda em sua loja. Para quem pode, vale a pena adquirir!!
Em tempo: Torrel enfatiza ser nosso dever "humanizar a terra" (cf. Sb., IX, 2-3). Ao que vale responder: não há como fazer isto sem antes "divinizar o homem" — alimentando-o com o Evangelho, que é a verdade divina revelada. O nosso mundo já está por demais mundanizado (perdoem-me a expressão redundante). Portanto, não melhora em nada a situação pôr o foco nas coisas terrestres sem subordiná-las necessariamente às divinas, sobretudo em se tratado de interpretação de textos do Doutor Comum da Igreja. A laicização do mundo não precisa que coloquemos mais lenha em sua (ínfera) fogueira...