Sidney Silveira
Muito talento com a escrita e nenhum com as idéias, se as tomamos em seu sentido filosófico mais elevado: como “afecções da alma” em contato com os entes reais — conforme afirma lindamente Aristóteles no Peri Hermeneias. Um lampejo poético numa frase ou noutra, períodos construídos de forma artesanal, histórias muito bem urdidas, uma imaginação fértil, domínio perfeito da técnica da escrita, personagens compostos com mestria — tudo isso plasmado em um universo onírico no qual se mesclam, de forma sedutora, sarcasmo e surrealismo. Este é o Prêmio Nobel de Literatura José Saramago, a prova viva de que a arte, se não serve à verdade e aos demais transcendentais do Ser, se não alcança os arquétipos da condição humana, não serve para nada. É lixo não-reciclável. Ou melhor, serve ao erro, e dela podemos dizer o que dizia o notável teólogo Garrigou-Lagrange das más filosofias: a alma de suas doutrinas é o erro, pois, sendo o fundamento delas falso, acaba por corromper todas as verdades parciais que o sistema parecia, a princípio, comportar.
Muito talento com a escrita e nenhum com as idéias, se as tomamos em seu sentido filosófico mais elevado: como “afecções da alma” em contato com os entes reais — conforme afirma lindamente Aristóteles no Peri Hermeneias. Um lampejo poético numa frase ou noutra, períodos construídos de forma artesanal, histórias muito bem urdidas, uma imaginação fértil, domínio perfeito da técnica da escrita, personagens compostos com mestria — tudo isso plasmado em um universo onírico no qual se mesclam, de forma sedutora, sarcasmo e surrealismo. Este é o Prêmio Nobel de Literatura José Saramago, a prova viva de que a arte, se não serve à verdade e aos demais transcendentais do Ser, se não alcança os arquétipos da condição humana, não serve para nada. É lixo não-reciclável. Ou melhor, serve ao erro, e dela podemos dizer o que dizia o notável teólogo Garrigou-Lagrange das más filosofias: a alma de suas doutrinas é o erro, pois, sendo o fundamento delas falso, acaba por corromper todas as verdades parciais que o sistema parecia, a princípio, comportar.
A propósito, há, na minha biblioteca, inúmeros livros remanescentes de uma época em que eu me importava com literatura, com literatos e literatices. Escaparam do expurgo e hoje são ruínas de um passado que representa a minha infância intelectual e, sobretudo, psicológica. Entre eles estão os de José Saramago, de quem posso dizer que li quase tudo; digo quase porque, a certa altura, o que a meus olhos figurava como coisa reluzente, conforme o tempo passava e os estudos avançavam mostrou ser uma bobagem sem tamanho, composta com alguma engenhosidade. E o artista, pura e simplesmente um tolo apaixonado pelo que pensa serem as suas idéias.
Não é o propósito deste breve texto fazer uma análise do materialismo tosco que permeia a visão de mundo e a obra escrita de José Saramago. Ele não é coisa séria que se consiga sustentar numa disputatio sem se cair na mais acabrunhante ridiculez. Como dizia Chesterton, o materialista é alguém que usa o espírito para dizer que só existe a matéria. E o comunista — seja ou não escritor — é, na prática, a encarnação desse imbecil arquetípico, emparedado em sua pungente imanência como uma espécie de pássaro que possui asas com grande autonomia de vôo, mas, contrariando a própria natureza alada, não aprendeu a usá-las, ou simplesmente recusa-se a fazê-lo. O meu propósito é outro: fazer uma alusão à ignorância e à má-fé do escritor português ao criticar a Igreja. Refiro-me, particularmente, à última dessas “críticas” (concedamos, por analogia, que o seja), feita ontem em Roma.
Disse Saramago nesta ocasião que o Papa Bento XVI é um cínico, e que a “insolência reacionária” da Igreja precisa ser combatida pela “insolência da inteligência viva”, que presumivelmente ele crê encarnar. E mais, entre outras coisas: “Que Ratzinger tenha a coragem de invocar a Deus para reforçar o seu neomedievalismo universal, um Deus que ele jamais viu, com o qual nunca se sentou para tomar um café, mostra apenas o seu absoluto cinismo intelectual”.
Pois bem. Antes de tudo, deve-se dizer que foi por essa atitude anti-Igreja que Saramago angariou a fama mundial que possui. O seu blasfemo livro “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” foi que o alçou aos píncaros da glória humana e fez dele um escritor conhecido — em Portugal e fora dele. Aliás, o mesmo sucedeu com Voltaire, Rousseau, Nietzsche e tantos outros próceres da cultura moderna, todos de triste fim (pessoal, moral e “filosófico”), que se fizeram na vida à sombra da grandeza da Igreja, não sem um senso de oportunismo típico de quem busca a fama. Mas esta é uma outra história.
A ignorância monumental de Saramago anda pari passu com a sua má-fé. Embora opine sobre um monte de coisas, nunca deparou o nosso escritor com um problema gnosiológico ou metafísico, como dá mostras inequívocas em seus escritos e entrevistas. O que é o ser, o que é conhecer, qual o alcance da linguagem como veículo do pensamento, o que é a verdade, que tipo de potência há nos entes compostos de matéria e forma, se Deus existe, etc., são temas cujo estudo requer uma dedicação integral, e que os espíritos superficiais com pretensões artísticas (caso de Saramago) jamais poderão alcançar — a menos que mudem a postura inicial que os faz engendrar as idéias a partir de erros fundamentais. E, como diz Santo Tomás de Aquino, citando a Aristóteles, parvus error in principio magnus est in fine.
A sua cultura filosófica é de um verniz gasto, talvez proveniente da leitura de orelhas de um ou outro livro de autores de menor estatura. O leitmotiv de sua obra é uma mescla de empirismo, fatalismo e raso ceticismo.
> Empirismo, dado o fundo materialista de todas as suas histórias. Para não perder tempo, basta tomar como exemplo o péssimo livro A Caverna, em que a grandiosa alegoria do livro VII da República de Platão se transforma numa coisa de uma palermice sem igual, e de um final surpreendentemente ruim, comparado a outros livros de Saramago; e também o primeiro dos seus romances: Levantado do Chão, uma quimérica paródia marxista;
> Fatalismo, em virtude dessa cosmovisão na qual as coisas carecem de um sentido fundamental. Ao homem não resta outra coisa senão ser um joguete, a vítima de uma pendular luta de interesses (entre “fortes” e “fracos”, entre “exploradores” e “explorados”), ou simplesmente um andarilho cuja vida transcorre sob a égide do acaso, como por exemplo a personagem da mulher do médico, no Ensaio Sobre a Cegueira. Não à-toa, Saramago certa vez escreveu que “a maior tragédia é não saber o que fazer com a vida”. É natural que não saiba o que fazer com a sua, além de viver os dias na superfície pegajosa do próprio sucesso literário;
> Ceticismo, o que decorre dessa recusa consciente e voluntária de enfrentar o problema da existência de Deus em toda a sua amplitude, problema esse que Xavier Zubiri (filósofo que noutra época seria incluído no Index Librorum Prohibitorum*, mas que tinha alguns insights isolados) dizia ser o problema dos problemas — de tal forma que delineia a própria condição humana. Afirmava Zubiri, talvez influenciado por Heidegger**, de cujo convívio privou, que a existência de Deus é o mais universal dos problemas, pois a ele todos, sem exceção, damos uma resposta (inclusive Saramago): somos ou ateus, ou agnósticos ou deístas.
> Fatalismo, em virtude dessa cosmovisão na qual as coisas carecem de um sentido fundamental. Ao homem não resta outra coisa senão ser um joguete, a vítima de uma pendular luta de interesses (entre “fortes” e “fracos”, entre “exploradores” e “explorados”), ou simplesmente um andarilho cuja vida transcorre sob a égide do acaso, como por exemplo a personagem da mulher do médico, no Ensaio Sobre a Cegueira. Não à-toa, Saramago certa vez escreveu que “a maior tragédia é não saber o que fazer com a vida”. É natural que não saiba o que fazer com a sua, além de viver os dias na superfície pegajosa do próprio sucesso literário;
> Ceticismo, o que decorre dessa recusa consciente e voluntária de enfrentar o problema da existência de Deus em toda a sua amplitude, problema esse que Xavier Zubiri (filósofo que noutra época seria incluído no Index Librorum Prohibitorum*, mas que tinha alguns insights isolados) dizia ser o problema dos problemas — de tal forma que delineia a própria condição humana. Afirmava Zubiri, talvez influenciado por Heidegger**, de cujo convívio privou, que a existência de Deus é o mais universal dos problemas, pois a ele todos, sem exceção, damos uma resposta (inclusive Saramago): somos ou ateus, ou agnósticos ou deístas.
Os resquícios civilizacionais do mundo contemporâneo em naufrágio, devemo-los todos à Igreja, sem nenhuma exceção. À sublime doutrina do Evangelho. À obra de gigantes do pensamento e de santos extraordinários. A instituições que se criaram à luz da fé, como os mosteiros medievais e as universidades, que são a primeira experiência de ensino não esotérico da história — e são obra da Idade Média cristã. Mas Saramago desconhece tudo isso, provavelmente devido à atrofia da sua formação. A qual pode servir-lhe de atenuante para as bobagens que diz e escreve.
O fato é que as palavras de Saramago dirigidas ontem ao Papa Bento XVI e à Igreja são de uma superficialidade semelhante à de suas idéias. Por elas ele merece o Prêmio Nobel da Tolice. Que Deus se apiede de sua alma. Rezemos um terço na intenção de que se converta e encontre a Misericórdia divina.
* De Zubiri nos ocuparemos noutra ocasião.
** Dizia Heidegger que a pergunta das perguntas filosóficas, por excelência, é esta: “Por que há o ente e não o nada?”.
Em tempo: Veja-se que em momento algum se disse aqui que Saramago não tenha talento como escritor. Mas de que serve esse talento, se não é utilizado para escrutinar a verdade, que nos liberta para agirmos como verdadeiros seres humanos? Ele e todos nós um dia vamos nos deparar com a pergunta do Senhor: "Que fizeste com os talentos que te dei?". Kyrie Eleyson.