Sidney Silveira
Duas coisas mostrou o Nougué em seu último e estupendo artigo:
1ª) Toda QUIMERA é produto de uma ideologia.
2ª) Toda IDEOLOGIA nasce de uma radical negação da realidade.
E acrescento eu: o liberalismo é uma das ideologias mais quiméricas que há, pois não apenas inverte as relações causais no plano político-econômico, como também se demonstrou nos textos anteriores — mas o faz em razão da orgulhosa recusa de qualquer autoridade exterior que está na base de todos os tipos de liberalismo. Atitude de desobediência, do diabólico non serviam. E trata-se de uma desobediência que não é fruto de fraquezas ou ignorância, mas de uma negação consciente, sistematizada, teorizada e (o que é pior) difundida de forma bastante sedutora — com promessas de liberdade para incautos que caem na rede.
Vejamos hoje mais um de seus filhos: o ANARQUISMO. Ora, lembram-se do que diziam os anarquistas do século XIX? Nada menos do que o seguinte: o homem deve adotar uma radical atitude antiautoritária, repudiar qualquer tipo de hierarquia “imposta” e qualquer tipo de domínio de uma pessoa ou grupo de pessoas sobre os demais. Mudemos o ponto de observação e ponhamos isto noutras palavras: desobedeça ao seu pai, desobedeça ao seu professor, desobedeça ao policial, desobedeça à autoridade legitimamente constituída e, trocando em miúdos, desobedeça a tudo o que quiserem lhe “impor” (a propósito, é do anarquista Henry David Thoreau o “clássico” Desobediência Civil). Obedeça apenas às suas necessidades e à sua própria consciência. Alguém dirá: exagero, exagero... Ah é? Então vamos lá. Mas, por favor, sem nos estendermos por demais, porque a coisa é tediosa.
Defendiam os anarquistas de diferentes matizes um organismo social baseado na “igualdade” e no supremo valor da “liberdade” (eis as palavrinhas mágicas dos liberais revolucionários de novo!). Um dos slogans dessa teoria política foi hasteado pela bandeira do federalismo libertário (alguma semelhança com a idéia de uma ordem "livre”?). De acordo com Kropotkin — um de seus mais quiméricos ideólogos —, o federalismo libertário deita raízes na tese de que o homem deve dar plena satisfação a TODAS as suas "necessidades". Só isso! O federalismo libertário não admite relações de submissão, pois, se o homem se submeter a algo exterior à sua consciência, defraudará a radical “liberdade” que o constitui (pus a palavra entre aspas porque já se mostrou à exaustão, neste espaço, que o liberalismo e todas as teorias que dele provêm sequer imaginam o que seja propriamente a liberdade humana, pois a concebem apenas no plano político).
Quando instados a responder à objeção de que, partindo de tal base teórica, a sociedade cairia na mais caótica anomia (ou seja, na absoluta ausência de normas), os anarquistas de ontem e de hoje em geral se saem com uma pérola: “Você não entendeu, meu caro. Eu disse que é possível, sim, haver governo, e eu mesmo admito que haja um, mas o melhor seria que não houvesse nenhum”. O que responder a um cabeça-oca irresponsável como esse?
Admitem os anarquistas alguma fé? Sim, desde que não seja institucionalizada, mas fruto do subjetivismo individual, da consciência que sozinha busca a Deus. Daí o anticlericalismo que, em geral, encontramos nos seus principais ideólogos (não há como tratar, neste reduzido espaço, da arraia-miúda). Anticlericalismo, na verdade, herdado do protoliberalismo.
Outra coisa: que alguns anarquistas, como Proudhoun, se digam “antiliberais”, e se alinhem entre os simpáticos a algumas formas de socialismo, deve-se antes de tudo à sua recusa em contemplar o radical fundamento da própria doutrina (lembram-se do artigo sobre a cegueira da mente?). Quimérico como os demais difusores da doutrina, Proudhon só consegue vislumbrar os malefícios da organização econômica liberal — o que demonstra o materialismo em que soçobravam as suas idéias. Mas as causas fundamentais de tal organização escapam-lhe, tristemente.
Para o anarquista, o mundo é uma idéia. O mundo é como uma idéia. É a sua idéia. E ai de quem o tentar corrigir! Até porque ninguém, de acordo com o seu parecer, teria tal “direito”. Quiséramos nós adverti-lo de que, para defender essa postura, em boa parte das ocasiões de sua própria vida só lhe restará o cinismo, a obstinada recusa em ver as coisas como são.
Para os anarco-liberais, o melhor — o ideal! — seria cada indivíduo refazer, por si mesmo, toda a moral (já que toda moral “extrínseca” dá-lhes engulhos). Mas como isto é formalmente impossível, há entre eles quem pregue que a moral seja apenas para a massa, mas não para os “iluminados” — entre os quais geralmente se incluem os mesmos propugnadores da teoria, a quem tudo seria permitido. Realmente...
Duas coisas mostrou o Nougué em seu último e estupendo artigo:
1ª) Toda QUIMERA é produto de uma ideologia.
2ª) Toda IDEOLOGIA nasce de uma radical negação da realidade.
E acrescento eu: o liberalismo é uma das ideologias mais quiméricas que há, pois não apenas inverte as relações causais no plano político-econômico, como também se demonstrou nos textos anteriores — mas o faz em razão da orgulhosa recusa de qualquer autoridade exterior que está na base de todos os tipos de liberalismo. Atitude de desobediência, do diabólico non serviam. E trata-se de uma desobediência que não é fruto de fraquezas ou ignorância, mas de uma negação consciente, sistematizada, teorizada e (o que é pior) difundida de forma bastante sedutora — com promessas de liberdade para incautos que caem na rede.
Vejamos hoje mais um de seus filhos: o ANARQUISMO. Ora, lembram-se do que diziam os anarquistas do século XIX? Nada menos do que o seguinte: o homem deve adotar uma radical atitude antiautoritária, repudiar qualquer tipo de hierarquia “imposta” e qualquer tipo de domínio de uma pessoa ou grupo de pessoas sobre os demais. Mudemos o ponto de observação e ponhamos isto noutras palavras: desobedeça ao seu pai, desobedeça ao seu professor, desobedeça ao policial, desobedeça à autoridade legitimamente constituída e, trocando em miúdos, desobedeça a tudo o que quiserem lhe “impor” (a propósito, é do anarquista Henry David Thoreau o “clássico” Desobediência Civil). Obedeça apenas às suas necessidades e à sua própria consciência. Alguém dirá: exagero, exagero... Ah é? Então vamos lá. Mas, por favor, sem nos estendermos por demais, porque a coisa é tediosa.
Defendiam os anarquistas de diferentes matizes um organismo social baseado na “igualdade” e no supremo valor da “liberdade” (eis as palavrinhas mágicas dos liberais revolucionários de novo!). Um dos slogans dessa teoria política foi hasteado pela bandeira do federalismo libertário (alguma semelhança com a idéia de uma ordem "livre”?). De acordo com Kropotkin — um de seus mais quiméricos ideólogos —, o federalismo libertário deita raízes na tese de que o homem deve dar plena satisfação a TODAS as suas "necessidades". Só isso! O federalismo libertário não admite relações de submissão, pois, se o homem se submeter a algo exterior à sua consciência, defraudará a radical “liberdade” que o constitui (pus a palavra entre aspas porque já se mostrou à exaustão, neste espaço, que o liberalismo e todas as teorias que dele provêm sequer imaginam o que seja propriamente a liberdade humana, pois a concebem apenas no plano político).
Quando instados a responder à objeção de que, partindo de tal base teórica, a sociedade cairia na mais caótica anomia (ou seja, na absoluta ausência de normas), os anarquistas de ontem e de hoje em geral se saem com uma pérola: “Você não entendeu, meu caro. Eu disse que é possível, sim, haver governo, e eu mesmo admito que haja um, mas o melhor seria que não houvesse nenhum”. O que responder a um cabeça-oca irresponsável como esse?
Admitem os anarquistas alguma fé? Sim, desde que não seja institucionalizada, mas fruto do subjetivismo individual, da consciência que sozinha busca a Deus. Daí o anticlericalismo que, em geral, encontramos nos seus principais ideólogos (não há como tratar, neste reduzido espaço, da arraia-miúda). Anticlericalismo, na verdade, herdado do protoliberalismo.
Outra coisa: que alguns anarquistas, como Proudhoun, se digam “antiliberais”, e se alinhem entre os simpáticos a algumas formas de socialismo, deve-se antes de tudo à sua recusa em contemplar o radical fundamento da própria doutrina (lembram-se do artigo sobre a cegueira da mente?). Quimérico como os demais difusores da doutrina, Proudhon só consegue vislumbrar os malefícios da organização econômica liberal — o que demonstra o materialismo em que soçobravam as suas idéias. Mas as causas fundamentais de tal organização escapam-lhe, tristemente.
Para o anarquista, o mundo é uma idéia. O mundo é como uma idéia. É a sua idéia. E ai de quem o tentar corrigir! Até porque ninguém, de acordo com o seu parecer, teria tal “direito”. Quiséramos nós adverti-lo de que, para defender essa postura, em boa parte das ocasiões de sua própria vida só lhe restará o cinismo, a obstinada recusa em ver as coisas como são.
Para os anarco-liberais, o melhor — o ideal! — seria cada indivíduo refazer, por si mesmo, toda a moral (já que toda moral “extrínseca” dá-lhes engulhos). Mas como isto é formalmente impossível, há entre eles quem pregue que a moral seja apenas para a massa, mas não para os “iluminados” — entre os quais geralmente se incluem os mesmos propugnadores da teoria, a quem tudo seria permitido. Realmente...