Sidney Silveira
A propósito de o liberalismo (político ou econômico) ser baseado, fundamentalmente, em um pensamento mágico — como bem frisou o Nougué —, seja porque inverte as relações causais ou busca-as não em evidências, mas em idéias preconcebidas, seja porque adota posturas quiméricas absolutamente irresponsáveis, vale dizer que isto é facilmente identificável nas próprias sementes que os liberais semeiam, aqui e ali. Na quase absoluta maioria dos casos, os autores que eles apreciam e difundem são tão irrealistas quanto eles mesmos, seja em gnosiologia, seja em política, seja em teoria econômica, seja em psicologia, seja em sociologia — neste caso, tendo como base numa antropologia ao rés-do-chão —, etc.
A propósito de o liberalismo (político ou econômico) ser baseado, fundamentalmente, em um pensamento mágico — como bem frisou o Nougué —, seja porque inverte as relações causais ou busca-as não em evidências, mas em idéias preconcebidas, seja porque adota posturas quiméricas absolutamente irresponsáveis, vale dizer que isto é facilmente identificável nas próprias sementes que os liberais semeiam, aqui e ali. Na quase absoluta maioria dos casos, os autores que eles apreciam e difundem são tão irrealistas quanto eles mesmos, seja em gnosiologia, seja em política, seja em teoria econômica, seja em psicologia, seja em sociologia — neste caso, tendo como base numa antropologia ao rés-do-chão —, etc.
Exemplos? Eis o primeiro deles, de uma série por vir:
René Girard. Tese: o bode expiatório. Premissa fundamental: o desejo mimético. Resumo sintético da teoria: O homem, quando deseja algo, não o deseja em virtude de um bem intrínseco ao objeto desejado, apetecido naturalmente pela vontade (pobre e ingênuo Santo Tomás! Supor que só o bem é motor dos desejos humanos; supor que há uma conaturalidade entre a vontade e o bem, posta no coração dos homens por Deus Pai...). Não! Tudo o que o homem deseja, deseja-o como imitação invejosa de um bem — material ou espiritual — pertencente a outrem. Ou melhor: deseja PORQUE pertence a outrem e é também objeto dos desejos de outras pessoas. Assim, essas invejas fundamentais contrapostas umas às outras — e crescentemente multiplicadas no decorrer dos tempos — chegam a um nível tal que, em dado momento, a discórdia e a violência universal de todos contra todos só poderá ser suspensa pela eleição de um bode expiatório a ser sacrificado — o qual aplacará o ódio coletivo. "Provas" apresentadas para essa tese de “psicologia” (de que a vontade [ou o desejo] é movida pela inveja): a pura e simples interpretação de mitologias antigas e da Sagrada Escritura, com apresentação de alguns dados estatísticos (na verdade, interpretados de forma a amoldar-se à própria tese, numa estupenda e cristalina petitio principiis, que, para quem não sabe, é a atitude de considerar uma tese como verdade líquida e certa a partir da simples formulação dela, ou seja, fazer das premissas a conclusão).
Pois bem, se a teoria de Girard está certa, o amor é formal e absolutamente impossível, e não somente o amor ao próximo enquanto semelhante, mas principalmente o amor a Deus — que, sendo o Bem supremo que se possui a Si mesmo desde a Eternidade, seria por isso mesmo o sumo invejado por qualquer criatura dotada de inteligência. Ora, esta não é senão a atitude de Lúficer: não o amor (virtude unitiva) a Deus pela bondade intrínseca deste, mas a inveja por ser Ele a inesgotável superabundância de bens, eterno, Ato Puro.
Do ponto de vista simplesmente intelectual, é um mistério tal tese ter recebido o mínimo crédito, na medida em que contraria todas as evidências — as quais apontam que a operação da vontade é a resposta consciente do espírito ante as coisas entendidas como boas, ou seja: queremo-las simplesmente PORQUE SÃO BOAS; é tão-somente por portarem um quantum de bem que são amadas e desejadas por nós. Desde pequeninos experimentamos isto, até ao pedir a mamadeira para a mamãe com um gugu-dadá. Só se explica tal “credibilidade” da tese do autor francês pela forma organizada e repetitiva com que liberais de diferentes países reiteram à exaustão que Girard é o máximo. Ora, como sabemos, uma mentira ou um erro repetidos insistentemente se transformam em "verdade" aos olhos da maioria desatenta...
Não dá para expor aqui, amiúde, a diferença entre o que são, para Santo Tomás, a voluntas ut natura (o querer algo simplesmente porque é bom) e a voluntas ut ratio (o querer algo pela razão de ser o intermediário necessário para a posse de um outro bem). Fica para outra ocasião esta belíssima, fundamentada e concatenada exposição do Aquinate sobre os modos de operação do nosso querer.
Apenas vale consignar o ensinamento do Santo Doutor — absolutamente realista e baseado na mais alta antropologia, com base metafísica — a respeito das causas que nos levam a desejar algo: 1ª) o bem; 2ª) a semelhança; e 3ª) o conhecimento. E os efeitos: 1º) a união ou mútua “inesão” (depois explico); 2º) o esquecimento de si (quando naturalmente desejamos, ou seja, sem estar no estado patológico que Girard quer fazer-nos crer que move os nossos desejos, o outro é mais importante do que nós mesmos*, e desejamos não o que ele tem ou o que ele é, mas desejamos doar-lhe ainda mais, doar-nos a nós mesmos numa entrega amorosa); 3º) e o obrar voluntário (ou seja: o amor é um ato libérrimo, o mais livre que a criatura humana pode praticar, e justamente para ele ela foi criada. O obrar voluntário é o desejo movido excelentemente pelo amor).
Algum liberal pode imaginar, a esta altura, que desejei escrever este artigo porque invejo o Girard, porque o desejo mimético me impeliu a tanto (do mesmo modo que os psicanalistas costumam dizer que só uma pessoa analisada pode criticar a análise). A estes respondo: mesmo que quisesse, eu não poderia invejá-lo, pois detesto autores de teses obscuras, errôneas, conducentes a visões deturpadas da realidade... Será que vocês acreditariam que é simplesmente por amor à verdade (oh, crime!), e sobretudo à Verdade que é Cristo, da qual todas as teorias errôneas nos afastam, que desejamos escrever, eu e o Nougué — e continuaremos a desejar — , todos os textos deste blog?
* No caso de Girard, o outro também pode ser considerado mais importante do que nós, mas não como alguém a ser servido amorosamente, e sim invejado e, por esta razão, imitado — o que é muito, mas muito diferente. No primeiro caso, trata-se de uma PERSONALIDADE QUE SE AFIRMA NA ENTREGA AMOROSA, reconhece o outro como diferente e o deseja simplesmente pelo que é, abrasando-se no amor, no êxtase da entrega; no segundo caso, trata-se de uma PERSONALIDADE QUE SE NEGA E SE ANULA PELA INVEJA que a faz querer ser como o objeto invejado, na presunção de que, com isto, será igualmente invejada, ou seja: transformar-se-á também em objeto do desejo de outras pessoas. Virgem Santa! A inveja, vício capital, torna-se nesta teoria o motor das vontades humanas...