Sidney Silveira
(continuação de: 1- A psicologia da ação humana)
No último texto desta série, vimos que o intelecto não se subordina às necessidades biológicas, assim como o fato de que as operações imateriais do intelecto representam o grau mais elevado da ação humana. E ainda: o alcance da operação cognoscitiva humana transcende a matéria captada pelas potências sensitivas.
Continuaremos a seguir de perto a Martín Echavarría, cujo livro La praxis de la psicología y sus niveles epistemológicos según Santo Tomás, como já se disse, é simplesmente magistral.
B. Integração de sensação e razão.
1- O intelecto como centro da personalidade. O intelecto é a faculdade que, literalmente, governa a nossa personalidade, pois todas as potências sensitivas — inclusive a memória e a imaginação, que se dirigem a objetos particulares — se submetem ao intelecto, o qual se dirige ao universal, na mesma medida em que as causas particulares se subordinam às causas universais. E isto é comprovável empiricamente, pois qualquer homem pode verificar em si mesmo o influxo do pensamento universal em sua vida afetiva — tanto no movimento das paixões e de crises suscitadas por estas, como nos hábitos adquiridos que configuram o caráter.
Mas de que maneira pode o intelecto ter um lugar central na configuração do caráter? Justamente porque o intelecto capta a razão de fim, que contém em si todos os fins particulares a serem ordenados à ação que visa ao fim universal (por exemplo: para construir um prédio, o engenheiro subordina várias ações intermediárias à consecução do fim último, que é concluir a edificação da forma como ele a projetou). Por isto, diz Echavarría que o intelecto é o princípio estruturante e o ponto de referência operativo do homem. Vemos assim que não há paralelismo entre sentir e entender, embora muitas vezes estas duas formas de apreensão das coisas aconteçam simultaneamente. Isto porque, muito antes de Husserl, Santo Tomás já havia sublinhado a intencionalidade da intelecção, o que a distingue do apetite natural sensitivo.
Santo Tomás concebe o homem como um todo unitário, e nesta visão certamente a afetividade sensitiva está integrada à personalidade humana — com um papel importante, sim, mas subsidiário. Isto porque o homem, no que diz respeito ao seu caráter, pode ir além do temperamento que a sua constituição psicofísica lhe imponha, porque os apetites sensitivos são governáveis pela razão universal. Assim, um homem que tenha forte inclinação física para a satisfação do prazer sexual pode conter essa tendência graças à razão universal alcançada pelo intelecto, que lhe diz que, em várias ocasiões, não é correto dar vazão a essas apetências. Sendo assim, quanto mais perfeitamente o intelecto captar a razão de fim, melhor poderá manter as apetências sensitivas sob o seu império. Por isso, se o espírito é débil ou corrompido, se segue uma maior ou menor desordem na sensibilidade; se o espírito busca a harmonia com a sensibilidade, a personalidade do homem logra então um desenvolvimento cujos frutos serão bastante visíveis no plano ético, no nível da razão prática.
A liberdade, neste horizonte, seria a liberdade de transcender os objetos particulares e alcançar a verdade universal. E isto se dá graças ao intelecto, que move a vontade apresentando a esta a forma dos bens a serem queridos; e quanto mais perfeitamente a inteligência apresentar os bens (os entes) à vontade, mais livre esta será no exercício do seu ato próprio, a escolha (voltaremos a isto noutro texto). Veja-se aqui a enorme diferença entre a psicologia tomista e a perspectiva freudiana, segundo a qual quem obra propriamente não é o eu, mas forças que transcendem a pessoa humana e, literalmente, a escravizam, ainda que ela não saiba. Daí o pai da psicanálise dizer que o ego é um escravo tiranizado por três senhores: o mundo externo, a libido do id e a severidade do superego.
Em Freud, como diz Echavarría, a mens deixa de ser o centro e princípio reitor da personalidade humana, para converter-se em títere de forças alheias ou ocultas, pelas quais o homem não vive, propriamente, mas (por assim dizer) é vivido. Ora, se a natureza humana é isto, torna-se impossível toda melhora ou aperfeiçoamento moral. Impossível toda virtude.
A propósito, no próximo texto falaremos da virtude, que para Santo Tomás é um hábito operativo bom. Na verdade, um hábito configurador da personalidade bem desenvolvida. E como se anunciou no princípio desta série, se trata de um caminho longo, com o propósito de mostrar se a ação propriamente humana, para de fato não ser corrompida, pode ou não se coadunar com uma teoria econômica que visa sobretudo à multiplicação de bens materiais.
(prossegue)
Continuaremos a seguir de perto a Martín Echavarría, cujo livro La praxis de la psicología y sus niveles epistemológicos según Santo Tomás, como já se disse, é simplesmente magistral.
B. Integração de sensação e razão.
1- O intelecto como centro da personalidade. O intelecto é a faculdade que, literalmente, governa a nossa personalidade, pois todas as potências sensitivas — inclusive a memória e a imaginação, que se dirigem a objetos particulares — se submetem ao intelecto, o qual se dirige ao universal, na mesma medida em que as causas particulares se subordinam às causas universais. E isto é comprovável empiricamente, pois qualquer homem pode verificar em si mesmo o influxo do pensamento universal em sua vida afetiva — tanto no movimento das paixões e de crises suscitadas por estas, como nos hábitos adquiridos que configuram o caráter.
Mas de que maneira pode o intelecto ter um lugar central na configuração do caráter? Justamente porque o intelecto capta a razão de fim, que contém em si todos os fins particulares a serem ordenados à ação que visa ao fim universal (por exemplo: para construir um prédio, o engenheiro subordina várias ações intermediárias à consecução do fim último, que é concluir a edificação da forma como ele a projetou). Por isto, diz Echavarría que o intelecto é o princípio estruturante e o ponto de referência operativo do homem. Vemos assim que não há paralelismo entre sentir e entender, embora muitas vezes estas duas formas de apreensão das coisas aconteçam simultaneamente. Isto porque, muito antes de Husserl, Santo Tomás já havia sublinhado a intencionalidade da intelecção, o que a distingue do apetite natural sensitivo.
Santo Tomás concebe o homem como um todo unitário, e nesta visão certamente a afetividade sensitiva está integrada à personalidade humana — com um papel importante, sim, mas subsidiário. Isto porque o homem, no que diz respeito ao seu caráter, pode ir além do temperamento que a sua constituição psicofísica lhe imponha, porque os apetites sensitivos são governáveis pela razão universal. Assim, um homem que tenha forte inclinação física para a satisfação do prazer sexual pode conter essa tendência graças à razão universal alcançada pelo intelecto, que lhe diz que, em várias ocasiões, não é correto dar vazão a essas apetências. Sendo assim, quanto mais perfeitamente o intelecto captar a razão de fim, melhor poderá manter as apetências sensitivas sob o seu império. Por isso, se o espírito é débil ou corrompido, se segue uma maior ou menor desordem na sensibilidade; se o espírito busca a harmonia com a sensibilidade, a personalidade do homem logra então um desenvolvimento cujos frutos serão bastante visíveis no plano ético, no nível da razão prática.
A liberdade, neste horizonte, seria a liberdade de transcender os objetos particulares e alcançar a verdade universal. E isto se dá graças ao intelecto, que move a vontade apresentando a esta a forma dos bens a serem queridos; e quanto mais perfeitamente a inteligência apresentar os bens (os entes) à vontade, mais livre esta será no exercício do seu ato próprio, a escolha (voltaremos a isto noutro texto). Veja-se aqui a enorme diferença entre a psicologia tomista e a perspectiva freudiana, segundo a qual quem obra propriamente não é o eu, mas forças que transcendem a pessoa humana e, literalmente, a escravizam, ainda que ela não saiba. Daí o pai da psicanálise dizer que o ego é um escravo tiranizado por três senhores: o mundo externo, a libido do id e a severidade do superego.
Em Freud, como diz Echavarría, a mens deixa de ser o centro e princípio reitor da personalidade humana, para converter-se em títere de forças alheias ou ocultas, pelas quais o homem não vive, propriamente, mas (por assim dizer) é vivido. Ora, se a natureza humana é isto, torna-se impossível toda melhora ou aperfeiçoamento moral. Impossível toda virtude.
A propósito, no próximo texto falaremos da virtude, que para Santo Tomás é um hábito operativo bom. Na verdade, um hábito configurador da personalidade bem desenvolvida. E como se anunciou no princípio desta série, se trata de um caminho longo, com o propósito de mostrar se a ação propriamente humana, para de fato não ser corrompida, pode ou não se coadunar com uma teoria econômica que visa sobretudo à multiplicação de bens materiais.
(prossegue)