terça-feira, 26 de agosto de 2008

Liberalismo e comunismo – rebentos da mesma raiz (VII)

Carlos Nougué

ESCLARECIMENTO PRÉVIO

Antes de voltarmos a estudar o estado original do homem, é preciso mostrar o erro dos teólogos que, desde o século XIX, mas particularmente a partir de meados do século passado, pretendem negar o monogenismo, ou seja, o descenderem os homens de um único casal: Adão e Eva.

Um dos expoentes de tais teólogos foi De Lubac, que defendia o poligenismo (segundo o qual o nome “Adão”, em verdade, seria uma designação da humanidade, razão por que teria havido mais de um casal na origem do gênero humano); enquanto outros teólogos, entre os quais alguns brasileiros, sustentavam que o poligenismo, pelo menos, não contrariaria a fé. Não obstante esse esforço, porém, tanto aquela posição (a de De Lubac) como esta (a mais mitigada a que acabamos de nos referir) vão não só contra o Antigo e o Novo Testamento, mas também contra o Magistério da Igreja (para não citar a obra dos Doutores católicos, especialmente a do Doutor Comum, Santo Tomás de Aquino) – ou seja, são contrárias à fé.

Deixemos pois falar a Revelação e o Magistério.

I) “E criou Deus o homem à sua imagem; criou-o à imagem de Deus, e criou-o varão e fêmea. E [...] disse: Crescei e multiplicai-vos, e enchei a Terra” (Gênesis I, 27-28).

II) “O Senhor Deus formou, pois, o homem do barro da terra, e inspirou no seu rosto um sopro de vida, e o homem tornou-se alma [pessoa] vivente” (Gênesis II, 7).

III) “Foi ela [a Sabedoria] que guardou o primeiro homem formado por Deus, para ser o pai do gênero humano, tendo sido criado único” (Sabedoria X, 1).

IV) “E de um só [homem] [Deus] fez [sair] todo o gênero humano, para que habitasse sobre toda a face da Terra” (Atos XVII, 26).

V) “Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado [original] neste mundo, e pelo pecado a morte, assim também passou a morte a todos os homens [por aquele homem] no qual todos pecaram” (Romanos V, 12).

VI) “Porque, assim como a morte [veio] por um homem, também por um homem [veio] a ressurreição dos mortos. E, assim como todos morreram em Adão, assim também todos serão vivificados em Cristo” (1 Coríntios XV, 21-22).

VII) “o primeiro homem, Adão, transgrediu o mandamento de Deus” (Concílio de Trento, sessão 5, cânon 1).

VIII)Mas, tratando-se de outra hipótese, isto é, a do poligenismo, os filhos da Igreja não gozam da mesma liberdade, pois os fiéis cristãos não podem abraçar a teoria de que depois de Adão tenha havido na terra verdadeiros homens não procedentes do mesmo protoparente por geração natural, ou, ainda, que Adão signifique o conjunto dos primeiros pais; já que não se vê claro de que modo tal afirmação pode harmonizar-se com o que as fontes da verdade revelada e os documentos do magistério da Igreja ensinam acerca do pecado original, que procede do pecado verdadeiramente cometido por um só Adão e que, transmitindo-se a todos os homens pela geração, é próprio de cada um deles” (Pio XII, Humani generis).

P.S.: Além de tudo, o próprio bom senso repugna a tese do poligenismo. Como uma multidão de casais teria cometido o mesmo pecado original? Se disto não se trata, ou seja, se apenas um dos casais o teria cometido, como então o pecado original teria sido transmitido a toda a humanidade? A não ser que se negue a veracidade tanto do pecado original como de sua transmissão a todos os homens, e então haverá negação da fé sobre negação da fé.

Adendo do Sidney: A Humani generis de Pio XII é um documento do Magistério Ordinário Infalível. Para prová-lo, vejamos o que decretou o Concílio Vaticano I acerca da infalibilidade papal: "O Romano Pontífice, quando fala ex cathedra, isto é, quando, cumprindo o seu cargo de pastor e doutor de todos os cristãos, define por sua suprema autoridade apostólica que uma doutrina sobre fé e costumes deve ser sustentada pela Igreja Universal, pela assistência divina que lhe foi prometida na pessoa do bem-aventurado Pedro goza daquela infalibilidade de que o Redentor Divino quis que estivesse provista a Igreja na definição da doutrina sobre a fé e os costumes" (Vaticano I, Constituição Dogmática Pastor Aeternus).* Assim, este documento de Pio XII que proíbe aos católicos defender o poligenismo cumpre TODAS as prerrogativas da infalibilidade magisterial: quem fala é Pedro (o Papa), a todo o universo de fiéis da Igreja (por uma Encíclica), definindo que só o monogenismo pode ser católico, na medida em que o poligenismo não pode ser aceito (ou seja: definição de doutrina [com exclusão de outras] sobre fé e costumes). E aqui relembramos — como se lê no texto do link sobre autoridade apostólica, acima — que os teólogos têm um papel importante, mas subsidiário. E se contrariam o Magistério Infalível, não só não devem ser ouvidos e seguidos, mas, para o bem da comunidade dos fiéis (e em prol da salvação das almas), devem ter os seus erros refutados publicamente.

* Romanum Pontificem, cum ex cathedra loquitur, id est, cum omnium Christianorum pastoris et doctoris munere fungens pro suprema sua Apostolica auctoritate doctrinam de fide vel moribus ab universa Ecclesia tenendam definit, per assistentiam divinam ipsi in beato Petro promissam, ea infallibilitate pollere.