Carlos Nougué
Mas note-se que o mero conhecimento dos fatos e datas históricos não é mais que um escalão preliminar do estudo histórico propriamente dito. Para que nos alcemos efetivamente a este, é preciso compreender as causas daqueles fatos e os resultados que eles produziram. De outro modo não serviria a história, como de fato serve, de elemento essencial da educação moral.
Se assim é, tudo vai depender, em história, de saberes que lhe são superiores: a filosofia e a teologia. Ora, a história é, como alguém já disse, um reservatório de onde saem numerosos canais destinados a regar e fecundar a inteligência das novas gerações segundo o conhecimento do passado. Logo, se o reservatório estiver envenenado de falsa filosofia, os canais não verterão senão veneno nas almas.
Por isso dizia no século XIX o Bispo francês Louis Delalle (e seja-nos permitido citá-lo longamente): “Tanto na ordem histórica como na ordem natural, a última palavra, a chave de abóbada da verdadeira ciência, a explicação final e a razão suprema de todos os fenômenos é Deus, Alfa e Ômega, princípio e fim dos [entes] contingentes. Tal é a conclusão que se impõe por uma soberania que não se destronará jamais — a do bom senso. Quem quer que queira subtrair-se a ela cairá, forçosamente, nas aberrações do fatalismo e do panteísmo, porque não quer ver no universo senão uma força cega inerente à matéria cósmica, fazendo-a piruetar de evolução em evolução, da molécula ao átomo, do átomo à condensação desejável, deste agregado progressivo ao surgimento da vida animal, onde a natureza começa a se sentir, e do surgimento desta sensação ao do ente inteligente, no qual a dita natureza começa a se pensar pela revelação do eu.
“Esta última fase, em que vemos o homem saído provavelmente do macaco ou do lagarto, não é ainda senão provisória, e deve dar lugar a outra, em que a natureza desarranjará talvez tudo o que ela fez, para recomeçar ainda as suas evoluções: tudo sob a influência do axioma eterno que se pronuncia no ápice luminoso do éter, como diz o filósofo Taine. Daí resulta que, segundo o filósofo Hegel, o ser [...] ainda não existe. Chega-se assim à negação de toda e qualquer verdade absoluta e da concepção mais geral do entendimento, a do Ser, porque não há mais que o devir.
“Em verdade, esta teoria não é senão a de Epicuro, completada por Espinosa e maquiada pela cor científica da sofística contemporânea. E aos homens que repisam essas loucuras os consideramos homens de ciência! E eles dizem-se os pedagogos do gênero humano! [...]
“Tal é o abismo profundo em que se debate o racionalismo com seus sistemas filosóficos e suas teorias históricas, dos quais se eliminou o elemento sobrenatural. O livre-pensamento, na impotência em que se encontra, pelo seu isolamento, de explicar o enigma da origem das coisas e a marcha do gênero humano ao longo dos séculos, é devorado pela Esfinge do ceticismo. Quando a razão humana se insurge contra Deus, que é o seu princípio, cai sob a tirania do sistema e cava o seu próprio túmulo.
“A teoria do naturalismo e do fatalismo panteístico aplicada à história não somente leva a negar, como impossíveis, os fatos da ordem sobrenatural, ou a explicá-los por hipóteses extravagantes, mas degrada a humanidade rebaixando-a ao nível de mera engrenagem que funciona no mecanismo da substância universal. Ela destrói a noção do bem e do mal moral ao negar o livre-arbítrio e a conseqüente responsabilidade; diviniza o evento, que aos seus olhos não passa de evolução irresistível da natureza; anistia todos os crimes que se cometeram e avilta todas as virtudes que sucumbiram, e não reconhece outra moralidade além do triunfo de uma força preponderante. Em suma, o homem existe apenas para esmagar e ser esmagado, sem nenhum mérito nem demérito. Ele não é mais vicioso nem mais virtuoso que o vento que sopra, que o cata-vento que gira, que o alambique que destila o veneno ou o remédio; porque tanto o mal como o bem não são mais que uma força, ou melhor, não há bem nem mal, há tão-somente forças a operar fatalmente as transformações sucessivas que compõem a trama da história do gênero humano, assim como as revoluções materiais do globo que são objeto dos estudos geológicos.
“Tal é a última palavra dessas teorias abjetas e embrutecedoras que se proclamam atuais com um cinismo revoltante, como a fórmula de uma ciência transcendente que deve destronar toda e qualquer idéia religiosa e livrar o gênero humano dos julgamentos e terrores da consciência, minando pela base a ordem moral inteira.
“À vista de tal degradação da inteligência, ou melhor, de tal cretinice, poderíamos crer-nos transportados a um asilo de loucos.
“Por esta exposição, é fácil compreender a enorme influência que a história, verdadeira ou falsa, exerce para o bem ou para o mal nas questões religiosas, filosóficas, políticas e morais, e que parte lhe cabe nos destinos futuros das novas gerações” (Carta do Bispo Louis Delalle ao Doutor Jacquinot acerca do seu opúsculo Philosophie chrétienne et théories rationalistes dans l’étude de l’histoire, apud L’Abbé Rohrbarcher, Paris, Librairie Louis Vivès, 1904, t. 1, pp. 163-164).
E a “mestra da vida” tornou-se, tristemente, em todo o mundo, mestra das mais variadas perversões e corrupções.
Mas note-se que o mero conhecimento dos fatos e datas históricos não é mais que um escalão preliminar do estudo histórico propriamente dito. Para que nos alcemos efetivamente a este, é preciso compreender as causas daqueles fatos e os resultados que eles produziram. De outro modo não serviria a história, como de fato serve, de elemento essencial da educação moral.
Se assim é, tudo vai depender, em história, de saberes que lhe são superiores: a filosofia e a teologia. Ora, a história é, como alguém já disse, um reservatório de onde saem numerosos canais destinados a regar e fecundar a inteligência das novas gerações segundo o conhecimento do passado. Logo, se o reservatório estiver envenenado de falsa filosofia, os canais não verterão senão veneno nas almas.
Por isso dizia no século XIX o Bispo francês Louis Delalle (e seja-nos permitido citá-lo longamente): “Tanto na ordem histórica como na ordem natural, a última palavra, a chave de abóbada da verdadeira ciência, a explicação final e a razão suprema de todos os fenômenos é Deus, Alfa e Ômega, princípio e fim dos [entes] contingentes. Tal é a conclusão que se impõe por uma soberania que não se destronará jamais — a do bom senso. Quem quer que queira subtrair-se a ela cairá, forçosamente, nas aberrações do fatalismo e do panteísmo, porque não quer ver no universo senão uma força cega inerente à matéria cósmica, fazendo-a piruetar de evolução em evolução, da molécula ao átomo, do átomo à condensação desejável, deste agregado progressivo ao surgimento da vida animal, onde a natureza começa a se sentir, e do surgimento desta sensação ao do ente inteligente, no qual a dita natureza começa a se pensar pela revelação do eu.
“Esta última fase, em que vemos o homem saído provavelmente do macaco ou do lagarto, não é ainda senão provisória, e deve dar lugar a outra, em que a natureza desarranjará talvez tudo o que ela fez, para recomeçar ainda as suas evoluções: tudo sob a influência do axioma eterno que se pronuncia no ápice luminoso do éter, como diz o filósofo Taine. Daí resulta que, segundo o filósofo Hegel, o ser [...] ainda não existe. Chega-se assim à negação de toda e qualquer verdade absoluta e da concepção mais geral do entendimento, a do Ser, porque não há mais que o devir.
“Em verdade, esta teoria não é senão a de Epicuro, completada por Espinosa e maquiada pela cor científica da sofística contemporânea. E aos homens que repisam essas loucuras os consideramos homens de ciência! E eles dizem-se os pedagogos do gênero humano! [...]
“Tal é o abismo profundo em que se debate o racionalismo com seus sistemas filosóficos e suas teorias históricas, dos quais se eliminou o elemento sobrenatural. O livre-pensamento, na impotência em que se encontra, pelo seu isolamento, de explicar o enigma da origem das coisas e a marcha do gênero humano ao longo dos séculos, é devorado pela Esfinge do ceticismo. Quando a razão humana se insurge contra Deus, que é o seu princípio, cai sob a tirania do sistema e cava o seu próprio túmulo.
“A teoria do naturalismo e do fatalismo panteístico aplicada à história não somente leva a negar, como impossíveis, os fatos da ordem sobrenatural, ou a explicá-los por hipóteses extravagantes, mas degrada a humanidade rebaixando-a ao nível de mera engrenagem que funciona no mecanismo da substância universal. Ela destrói a noção do bem e do mal moral ao negar o livre-arbítrio e a conseqüente responsabilidade; diviniza o evento, que aos seus olhos não passa de evolução irresistível da natureza; anistia todos os crimes que se cometeram e avilta todas as virtudes que sucumbiram, e não reconhece outra moralidade além do triunfo de uma força preponderante. Em suma, o homem existe apenas para esmagar e ser esmagado, sem nenhum mérito nem demérito. Ele não é mais vicioso nem mais virtuoso que o vento que sopra, que o cata-vento que gira, que o alambique que destila o veneno ou o remédio; porque tanto o mal como o bem não são mais que uma força, ou melhor, não há bem nem mal, há tão-somente forças a operar fatalmente as transformações sucessivas que compõem a trama da história do gênero humano, assim como as revoluções materiais do globo que são objeto dos estudos geológicos.
“Tal é a última palavra dessas teorias abjetas e embrutecedoras que se proclamam atuais com um cinismo revoltante, como a fórmula de uma ciência transcendente que deve destronar toda e qualquer idéia religiosa e livrar o gênero humano dos julgamentos e terrores da consciência, minando pela base a ordem moral inteira.
“À vista de tal degradação da inteligência, ou melhor, de tal cretinice, poderíamos crer-nos transportados a um asilo de loucos.
“Por esta exposição, é fácil compreender a enorme influência que a história, verdadeira ou falsa, exerce para o bem ou para o mal nas questões religiosas, filosóficas, políticas e morais, e que parte lhe cabe nos destinos futuros das novas gerações” (Carta do Bispo Louis Delalle ao Doutor Jacquinot acerca do seu opúsculo Philosophie chrétienne et théories rationalistes dans l’étude de l’histoire, apud L’Abbé Rohrbarcher, Paris, Librairie Louis Vivès, 1904, t. 1, pp. 163-164).
E a “mestra da vida” tornou-se, tristemente, em todo o mundo, mestra das mais variadas perversões e corrupções.