domingo, 31 de outubro de 2010

Os primeiros DVDs da série “A Síntese Tomista”

Sidney Silveira




Enfim, dentro de uma semana estarão prontos para ser enviados os primeiros dois DVDs da série A Síntese Tomista, abaixo citados, cuja breve introdução se pode ver aqui no Youtube. São eles:


I- Aspectos da Metafísica e da Gnosiologia de Santo Tomás de Aquino (1), comigo.

II- O Tempo e a Eternidade em Santo Tomás de Aquino, com o Nougué.


O primeiro deles é uma compilação de trechos de aulas ministradas em diferentes momentos e lugares, e traz o número (1) porque, ainda sobre este tema, haverá outro DVD. Os assuntos abordados nele são:


a- A verdade segundo Tomás de Aquino

b- A vontade segundo Tomás de Aquino

c- Conhecer: movimento da potência intelectiva (I)

d- Conhecer: movimento da potência intelectiva (II); Teologia Sagrada e Teologia Natural (I)

e- Conhecer: movimento da potência intelectiva (III); Teologia Sagrada e Teologia Natural (II)

f- O Primeiro Motor Imóvel de Aristóteles (I)

g- O Primeiro Motor Imóvel de Aristóteles (II)

h- O argumento ontológico de Santo Anselmo


São ao todo 2 horas de aula — alguns trechos das quais os nossos amigos já conhecem, pois foram postados no Youtube; outros são totalmente inéditos. Na verdade, quisemos aproveitar alguns vídeos anteriores aos que estão sendo agora filmados, dado que se referem à base da teoria tomista. A idéia é, ao longo dos DVDs, propiciar uma visão orgânica do conjunto da obra de Santo Tomás.


O DVD II (O Tempo e a Eternidade) traz uma palestra ministrada pelo Nougué em um seminário localizado no Sul do país.


Cada um dos DVDs custará R$ 39,00 (na venda direta).


Pedimos aos interessados que, desde já, os reservem pelo email curso@edsetimoselo.com.br, fornecendo o endereço completo (com o CEP). A propósito, ao valor dos DVDs será acrescido o frete — por envio de Sedex — de acordo com o que é estipulado pelos Correios para cada praça brasileira.



Após calcularmos o frete, responderemos ao email informando o valor total do envio dos DVDs, a ser depositado na seguinte conta-corrente (ainda não é a do Instituto, que está sendo aberta):


CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Ag. 3106

Conta Corrente: 749-0


Operação: 001




Não consideramos estes DVDs propriamente “produtos”, mas um serviço. E um serviço que visa a nos ajudar a tornar realidade os livros já prontos e que esperam edição, assim como os próximos DVDs desta série.


Estamos cobrando por este serviço o mais baixo valor a que pudemos chegar. Adquirindo-os, vocês estarão ajudando o projeto.


Saudações a todos.


quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Erros da Igreja ou da Hierarquia?

[Um amigo que leu atentamente a obra teológica do Padre Calderón A Candeia Debaixo do Alqueire indaga-me se, ao falar dos erros do Magistério Conciliar, não seria equivocado dizer “Igreja”, em vez de “Hierarquia” — como eu fiz ao referir-me à mudança na doutrina multissecular da subordinação do Estado à Igreja, ao afirmar que houve uma reviravolta... “por culpa da Igreja”. Penso ser bastante útil trazer este tema para o blog, por suscitar questionamentos interessantes. Eis, com alguns acréscimos e adaptações, a minha resposta.]

Sidney Silveira

Caro,

Esta é uma questão teológica da mais alta relevância, e convém fazer alguns esclarecimentos prévios, antes de irmos ao Pe. Calderón, mencionado em seu texto.

Uma coisa é a nulidade dos atos errôneos perpetrados por autoridades da Hierarquia da Igreja, em qualquer tempo; outra é o poder de que elas estão revestidas por um caráter indelével participado por Cristo — poder que elas simplesmente não utilizam nestes casos, sem no entanto perder a sua pertença à Igreja, ou seja: sem perder o caráter eclesiástico. As exceções ficam por conta de casos, por exemplo, como o de heresia formal, ou, noutras palavras, de erro manifestamente intencional mantido com pertinácia contra uma verdade de fé.

Façamos, então, um raciocínio disjuntivo:

Ou a Hierarquia quando erra pertence à Igreja (e, neste caso, todos os erros materialmente perpetrados por ela são, por derivação, erros da Igreja militante, já que não existe separação entre matéria e forma, no caso de que se trata); ou a Hierarquia quando erra não pertence à Igreja (e, então, caímos nalguma espécie de sedevacantismo material, ainda que com o nobre propósito de preservar a santidade da Igreja).

Neste contexto, quando por exemplo eu afirmo que, em se tratando de mudança na doutrina das relações entre a Igreja e o Estado, “a culpa é da Igreja”, me refiro, sim, às autoridades, e portanto à Hierarquia, mas isto sem jamais esquecer o seguinte: simpliciter, o erro de uma autoridade eclesiástica não implica a perda do indelével caráter eclesial. Isto quer dizer o seguinte: a autoridade do ato é nula, sim, mas não o caráter eclesial da pessoa da Hierarquia que o perpetrou. Sendo assim, o simples fato de a Hierarquia perpetrar um erro não a retira (ipso facto) da Igreja — salvo em alguns casos específicos, como o de heresia formal acima citado. Assim, o termo “Hierarquia” continua sendo um predicável aplicado à instituição “Igreja”, e por isto podemos dizer, sem medo de errar, que nestes casos a culpa é da Igreja, sim — ainda que o façamos por analogia de proporcionalidade própria, tendo como ponto analogante a Hierarquia.

Noutra formulação, podemos afirmar: na pessoa de suas autoridades humanas, a Igreja pode errar, conquanto não o possa quando por intermédio delas atua in persona Christi deixando evidentes as quatro precondições de infalibilidade descritas no Concílio Vaticano I:

a) quem fala é o Papa, Vigário de Cristo;

b) ele se dirige à Igreja universal, e não a esta ou aquela diocese;

c) ele trata de fé e de costumes, e das coisas que lhes estão necessariamente conexas;

d) ele tem a manifesta intenção de obrigar os fiéis ao seguimento da doutrina (intenção expressa sem dar margem a dúvidas; daí a necessidade de às vezes os Papas e os Concílios recorrerem aos anátemas, por uma medida profilática com relação à sanidade o Corpo Mistico, pois assim são os anátemas: absolutamente indubitáveis!).

Nestes casos, o Magistério é infalível, pois, como ensina o Dogma proclamado no Concílio Vaticano I, Cristo quis prover a Igreja deste carisma para garantir que o precioso depósito da fé permanecesse até o fim dos tempos, como Arca da Salvação para os eleitos por presciência divina. Sem isto, jamais a Igreja conseguiria sobreviver aos séculos — e às mudanças que trazem — mantendo a sua unidade de doutrina (veja-se o caso dos cismáticos protestantes, que logo após a Reforma se dividiram em incontáveis facções).

Outra coisa, nobre amigo: é muito importante atentar para o fato de que, numa “disputatio”, como é o caso do livro do Pe. Calderón, muitas vezes a objeção diz apenas uma parte da verdade (e nisto reside o seu caráter insidioso!), e, na resposta magistral, essa parte é redimensionada pelo filósofo — sendo as premissas colocadas em seu devido lugar. Pois bem: no texto de A Candeia Debaixo do Alqueire por você citado, o Padre Calderón aproveita em sua resposta uma premissa da Sétima Objeção do Artigo Quarto (Se o Magistério conciliar não compromete a Autoridade de modo indireto), que frisava o seguinte: “Não se pode negar a bondade dos frutos do Concílio Vaticano II sem que isso implique necessariamente a negação da legitimidade do mesmo Concílio, quer dizer, de sua existência como ação da Igreja”. Mas na resposta a esta objeção, logo após afirmar, como você bem aponta, que “uma ação materialmente dada pela Hierarquia eclesiástica, cuja obra imediata e todas as suas derivações são más em sua substância, não pode pertencer formalmente à Santa Igreja, isto é, não pode ser considerada legítima”, referindo-se em verdade à objeção à tese refutada, ele diz o seguinte, na continuação do texto:

“Uma coisa é o vício do ato, outra o do próprio poder”.

Veja bem: estamos nesta discussão no exato limite que nos mantém fora de todos os tipos de sedevacantismo material, que são aqueles em que, entre outras coisas, se afirma que a Hierarquia atual não pertence formalmente à Santa Igreja, e portanto os seus erros não são erros da Igreja, mas apenas da Hierarquia — neste caso, a Hierarquia seria na verdade uma espécie de casca oca, ou seja: uma matéria sem o seu princípio formal de operação. Ocorre o seguinte: quem defende tal tese precisaria, entre outras coisas, dar uma prova metafísica de que é possível haver, nos entes compostos de matéria e forma, uma essencial separação entre ambas. Observe-se que me refiro aqui aos tipos de sedevacantismo material, para os quais o Papa pode até ser considerado Papa materialiter, tão-somente, mas não formaliter, e portanto a Sé estaria vacante. É a tese de Cassiacum e de seus seguidores.

Em resumo, para dizer que os erros do Magistério conciliar não são de fato da Igreja, mas apenas dos seus representantes, teríamos de aceitar os corolários desta premissa, e, levando-a às últimas conseqüências, chegar à tese de que o Supremo Pontífice (de onde teriam partido tais erros, na medida em que foram propostos num Concílio e um Concílio é a reunião dos bispos do mundo inteiro sob a autoridade do Papa) carece totalmente do caráter eclesial, e, assim, a Sé estaria vacante. Mas isto não podemos aceitar, por razões que não cabe enumerar aqui porque o assunto é se, havendo erros, estes seriam apenas da Hierarquia ou também poderiam ser ditos da Igreja, na qual a Hierarquia se insere.

Retomando, pois, a sua questão, reitero, antes de encerrar: por analogia de proporcionalidade própria — tendo como ponto analogante a Hierarquia —, podemos dizer, sim, que a Igreja pode errar, seja em matéria opinável não vinculada diretamente à fé e aos costumes, seja quando o Magistério não cumpre as precondições de infalibilidade, citadas acima. Mas isto sem jamais deixar de ser Santa e santificadora.

Sem ter a pretensão de esgotar a discussão nem de dar a última palavra, despeço-me com um cordial abraço.

Sidney

P.S. Outra distinção parece-me importante fazer. Em sentido estito (simpliciter), santidade não é o mesmo que inerrância, ou seja: uma não implica a outra com necessidade absoluta. Sem dúvida, a santidade pressupõe uma graça habitual eficaz na alma do Santo, que o leva a realizar atos meritórios sobrenaturais — como se afirmou aqui. Mas a santidade não dota o Santo de inerrância em todos os seus atos. Um exemplo: Santo Anselmo e Santo Agostinho não perderam ipso facto a santidade no exato momento em que perpetraram alguns erros ou imprecisões filosóficas; mas eles a perderiam, sem dúvida, se tais erros fossem contrários a uma verdade da fé, o que seria pecado mortal. Da mesma forma, a Igreja é Santa e santificadora em Cristo, mas não perde o seu caráter santo se porventura o Papa erra numa conta matemática de adição ou, então, numa equação de segundo grau. Mas podemos dizer mais: mesmo em se tratando de matéria de fé, ainda que o Papa caísse em heresia notória e com isto perdesse o Papado e a sua pertença à Igreja (possibilidade discutida por Doutores da Igreja, como São Roberto Belarmino, e por vários teólogos de escol), nem assim a Igreja perderia a santidade e o seu poder santificador em Cristo. Mas esta é uma longa discussão.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

O Magistério Pós-Conciliar: bela palestra do Nougué

Sidney Silveira
Quem puder, assista a esta aula do meu companheiro de blog, Carlos Nougué, ministrada em Belo Horizonte para os amigos do Index Bonorum, sobre o Magistério Conciliar, entendido com este nome todo o Magistério da Igreja a partir do Concílio Vaticano II. Ela tem, em parte, como base a obra do Pe. Calderón, A Candeia Debaixo do Alqueire.

sábado, 23 de outubro de 2010

Breves palavras sobre o PT

Carlos Nougué

Pode-se dividir a história humana da seguinte maneira:

1) Adão e Eva no Éden;

2.1) Após a expulsão de nossos primeiros pais do Éden, as cidades humanas se tornam pastos para os demônios: é a era do paganismo, quando, porém, a Providência prepara, com a filosofia grega e o direito romano, a constituição futura da Cristandade.

2.2) Excetua-se então o povo judeu, que, como eleito de Deus e dotado da Lei Mosaica, está para o Cristianismo assim como a criança está para o adulto.

3) Cristo se vai e nos deixa o Cristianismo, que por sua vez se divide nos seguintes períodos:

a) o período dos mártires, que vai até a conversão do império com Constantino;

b) o período de Constantino à queda do império, no qual a Igreja, por uma debilidade intrínseca do império, governa até civilmente a cidade dos homens; funda-se então a Cristandade;

c) o período superior da Cristandade, que vai da cristianização dos bárbaros até o século XIII. Este século foi o ápice da história humana, com a filosofia de S. Tomás, as catedrais góticas, as universidades, o Rei São Luís (aliás, em quase todo o Medievo o poder civil se ordena ao poder eclesiástico: os estados católicos são então parte da Igreja);

d) o longo declínio da Cristandade, desde a bofetada dada em Bonifácio VIII até a revolução francesa, passando pelos nefastos humanismo, renascimento e reforma luterana; neste período pretende-se manter o bem e a moral sem o socorro da Graça nem a direção da Igreja, segundo a simples observância natural da Lei Natural.

4) O período que se inicia com a efetiva queda da Cristandade, e que prossegue até o Concílio Vaticano II.

a) Da revolução francesa ao romantismo e ao comunismo, vive-se o tempo em que se dá a efetiva separação entre poder civil e poder eclesiástico, em que o bem e a moral se tornam assuntos de foro íntimo individual, e em que se pretende, com o romantismo, manter uma beleza (dilacerada) sem o bem universal.

b) O liberalismo e sua democracia são a pá de cal da Cristandade, e geram seus abortos mais horrendos: o comunismo, que com o auxílio do próprio capital financeiro e das democracias liberais (vide o Acordo de Yalta) chega a dominar boa parte do mundo e torna a semear a terra com o sangue de novos mártires católicos; e o fascismo e o nazismo, votados, porém, a uma pronta derrocada. É um período, apesar de tudo, de renascimento católico: grandes papas; os Cristeros no México; a guerra santa liderada por Franco na Espanha; o governo do chanceler Dreifuss na Áustria (“o inimigo público número 1” de Hitler); o cristianíssimo governo de Salazar em Portugal; os muitos e muitos missionários que devotaram sua vida à conversão de povos de terras do Oriente e da África; etc., etc., etc.

5) Entramos num tempo que, teologicamente falando, parece o da Sétima Igreja. É o tempo final da história: o grosso da hierarquia da Igreja passa para o inimigo com o Concílio Vaticano II; o comunismo enquanto tal se derrui, e se mescla com o capitalismo, com a democracia liberal e com o “é proibido proibir” do Maio de 68 francês para plasmar um mundo relativista “sem fé, nem lei, nem rei”, governado por um poder global e sustentado por uma economia igualmente global ― com a fundamental ajuda de uma Roma que diretamente contribuiu (e segue contribuindo), ela mesma, para fazer ruir o pouco que restava de Cristandade.

Pois bem, o Partido dos Trabalhadores (PT) não é senão um rebento típico deste último período. Vejamos por quê.

1) Formado originalmente por sindicalistas independentes (como Lula), pelos católicos progressistas (teologia da libertação, etc.), por partidos de extrema esquerda (parte dos comunistas tradicionais só entrará mais tarde) e por militantes do “é proibido proibir” (abortistas, gayzistas, feministas, militantes negros, etc.), veio a tornar-se uma espécie de epítome do novo mundo descrito acima, no item 5.

2) Sobretudo após a expulsão ou afastamento das correntes mais à esquerda (trotskistas, os formadores do PSOL, etc.), o PT se tornou exatamente um espelho da confluência entre comunismo e capitalismo, liberalismo e gramscismo, democratismo e populismo. Não por nada é tão louvado internacionalmente.

3) Com efeito, comunista puro o PT não é. Diga-se mais: ele está mais para uma socialdemocracia “avançada”, ao estilo de um PSOE, que para um marxismo-leninismo ao molde cubano. Querem dizê-lo marxista-leninista porque, por exemplo, segundo a maneira do centralismo democrático, expulsa quem seja contra o aborto, etc. Mas trata-se de um engano: a Igreja anatematiza e afasta de seu seio os que são contra os dogmas divinos e fomentam heresias. Imaginem se um grupo político verdadeiramente católico, como La Cité Catholique, não afastaria de seu seio quem se dissesse a favor, por exemplo, do aborto...

4) A grande maioria do PT (incluídos Lula e Dilma) não quer a revolução de massas nem a revolução por foco guerrilheiro; tampouco quer acabar com o jogo ilusório e nefando do sufrágio universal (vejam as palavras, por exemplo, de S. Pio X e de Pio XII sobre a maldade intrínseca da democracia liberal e seu fundamento, o sufrágio universal). Ao contrário, quer manter-se no poder deste mesmo regime para levar à frente seu programa real: sob o amparo do grande capital financeiro e industrial, implantar no país toda a horrenda pauta do poder mundial: aborto, fim da família, controle da natalidade, casamento homossexual, pansexualismo livre, redução da religião a assunto, no máximo, de foro íntimo, controle ideológico e político mediante os media e segundo cânones populistas (pão [bolsa-família, etc.] e circo [esporte, televisão, sexo, etc.]), um mundo bem 1984 de Orwell.

5) O que o diferencia dos PSDBs da vida? O grau de organização e de truculência, tão somente (cf. abaixo, o adendo “PSDB [quase] = PT”). Mas o PT não tem aliança com Chávez e outros que tais? Tem; mas isso não quer dizer que pretenda adotar para o país o modelo deles (internacionalmente muito minoritário). Tem-na com o Irã? Os EUA de Bush tinham (e continuam a ter) aliança com a igualmente tenebrosa Arábia Saudita. Mas o PT não é aliado de numerosos países da Europa, quer sob governo socialdemocrata, quer sob governo mais liberal? Também. E suas relações com os Estados Unidos, desde Bush, sofreram alguma fissura séria, mais do que sofreram, por exemplo, as dos países europeus com os mesmos EUA? Na mais recente tensão entre a Colômbia e a Venezuela, posicionou-se claramente o PT a favor de Chávez? Trata-se precisamente, pois, ao que parece, do que se diz mais acima: o PT é um espelho da confluência entre comunismo e capitalismo, liberalismo e gramscismo, democratismo e populismo.

6) Bem sei que até católicos sinceros têm certa simpatia pelo PT porque, de algum modo, ele combateria as injustiças sociais. Há nessa simpatia, contudo, dois erros basilares:

a) Antes de tudo, se é verdade que clama ao céu por vingança, como diz a doutrina católica, o não pagar o salário ao trabalhador e a opressão dos humildes (sobretudo órfãos e viúvas), por outro lado não é verdade que o PT queira mais uma justiça social que qualquer partido socialdemocrata, como o PSDB, ou, sobretudo, que queira uma real e efetiva justiça social, aquela que se ordena a Deus (mas este é assunto para outro[s] artigo[s]).

b) Não se deve confundir desigualdade com injustiça. O universo inteiro, dos anjos aos átomos, é harmônico porque composto de desigualdades, numa harmonia de desigualdades querida por Deus para ser um espelho, uma imagem (imago Dei) de sua mesma infinitude. É-o igualmente a Igreja, como diz São Paulo, em sua hierarquia harmônica que vai do Papa ao ínfimo fiel. E o é também a sociedade mais sã, como a medieval, com sua harmônica hierarquia que ia do rei ao ínfimo dos servos. Por outro lado, as desigualdades não terminam numa sociedade liberal ou numa comunista, muito pelo contrário: nunca houve em toda a história uma desigualdade como a que há entre Bill Gates e um lixeiro americano, nem entre Fidel Castro (o quinto homem mais rico do mundo) e um biscateiro de Havana. O servo medieval se sentava na mesma mesa de seu senhor, e pagava 10% de corvéia, enquanto hoje o brasileiro paga de impostos 45% de sua renda! E há, sim, uma profunda diferença entre a desigualdade na Cristandade e a que se dá no mundo moderno: aquela era harmônica e se ordenava a Deus, enquanto esta é desarmônica e se ordena ao inferno.

* * *

PSDB [quase] = PT

Quer-se uma prova mais que contundente de que não há nenhuma diferença significativa entre PT e PSDB? Mais ainda: que um é, em verdade, continuação do outro, sendo suas diferenças apenas diferenças (pequenas) de grau?

Pois bem, o famoso PNDH3, do PT, não é senão uma continuação do PNDH2, do PSDB. Vejam parte da apresentação deste, escrita por ninguém menos que FHC:

“O PNDH II será implementado, a partir de 2002, com os recursos orçamentários previstos no atual Plano Plurianual (PPA 2000-2003) e na lei orçamentária anual. Embora a revisão do Programa Nacional esteja sendo apresentada à sociedade brasileira a pouco mais de um ano da posse do novo governo, os compromissos expressos no texto quanto à promoção e proteção dos direitos humanos transcendem a atual administração e se projetam no tempo, independentemente da orientação política das futuras gestões. Nesse sentido, o PNDH 2 deverá influenciar a discussão, no transcurso de 2003, do Plano Plurianual 2004-2007. O Programa Nacional servirá também de parâmetro e orientação para a definição dos programas sociais a serem desenvolvidos no País até 2007, ano em que se procederia a nova revisão do PNDH.”

Alguns itens do programa tucano:

1) “Orientação Sexual

114. Propor emenda à Constituição Federal para incluir a garantia do direito à livre orientação sexual e a proibição da discriminação por orientação sexual.

115. Apoiar a regulamentação da parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo e a regulamentação da lei de redesignação de sexo e mudança de registro civil para transexuais.”

2) Regulamentação da profissão de prostituta(o):

“185. Apoiar programas voltados para a defesa dos direitos de profissionais do sexo.”

3) E quanto ao aborto?

O PNDH-2 propunha alterar o Código Penal para o “alargamento dos (casos) permissivos para a prática do aborto legal, em conformidade com os compromissos assumidos pelo Estado brasileiro no marco da Plataforma de Ação de Pequim. E falava da necessidade de “considerar o aborto como tema de saúde pública, com a garantia do acesso aos serviços de saúde para os casos previstos em lei”.

Para quem ainda tiver dúvidas, leia-se, aqui, na íntegra o Programa assumido pelo PSDB.

Não nos deixemos rebocar pelos inimigos de Deus, não importa sua fantasia do momento.

P.S.: Mais ainda: o PNDH 3, assumido pelo nefando PT, foi resultado de propostas aprovadas na 11ª Conferência Nacional dos Direitos Humanos (2008) e por encontros estaduais preparatórios para ela. O de São Paulo, veja-se bem, foi convocado por decreto de ninguém menos que Serra quando governador de São Paulo... Ademais, como esquecer que o governador Serra fundou, no Estado de S. Paulo, a primeira escola gay para adolescentes?!... Tudo isso, nunca o percamos de vista, clama ao céu por vingança (cf., por exemplo, São Pio X, Catecismo Maior).

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Sobre as coisas políticas (VIII): momento de ir aos princípios

Sidney Silveira

Alguém me faz a indagação: vamos falar agora sobre a Política em Aristóteles e Santo Tomás de Aquino? Ou seja: em meio ao caos brasileiro e às vésperas de uma eleição importante? E o texto em que ela veio formulada fazia uma contraposição entre “as possibilidades mais altas do ser humano” e as “possibilidades terrenas”, dando claramente a entender que discutir a Política em suas mais elevadas concepções, quando a vaca está no brejo, é omitir-se das responsabilidades cívicas que o momento — eleitoral — exige. Nas palavras da pessoa que me enviou o email, seria mais ou menos como “ir à lua”, justo na hora do pega-pra-capar.

Ora, não atina o nobre missivista (católico) que fazer política sem saber o que é a Política é uma das principais causas da tragédia contemporânea? Não atina também o nobre missivista que, para tocar um instrumento virtuosamente, é preciso, antes de tudo, conhecê-lo, e, ademais, ter o hábito da ciência musical impregnado na inteligência? Toda vez, portanto, que se discute acerca de qualquer posição política é necessário buscar o princípio reitor da discussão; sem isso, a coisa vira conversa de bêbado... E isto é superiormente válido para o nosso tempo, em que as pessoas perderam a idéia do que seja a Política, pois ou a identificam com o Estado (como famigerada estrutura de poder), ou com os partidos e facções, ou ainda com uma mera instância mediadora dos conflitos entre os indivíduos. Mas qual é a ratio da Cidade, quais são os seus fins e, por conseguinte, os meios adequados para alcançá-los, etc., tudo isso ficou relegado a último plano, ai de nós.

A indagação veio acompanhada de outra idéia deste amigo de fé (pelo visto, um homem imbuído das melhores intenções): a de que a “moral católica”, enfim, deu a pauta da política eleitoral brasileira. Aqui residem várias confusões. Uma delas é a seguinte: diferentemente do que ele supõe, o aborto e o casamento entre homossexuais, temas a que se referia em seu texto, só têm a ver com “moral católica” acidentalmente, ou, como diriam os escolásticos, secundum quid, pois se trata antes de tudo de lei natural. No Irã, por exemplo, estas coisas são proibidas — e não o são por motivos católicos. Tal pensamento nos dá, a propósito, um fiel retrato do catolicismo pós-Vaticano II: a fé se discute nas paróquias e nos seminários (isto no melhor dos casos, é claro); extra muros, o máximo a que se chega é defender a lei natural em alguns dos seus pontos mais evidentes, mas despojando-a de sua fonte sobrenatural, já que se renunciou a pôr a Pólis sob a capa benemerente das verdades da fé.

Clemente de Alexandria, em dado trecho de uma de suas mais conhecidas obras, a coletânea de pensamentos Stromata (I, 2, 19,1), dizia com ironia: “Para supor que a filosofia é inútil, seria útil estabelecer filosoficamente a prova de sua inutilidade". Ora, algo similar se pode dizer da Política*, e justo quando as coisas mais inúteis ou aberrantes têm pleno direito de cidadania (que o diga a recente eleição do Tiririca): em todos os momentos, inclusive na hora eleitoral presente, devemos deixar bastante clara não apenas a utilidade, mas também a absoluta necessidade de buscar apoio em princípios sólidos e irrenunciáveis para cada ação política em que estivermos envolvidos; caso contrário, ficamos sempre à mercê de circunstâncias obscuras e vivemos como reféns da opinião da maioria ou, então, de grupos para os quais todas estas coisas não fazem sentido.

Da mesma forma como o mestre de obras não detém a ciência do fim da edificação, mas apenas executa, no plano material, o que lhe foi passado por engenheiros, e estes por sua vez fazem os cálculos para pôr de pé a idéia do arquiteto que projetou tudo, também na Política ocorre algo similar. Em síntese, somente com o conhecimento preciso de quais sejam os verdadeiros fins da Política se pode chegar a bom termo em qualquer discussão neste tema, e, muito mais que isso, justificar esta ou aquela posição sem cair em argumentos ora sofísticos, ora cegamente apaixonados, ora timidamente covardes.

Quando Sócrates preferiu tomar a cicuta a escapar do cárcere, conforme lhe propuseram os amigos pouco antes de sua execução, disse “sim” ao bem da Cidade e, também, ao das almas — em virtude do nobre exemplo que dera com o seu ato. Num dos mais belos escritos da história da filosofia, o Críton, de Platão, diz Sócrates que fugir do cárcere faria dele um homem indigno. E não se tratava apenas de tornar-se indigno perante as leis, que são a razão de ser da Cidade (pois uma cidade sem leis ou com leis iníquas é a “antipólis” por excelência), mas perante a divindade de onde provêm as leis. Naquele momento, fugir representaria simplesmente matar a verdade, sem a qual não há civilização. Mas, na opinião de Críton, certamente a fuga seria o "mal menor" para Sócrates.

Pois bem: hoje muitos estão matando a verdade para justificar a escolha do mal menor, porque não têm a clara visão do imenso drama do nosso momento histórico. Há, a propósito, um quê de fuga nesta escolha: a fuga da visão de que a “divina” democracia em que vivemos, com o seu ódio à excelência, levou-nos a becos sem saída. O que advirá da atual situação, só Deus sabe.

Ditas todas estas coisas, caro amigo, encerro com as seguintes palavras: se você vê como decisiva a escolha entre o capeta e o capetinha (refiro-me aqui não às pessoas, mas às correntes políticas que representam, em essência anticristãs), boa sorte. Eu, de minha parte, não tenho a mais ínfima esperança de melhora política, sequer a médio prazo. Pelo menos enquanto a Cidade estiver tão hermeticamente fechada à lei eterna — em grande parte por culpa da Igreja, que quis afastar-se decisivamente do Estado —, pois o efeito neste caso é o seguinte: constrangimento da lei natural e conseqüente criação de leis positivas humanas monstruosas.

Esta foi a caixa de Pandora aberta pelo liberalismo forjado nas lojas maçônicas do século XVIII e pelos comunismos que se lhe seguiram (como efeitos às suas causas), a partir de meados do século XIX. Todos ainda muito vivos, neste admirável mundo novo.

* A propósito, uso a maiúscula em Política”para identificar a ciência governo em vista do bem comum. E política com minúscula (ou no plural) ora para indicar tratar-se da simples aplicação de medidas de governo; ora para remeter-nos às ações de alguma facção ou grupo; ora para apontar uma total degeneração da Política que a desvie de seus fins específicos, como é o caso da política partidária em que jazemos — a qual entroniza a demagogia e induz à multiplicação dos conflitos sociais.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Sobre as coisas políticas (VII): A Política segundo Tomás de Aquino

[A seguir, transcrevo os tópicos de uma aula ministrada nesta semana sobre o tema da Política em Santo Tomás, na qual se tentou mostrar que o Estado não pode ser uma realidade contra naturam, ou seja: não pode contrariar essa busca pela felicidade posta por Deus na região mais recôndita do coração humano. Advirto apenas que se trata de ANOTAÇÕES feitas para ser comentadas em sala de aula; portanto, não têm a forma de texto final.

A propósito, todos os tópicos abaixo foram extraídos da obra de Santo Tomás, com a exceção da definição de “felicidade” — que é deste modesto escriba. Mas, mesmo aqui, trata-se de um corolário da visão do grande mestre medieval.

A princípio se poderia estranhar o fato de começar-se uma aula sobre Política falando a respeito de felicidade, bens naturais e sobrenaturais, méritos, etc.

Mas, ao fim, ver-se-á que a Política tem tudo a ver com estas coisas, que são profundamente humanas e possuem uma fonte divina.]

Sidney Silveira

1- FELICIDADE

Definição Ø Posse habitual dos bens queridos.

Noutras palavras, diz-se que o homem é feliz quando possui habitualmente os bens que deseja. Portanto, a felicidade é um hábito, e não a simples adição de momentos esparsos, isolados ou estanques de júbilo. Por isso não devemos confundir a felicidade com o efeito psicológico conseguinte à posse de um bem: a alegria (lætitiæ), que tem reflexos tanto no corpo, como na alma. Não trato aqui dos desvios, como por exemplo dos casos em que um homem se apossa desordenadamente de um bem — sem orientá-lo aos que lhe são imediatamente superiores. Isto é assunto para a Teologia Moral.

Em sentido geral, os bens podem ser

No plano natural

No plano sobrenatural

sensitivos — Relativos ao corpo (comida, sexo, etc.), que capta os sensíveis.

intelectivos — Conhecimento da verdade (assimilação dos inteligíveis) e seu conseqüente uso prático. Estes bens incluem a filosofia, a cultura, a ciência, a política e todas as criações humanas.

Espiritais — A graça; a via mística com os seus graus purgativo, iluminativo e unitivo; os méritos, de congruo e de condigno, etc. Estes bens se ordenam à posse de Deus, no céu. Ou seja: à visão beatífica; à perfeita felicidade que ultrapassa os limites da Pólis.

A noção de mérito

No plano natural

No plano sobrenatural

Em sentido lato: Direito a uma recompensa em reconhecimento a uma boa obra.

Por ex.: O aluno mereceu tirar 10 na prova.

Em sentido lato: Direito a uma recompensa graças a Deus. E, em sentido estrito, o que segue abaixo:

Mérito de condignidade (de condigno)

1- Perfecte de condigno: É o mérito perfeitíssimo de Cristo. Com o sacrifício na Cruz, ele mereceu para nós a redenção.

2- De condigno. É o mérito concedido por Deus em reconhecimento ao esforço de um homem em seguir os mandamentos, buscar a graça, etc. Por ele o homem se abre ao influxo de novas graças em ordem à glória, e pode ser chamado "amigo de Deus".

Mérito de conveniência (de congruo)

1- De congruo proprie. É o mérito proveniente dos direitos adquiridos pelo homem justo em virtude de sua amizade com Deus (mérito concedido in jure amicabili, segundo Santo Tomás). Por esse mérito um homem em estado de graça, rezando, consegue de Deus a salvação de um pecador; a conversão de um infiel; que um homem não morra em impenitência final, etc. O mérito de Nossa Senhora (mediadora das graças) para conosco é deste tipo.

2- De congruo improprie. É o mérito do pecador que, mesmo estando em pecado mortal, recebe graças atuais para rezar e para voltar ao estado de graça.

Em resumo> Há três tipos de mérito sobrenatural: o de Cristo para com o homem (mérito perfecte de condigno); o do homem para consigo mesmo por intermédio da graça, que, por sua vez, o faz realizar obras meritórias e receber novas graças. Ou seja: é um mérito concedido ao homem por reconciliar-se com Deus (mérito de condigno); e o do homem para com outro homem (mérito de congruo proprie), em razão justamente desses direitos adquiridos pela amizade para com Deus (in iure amicabili ). Já o mérito de congruo improprie só pode ser considerado mérito por analogia de atribuição extrínseca.

Algumas premissas:

Ø A felicidade é uma busca fundamental da alma humana, dadas as nossas potências distintivas: a vontade e a inteligência. Em suma, não há como viver sem buscá-la (Ver Suma Teológica, I-IIæ, q. 5, art. 1 a 5), pois a vontade é apetite intelectivo do bem.

Ø nesta vida, essa busca jamais poderá ser satisfeita plenamente, pois estamos contingenciados por vários males: físicos, intelectivos e espirituais, sociais, etc.

Ø O homem não pode conseguir a perfeita bem-aventurança por méritos próprios, naturais, mas apenas por méritos sobrenaturais. Aqueles se ordenam a estes.

Ø Embora a Cidade não seja a propiciadora dos bens sobrenaturais, deve protegê-los a partir da defesa dos bens naturais, sem os quais a Graça não logra a sua ação, pois a Graça supõe a natureza.

Ø A felicidade perfeita é o fim último do homem, no céu.

Onde não pode estar a felicidade perfeita:

a) Nas riquezas;

b) Na fama;

c) No poder;

d) Em bens corporais;

e) No prazer;

f) No bens da alma (pois embora ela se dê na alma, baseia-se em algo fora dela);

g) Em quaisquer outros bens criados.

A felicidade perfeita é a posse intelectiva da essência divina. Trata-se de um bem que fará repousar totalmente a vontade humana e porá fim à sua busca. restará ao homem fruir a Deus, bem perfeitíssimo, eternamente. Em resumo, A felicidade perfeita só pode estar num bem que não seja buscado em função de outro. E este é Deus.

Aqui, surge a pergunta:

O Estado tem alguma coisa a ver com essa tendência fundamental do homem de buscar a felicidade (que neste mundo é a posse habitual dos bens queridos)?

A resposta de Santo Tomás parte de princípios claros: sendo Deus o fim último do homem — e não apenas dos indivíduos, mas também das sociedades —, a Cidade deverá ter o seu fundamento na autoridade divina. O Estado é, portanto, um instrumento para a consecução do fim último do homem. Sendo assim, o Estado não pode contrariar esta humana busca pela felicidade e nem tornar-se um obstáculo para a lei divina.

Aqui, entra o tema da Política.

2- POLÍTICA

Definição Ø É a ciência do governo da multidão, em vista do bem comum.

A POLÍTICA COMO CIÊNCIA

É ciência prática, pois é da ordem do obrar.

É ciência cívica complementar à filosofia.

É ciência necessária. Isto porque, estando as coisas da cidade (como tudo o que é humano) submetidas ao escrutínio da razão, é preciso haver um tipo de sabedoria prática que ordene todos os fins intermediários em relação ao bem comum.

É ciência arquitetônica em seu âmbito. Isto porque todas as demais ciências práticas estão a ela ordenadas para a consecução do bem perfeito nos assuntos humanos. (ver de Santo Tomás o Comentário à Política de Aristóteles, Proêmio.)

3- O ESTADO (ou CIDADE)

A arte imita a natureza. Ars imitatur naturam. Assim começa Santo Tomás o Comentário à Política de Aristóteles. Veremos depois por que razão, num livro sobre a Política, o Aquinate começa falando de natureza.

Definição de natureza em Tomás: “A natureza é a razão de certa arte divina, intrínseca aos entes, que os faz mover-se por si mesmos aos seus fins”. Lembremos, aqui, a propósito, que todo o conjunto de entes naturais tem o seu princípio no intelecto divino. Metafisicamente, os entes naturais dependem do Próprio Ser Subsistente, realidade sobrenatural.

Onde entra o Estado em tudo isso? O que teria ele a ver com felicidade e natureza? Pois bem: dado que, no tocante às coisas naturais, os entes se movem por si mesmos aos seus fins, também no Estado esta premissa será válida, pois deve haver algo que mova, ao modo de ordem, o conjunto dos indivíduos humanos (que são entes naturais) da melhor forma, para então lograr-se o fim da Cidade: o bem comum — que tem a paz social como sucedâneo imediato. Neste ponto entra, propriamente, o tema do governo.

Em Santo Tomás, ao contrário do que acontece com Aristóteles, o conceito de natureza, com todas as suas implicações metafísicas, dará suporte à concepção de Política. Em resumo: a Política não pode ser contra naturam. A propósito, leiam o livro A Política em Aristóteles e Santo Tomás, de Jorge Barrera.

Origem natural do Estado. Santo Agostinho, que nos remetia ao fato bíblico de que a primeira cidade fora fundada por Caim, conclui que o Estado não seria propriamente natural no contexto da comunidade humana, mas uma conseqüência do pecado. Santo Tomás irá na via inversa. Dirá, com Aristóteles, que o Estado tem origem na natureza social e política do homem. Assim, mesmo que Adão não tivesse pecado, haveria prelazia (governo) de uns homens sobre outros. E isto a começar pelas sociedades naturais que são a base primeva do Estado: a família (onde os filhos são subordinados aos pais, etc.) e a associação de grupos humanos em vista de bens individuais e sobretudo comunitários (na medida em que se necessita de leis que regulem a vida comum).

Como se vê, ao contrário de todas as visões liberais, nesta perpectiva o Estado não é um superestrutura no seio da Pólis; não é um inimigo das consciências individuais; não é um monstro burocrático a ser temido. Ele é, fundamentalmente, o conjunto da multidão humana regido por leis — sendo a primeira delas, como veremos, a lei divina. Se esta for a reitora das leis humanas, a Pólis não cairá na desordem social, mesmo tendo que lidar com males de todo tipo (até porque somos todos herdeiros de uma ferida na natureza). Não custa remeter-nos ao que se afirma neste texto da série.

Sociedades naturais, preâmbulo do Estado

No plano doméstico

No plano civil

A família

A vida em grupo, que reclama por uma medida racional que a regule: as leis

Outro ponto: os homens que vivem em grupo precisam uns dos outros para sobreviver, e isto fortalece a amizade entre vários deles. E é justamente a amizade um dos pressupostos fundamentais do Estado — em sua origem, lembremos.

O ESTADO não é uma instância autônoma.

Fim próximo do Estado> o bem comum.

Fim último do Estado> A premissa fundamental: o Estado deve ordenar-se a Deus. Diz Tomás no “De Regno”: “Dado que o homem ao viver segundo a virtude se ordena a um fim ulterior, que consiste na fruição divina [...], é necessário que o fim da multidão humana [ou pólis], que é o mesmo do indivíduo, não seja viver segundo a virtude, mas antes, por meio de uma vida virtuosa, chegar à fruição divina”. Em várias outras passagens de sua imensa obra, prova o Aquinate que o Estado está subordinado a Deus, e portanto à Igreja — que guarda a lei divina —, assim como um efeito está subordinado à sua causa primeira. A propósito, noutro dia, relendo o verbete “Política” no Dizionario Enciclopedico del Piensero di San Tommaso d’Aquino, do padre italiano Battista Mondin, uma vez mais constatei como a mentalidade modernista atrapalha tremendamente a intelecção das coisas mais evidentes: tendo à disposição todos os princípios colhidos nas obras de Santo Tomás citadas no dicionário, Mondin conclui, no tocante às relações entre a Igreja e o Estado, que segundo o Angélico o Estado possui “perfeita autonomia”. Incrível! É algo parecido com o que acontece com o tomista Jean-Pierre Torrel, também imerso na mentalidade liberal que tomou a Igreja de roldão.

Formas de governo> Santo Tomás não é um cratólogo, quer dizer, um estudioso das estruturas do poder, categoria hermenêntica da qual hoje se abusa deveras, na análise da Política. Interessa-lhe, antes de tudo, o fundamento metafísico da Política. Pois bem, com relação à forma ideal de governo, no De Regno é clara a sua preferência pela monarquia. Na Suma, por sua vez, ele opina em favor de um governo misto — espécie de mescla de monarquia, aristocracia e democracia, onde um só é depositário do poder e governa a todos; muitos participam do governo; e todos podem ser eleitos.

Virtudes que deve ter o SOBERANO, o governante> Justiça, que deve espraiar-se nos seguintes âmbitos da ordem prática: o da justiça comutativa (que contribui grandemente para a paz social); o da justiça legal (na regulação dos deveres das pessoas para com o Estado); e o da justiça distributiva (que regula os deveres do Estado para com as pessoas). E prudência na sanção das leis, as quais devem defender primeiramente o bem comum e ter em seu horizonte o fato de que, nesta vida de homo viator, somos peregrinos em direção à Pátria Celeste.

4- As leis

Conceito geral: A lei é regra da reta razão, que se ordena ao bem comum.

Lei Divina> Os 10 mandamentos, todos eles sendo a base para as leis positivas e também uma síntese precisa da lei natural, ao contrário do que pensava Duns Scot, que afirmava serem apenas os dois primeiros mandamentos atinentes à lei natural. O corolário da opinião nada sutil do Doutor Sutil (que, Deus do céu!, está prestes a ser canonizado) é o seguinte, como lembra Guillermo Fraile em sua História da Filosofia: matar, roubar, mentir, cobiçar o que é alheio, desonrar os pais, etc., não são atos, em si, intrinsecamente maus ou contrários à natureza, mas o são apenas na medida em que Deus os proibiu. Neste ponto, a lei já é vista como algo extrínseco a toda e qualquer natureza, e, a fortiori, à natureza do próprio homem. Não há, aqui, propriamente, lei natural. Mas deixemos Scot.

Lei eterna> É o plano pelo qual Deus governa, com suma inteligência, todas as coisas criadas. Noutras palavras, é a Providência divina, à qual nada escapa.

Lei natural> Participação da razão humana na lei divina. É captável pela sindérese, primeiro princípio habitual da razão prática, que nos conduz a fugir dos males e buscar os bens. Essa lei natural captada primordialmente pela sindérese é depois conceituada pela razão, que gerará a lei positiva humana.

Lei positiva humana. Deve ser a regra racional da lei natural. Uma lei que contrarie a lei natural é iníqua e, portanto, não é propriamente lei – razão pela qual não deve ser obedecida. Por ex.: Se o Estado obrigasse todos, na forma da lei, a abortar; se o Estado obrigasse todos, na forma da lei, ao casamento homossexual; se o Estado ou o governante obrigasse ao infanticídio (como Herodes o fizera); etc. Nestes casos os cidadãos não têm a menor obrigação de obedecer à lei.

No Estado, as leis positivas devem ser o reflexo da lei eterna (na qual se apóia a lei natural) e da obediência à lei divina (que, por sua vez, sintetiza a lei natural).

Qual é o fim da lei? Diz o Aquinate, seguindo a Aristóteles: “O fim das leis é tornar os homens virtuosos”.

Teses de Aristóteles que Santo Tomás não aceita:

Ø A política como o âmbito supremo das realizações humanas;

Ø Exclusividade étnica da Pólis, a dos gregos. Segundo o Estagirita, os asiáticos seriam inteligentes, mas não fortes; os povos do norte seriam fortes, mas não inteligentes; os helênicos reuniriam ambas as qualidades; por isso poderiam escravizar os outros.

Ø Limitação do número dos cidadãos a 5.000, o que justifica a eugenia defendida por Aristóteles, o deixar à morte os aleijados, as crianças com deficiências, etc.

Ø Aporia nas relações entre a religião e a Pólis: o Estagirita diz na Ética a Nicômaco que o primeiro dever do cidadão é prestar culto aos deuses, ao passo que satiriza o que chama de mitólogos (os teólogos) e põe o Primeiro Motor Imóvel, o seu deus por excelência, fora do alcance dos homens, pois, segundo Aristóteles, se ele conhecesse qualquer coisa além de si, se degradaria.

5- Relações Igreja-Estado

Premissas:

1- Subordinação dos bens sensitivos e intelectivos aos espirituais, todos aludidos acima; bens cuja posse conduz o homem à felicidade . Essa subordinação se dá tanto no homem como na sociedade.

2- Subordinação essencial do Estado (custodiador do bem comum) à Igreja (custodiadora — por delegação do Verbo Encarnado — do bem eterno, fim último do homem), isto com relação à fé e aos costumes (portanto, com relação às leis).O Estado, como dizia Leão XIII inspirado em Santo Tomás, deve defender in primis os bens naturais da alma, pois a graça supõe a natureza. Esquecer disto é literalmente cair na concepção liberal de política, que põe a base de tudo na suposta intocabilidade da consciência dos indivíduos e na liberdade, embora os termos “indivíduo” e “liberdade”, na concepção que lhes dão, sejam absolutamente equívocos.

Conclusões:

1- Entre o Estado (a Cidade) e a natureza do homem há um vínculo metafísico que culmina em Deus. Quando se perde tal vínculo, a cidade se corrompe absolutamente.

2- Buscamos politicamente fins transpolíticos. Ou, noutras palavras:

O GOVERNO DA CIDADE HUMANA DEVE ORDENAR-SE À PÁTRIA CELESTE, ONDE A FELICIDADE SERÁ PERFEITA, ETERNA.