terça-feira, 28 de abril de 2009

Relações Igreja-Estado (II)

Sidney Silveira
Depois de verificarmos que os vestigia Ecclesia sempre foram considerados insuficientes para imprimir caráter eclesial às comunidades cismáticas, heréticas ou excomungadas, e antes de mencionarmos — conforme prometido no texto anterior — a posição de Santo Tomás acerca da subordinação do poder temporal ao espiritual, vejamos o que diz o Magistério de Leão XIII, negligenciado por católicos liberais que hoje escrevem teses de mestrado e doutorado, mundo afora, sobre o tema das relações entre o Estado e a Igreja, mas em cujos trabalhos se omite, até mesmo nas notas de rodapé — e com uma regularidade que nos leva a duvidar que seja algo aleatório —, o que disseram as Encíclicas Immortale Dei (Sobre a Constituição Cristã dos Estados), Diuturnum Illud (Sobre a Autoridade Política) e Au milieu des solicitudes (Sobre as Formas de Governo), além de Quas Primas (Sobre a Realeza de Cristo), de Pio XI, Carta Magna da política cristã. Na prática, trata-se de um Magistério negligenciado sobretudo por professores católicos liberais. Estes sofistas contemporâneos — que debilitam o verdadeiro em favor do falso, ao qual dão aparência de verdadeiro — omitem dos jovens incautos e de boa vontade que desencaminham tudo o que possa atrapalhar os seus planos de inocular doses cada vez maiores de liberalismo dentro do corpo de fiéis leigos da Igreja.

Ao difundir pensadores como, por exemplo, Lord Acton* (que se opôs obstinadamente ao Syllabus e ao dogma da infalibilidade papal) e Antonio Rosmini** (hoje beato, mas que fora condenado solenemente pelo Santo Ofício, e, em 2001, reabilitado pela Congregação para a Doutrina da Fé sob o argumento de que parte de suas 40 proposições condenadas era de publicações póstumas), esses professores omitem, entre outras coisas, que tais autores condenados pela autoridade eclesiástica constavam do Index Librorum Prohibitorum*** (por exemplo, na edição do próprio Leão XIII, que disponibilizo aqui). E o que é muito pior: omitem os motivos prudenciais, filosóficos, políticos e teológicos pelos quais tais autores foram formalmente condenados. Pensando bem, noutros tempos esses professores é que seriam incluídos pela autoridade eclesiástica no Index, no quesito “suspeitosa omissão derrogativa da verdade católica”. Querem eles moldar as consciências de jovens de talento — arregimentados para espécies de grupos de “elite” —, omitindo verdades do ensinamento da Igreja e jogando sobre as suas cabeças autores que pretendem fazer passar por ortodoxos.

Mas voltemos ao foco do nosso tema, o qual exigirá do leitor uma dose de paciência, para ir seguindo esse verdadeiro fio de Ariadne.

Naqueles documentos, dizia o grande papa Leão XIII (comecemos pela Immortale Dei, com grifos meus):

1º. A única e verdadeira religião é a Católica: “Quanto a decidir qual é a verdadeira religião, não é difícil a quem julgar com prudência e sinceridade. Com efeito, provas numerosíssimas e evidentes, como a verdade das profecias, o grande número dos milagres, a prodigiosa celeridade da propagação da fé — até entre os seus inimigos e a despeito dos maiores obstáculos —, o testemunho dos mártires e outros argumentos semelhantes provam claramente que A ÚNICA RELIGIÃO VERDADEIRA É A QUE O PRÓPRIO JESUS CRISTO INSTITUIU E CONFIOU À SUA IGREJA PARA GUARDAR E PROPAGAR” (Immortale Dei).

2º. O Estado deve professar a Religião (ou seja: a única verdadeira). “Unidos pelos laços de uma sociedade comum, os homens não dependem menos de Deus do que tomados isoladamente; e pelo menos tanto quanto o indivíduo, a sociedade deve dar graças a Deus, de quem recebe a existência, a conservação e a multidão incontável de seus bens. É por isso que, do mesmo modo como a ninguém é lícito descurar seus deveres para com Deus, e que o maior de todos eles é abraçar de alma e coração a Religião, não aquela que qualquer um prefere, mas AQUELA QUE DEUS PRESCREVEU E QUE PROVAS CERTAS E INDUBITÁVEIS ESTABELECEM COMO A ÚNICA VERDADEIRA DENTRE TODAS, assim também as sociedades não podem, sem crime, comportar-se como se Deus absolutamente não existisse. (...) Devem, pois, os chefes de Estado ter por santo o nome de Deus e pôr no número de seus principais deveres o de favorecer a [verdadeira] religião, de a defender com a sua benevolência, de a proteger com a autoridade tutelar das leis, e nada estatuir ou decidir que seja contrário à sua integridade”. (Immortale Dei).

Diante de tão eloqüentes afirmações do Magistério solene, há algumas posições possíveis:

a) Considerar o Magistério infalível absolutamente condicionado pelo tempo histórico, o que torna possível dizer que as duas teses acima (lembrando: a de que só há uma Igreja de Cristo, a Católica — a propósito: a única e verdadeira Religião; e a de que o Estado deve professá-la) só serviam para o tempo em que Leão XIII as proclamou, ainda que o tenha feito repetindo todo o Magistério anterior (como veremos noutro texto). Mas isto é, justamente, não tomá-lo por infalível, ou tomá-lo apenas por analogia;
b) Considerar que não há Magistério infalível em absolutamente nenhum sentido (como defendia Lord Acton, autor que professores católicos liberais ensinam, em pequenos grupos de elite, com a maior cara lavada, e omitindo tanto a condenação formal quanto a sua inserção no Index). Mas defender tal tese seria, para um católico, ir frontalmente contra um Dogma;
c) Considerar que esse Magistério infalível diz a mesma coisa que a Dominus Iesus, mesmo esta última frisando que “as Igrejas que não estão em perfeita comunhão com a Igreja Católica, mas se manifestam unidas a ela por meio de vínculos estreitíssimos (...), são verdadeiras igrejas particulares”. Para sustentar isto, no entanto, seria preciso abolir o princípio da não-contradição, coisa que ninguém conseguiu fazer desde que o mundo é mundo, a não ser... caindo em contradição.
d) Render-se à evidência de que há frontal contradição entre dizer que só há uma, somente uma e única verdadeira Igreja (a Católica) e dizer que há, também, outras Igrejas cristãs particulares. Assim como render-se à evidência de que há frontal contradição entre dizer que o Estado deve ser confessional e dizer que o Estado não deve ser confessional, seja por que motivos forem.

Nos próximos textos, daremos alguns passos importantes. Mas peço que só prossigam a leitura aqueles que se enquadram no quesito “d”, acima, por razões óbvias. Elencaremos os argumentos filosóficos, teológicos e do Magistério que respaldam a tese da subordinação instrumental do Estado ao poder espiritual da Igreja, assim como os modos em que isto se deve dar, segundo o Magistério (e aqui, informo desde logo: nada tem a ver com cesaripapismo!). E se algum dos nossos liberais leitores — e sei que os há, em quantidade razoável — ruborizar, coragem: faça como o sujeito que sai da caverna no Livro VII da República, de Platão, que precisa ir adaptando-se à luz paulatinamente, para não cegar.
* É do ultraliberal Lord Acton (condenado solenemente por decreto do Santo Ofício de setembro de 1871) o ridículo slogan, muito eficiente para seduzir jovens imberbes ou filhinhos de papai liberais: “O poder corrompe; o poder absoluto corrompe absolutamente”. Tal pensamento, levado às últimas conseqüências, conduzir-nos-ia a uma dupla conclusão — como corolário necessário: No plano supramaterial, Deus seria absolutamente corrupto, pois Ele é o próprio poder absoluto, do qual dimanam todos os demais poderes; no plano humano, o Papa seria o maior dos corruptos, pois, de acordo com o Magistério da Igreja bimilenar, apoiado na Sagrada Escritura, Pedro tem, entre os homens, o supremo poder de ligar e desligar. Piada!
** A Rosmini foi imposto o silêncio absoluto, em decreto pontifício de 1843. Anos depois, em 7 de março de 1888, publicou-se a condenação das 40 proposições de Rosmini que não eram afins à Revelação, por uma medida prudencial da autoridade eclesiástica. Hoje, mesmo entre autores que defendem a “ortodoxia” de Rosmini, ou que o reabilitam de alguma forma — como o Prof. Henrique de La Lama, da Universidade de Navarra —, lemos coisas como a seguinte: de fato, “o rosminanismo foi assimilado por setores intelectuais de cultura laicista, marcada tanto pelo idealismo transcendental, como pelo idealismo lógico e ontológico”. Noutra ocasião, podemos trazer à baila algumas dessas 40 teses condenadas, para ter um julgamento a partir do seu próprio conteúdo.
*** Fica aqui a promessa de um texto — mais à frente, se a saúde debilitada mo permitir — sobre o Index Librorum Prohibitorum. Sua profilaxia, suas razões, seu caráter prudencial — tudo isto tendo como parâmetro, como não poderia deixar de ser, o fim último de todos os homens (Deus) e a Religião divinamente revelada (a Católica), cujo Magistério foi participado diretamente da fonte divina: “Ide e ensinai a todas as nações” (Mt. XXVIII, 19).

"TV" Contra Impugnantes — Platão, Aristóteles, Santo Tómás, etc.

Sidney Silveira
Falando en passant da polaridade que Platão coloca no ápice da sua concepção metafísica supramaterial da realidade — as noções de "Uno" e de "Díade indeterminada" —, Nougué tece comentários, nesta aula, sobre o conceito de participação em Platão, e alude à resolução que, séculos depois, Santo Tomás de Aquino dará a esse grande achado platônico: as coisas de algo participam para ser, ou seja, para estar na posse do seu ato de ser (actus essendi).

sexta-feira, 24 de abril de 2009

"TV" Contra Impugnantes — movimento e natureza: Aristóteles e Santo Tomás

Sidney Silveira
Disponibilizamos aos amigos e leitores mais um trecho de aula de nosso curso de filosofia — o primeiro do Angelicum - Instituto Brasileiro de Filosofia e de Estudos Tomistas. Desta vez, sobre o conceito de natureza em Aristóteles. Já fizéramos alusão ao conceito no blog, em um texto acerca do sobrenatural, com a superação da aporia aristotélica, por parte do Aquinate.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Considerações teológico-dogmáticas (sobre “vestígios” e “elementos”)

Sidney Silveira
Um queridíssimo amigo — jovem de notáveis talentos que merece todo o meu respeito e tem a minha mais sincera admiração —, ao ler o último texto do Contra Impugnantes acerca das relações Estado-Igreja (assunto que, a propósito, merecerá uma longa série de artigos meus e do Nougué), e sabendo da minha posição de apoio doutrinal, em linhas gerais, à posição da Tradição defendida pela Fraternidade Sacerdotal São Pio X – FSSPX, fez ontem uma objeção interessante, num tema eclesiológico:

“Os ortodoxos consagram validamente a Eucaristia, embora o façam ilicitamente. Ora, isto indica que o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo estão presentes nas hóstias por eles consagradas. Considerando, pois, esta Presença Real, como alguém poderia dizer que Cristo não está presente na Igreja Ortodoxa, ou, em outros termos, que a Igreja Católica é a única Igreja de Cristo?”.

Na resposta a esta interessante objeção, por ora, evitarei trazer uma avalanche de menções do Magistério da Igreja, de acordo com as quais o sacramento válido dos cismáticos, hereges ou excomulgados não produz efeito (no caso, a Graça e o caráter), ou seja, não tem eficácia; é fruto seco. Dar-lhe-ei pessoalmente as citações do Magistério bimilenar, que reunirei com muito gosto. Por ora, no entanto, vejamos o que ensina o Doutor Comum da Igreja, o nosso amado Aquinate, a respeito de se hereges, cismáticos e excomulgados podem, ou não, consagrar (Suma Teológica, III, q, 82, a.7):

Respondeo. Alguns disseram que os hereges, cismáticos e excomungados não podem consagrar este sacramento (da Eucaristia) porque estão fora da Igreja. Mas nisto equivocam-se, pois, como diz Santo Agostinho, “uma coisa é ter, e outra é ter retamente” e “uma coisa é não dar, e outra é não dar bem”. Ora, os que receberam dentro da Igreja, com a ordenação sacerdotal, o poder de consagrar têm-no retamente, embora não façam reto uso dele se, depois, se separam por heresia, cisma ou excomunhão. Os que se ordenam já separados nem têm este poder legitimamente, nem o usam retamente. Mas que têm o poder [de consagrar] é evidente, pois, como diz Santo Agostinho, quando voltam à unidade da Igreja não são re-ordenados, pois ela os recebe com suas ordens. E como a consagração da Eucaristia é conseguinte ao poder da Ordem, os separados da Igreja por heresia, cisma ou excomunhão podem consagrá-la, e, portanto, consagrada por eles, a Eucaristia contém o Corpo verdadeiro e o Sangue de Cristo. Mas não fazem [a consagração] retamente, e pecam ao fazê-lo. Por isto, não recebem o fruto do sacrifício, que é precisamente o sacrifício espiritual”.

"Ad tertium. O sacerdote fala nas orações da Missa em nome da Igreja, em cuja unidade está. Mas na consagração ele fala em nome de Cristo, cujas vezes faz pelo poder da Ordem. Portanto, se é separado da unidade da Igreja, celebra a Missa, consagra o verdadeiro Corpo e o Sangue de Cristo, porque não perdeu o poder [indelével] da Ordem. Mas, por estar separado da unidade da Igreja, suas orações não têm eficácia".

Em suma, o que a Igreja sempre ensinou é que, neste caso, se trata de vestigia Ecclesiae, e tais vestígios jamais haviam sido considerados pelo Magistério solene como capazes de dotar essas comunidades de caráter eclesial, ou seja: desde a instituição da Igreja, por Cristo, até o último quartel do século XX, nunca, jamais, em tempo algum, as comunidades separadas por cisma, heresia ou excomunhão foram consideradas pelo Magistério como verdadeiras “Igrejas”, ou seja, espécies particulares de Igrejas não romanas. A novidade absoluta foi inserida por um golpe semântico, com a troca do conceito de vestigia pelo de elementa, ou seja: para a susceptibilidade ecumênica (de cariz liberal, maçônico, etc.), não podemos dizer que se trata de “vestígios” — pois tal palavra e o conceito que embute podem magoar os ouvidos dos irmãos separados —, mas de “elementos” da Igreja que constituem vínculos estritos, reais, com ela.

O conceito de elementa, em substituição ao tradicional, de vestigia, começa a se forjar — ainda que timidamente e sem a formulação que receberá depois — no Encontro Mundial das Igrejas realizado em Toronto, em 1950; aparece posteriormente na Lumen Gentium do Vaticano II; depois, na Encíclica Unitatis Redintegratio, de João Paulo II; e por fim na Declaração Dominus Iesus, de 2000, da Congregação para a Doutrina da Fé, que diz: “As Igrejas que não estão em perfeita comunhão com a Igreja Católica, mas se manifestam unidas a ela por meio de vínculos estreitíssimos como a sucessão apostólica e a Eucaristia validamente consagrada, são verdadeiras igrejas particulares”. Aqui, é importantíssimo frisar: em todo o Magistério anterior, tal conceito de "elementos" da Igreja fora da Igreja católica simplesmente inexiste. É, portanto, novidade absoluta.

Agora, pergunto: como tais idéias podem conciliar-se com, por exemplo, o seguinte trecho da Encíclica Mortalium Animos, de Pio XI?

“Dizemos à única e verdadeira Igreja de Cristo: sem dúvida, ela é a todos manifesta e, pela vontade do seu Autor, ela perpetuamente permanecerá tal qual ele próprio a instituiu para a salvação de todos. Pois a mística Esposa de Cristo jamais se contaminou no decurso dos séculos nem, em época alguma, poderá ser contaminada. (...) Dado que o Corpo Místico de Cristo, isto é, a Igreja, é um só, compacto e conexo, (...) seria estultície alguém afirmar que dele podem constar membros desunidos e separados. Quem, pois, não estiver unido com ele, não é membro seu (...).”

Ou ainda:

“Acreditamos, pois, que os que afirmam ser cristãos não possam fazê-lo sem crer que uma Igreja, e uma só, foi fundada por Cristo.

Ou ainda:

“Ninguém está nesta única Igreja de Cristo e ninguém nela permanece senão obedecendo, reconhecendo e acatando o poder de Pedro e de seus sucessores legítimos”.

Ou ainda:

“Estes [os separados], se implorarem em prece humilde as luzes do Céu, reconhecerão a única verdadeira Igreja de Jesus Cristo, e, por fim, n’Ela tendo entrado, estarão unidos conosco em perfeita caridade”.

Eu poderia citar outros trechos da Mortalium Animos, e trazer mais do Magistério anterior, mas o que está consignado, por ora, é mais do que suficiente para a nossa pergunta capital: como conciliar esses Magistérios? Num deles, a única Igreja cristã é a católica; noutro, são consideradas perfeitas Igrejas cristãs particulares, entre outras, as que consagram validamente a Eucaristia, caso, por exemplo, dos ortodoxos. Num deles, há vestígios da Igreja insuficientes para imprimir o caráter eclesial; noutro, há elementos da Igreja suficientes para imprimir o caráter eclesial.

Como conciliar isto? Respondeo dicendum quod: é impossível, caros amigos. A menos que se impugne o princípio da não-contradição.

Em tempo: Perguntando-se é lícito receber a comunhão e ouvir a Missa (Missam audire) de cismáticos, hereges e excomungados, diz Santo Tomás (Suma, III, q. 82, art. 9). “Quem atua na causa comum do pecado de alguém, participa dele. (...). Logo, não é lícito receber deles (cismáticos, hereges e excomungados) a comunhão, nem ouvir as suas Missas”.
Em tempo 2: A FSSPX não é cismática, pois sempre rezou a missa una cum Petrus e sempre reconheceu a sucessão apostólica. Sua posição é, portanto, de divergência doutrinal com relação às novidades introduzidas no Magistério desde o Concílio Vaticano II (como por exemplo a que apontamos, de caráter eclesiológico), e isto ficou evidente no começo deste ano, com a volta à unidade visível e a cessação da excomunhão dos bispos consagrados pelo Monsenhor Lefebvre. Mas esta é outra história. Ademais, a FSSPX argúi, para justificar o seu procedimento com relação às novidades introduzidas no Magistério dos últimos 40 anos, o estado de necessidade.
Em tempo3: Ia esquecendo-me de reiterar: ficou evidente que, de acordo com a doutrina tradicional, a validade da consagração da Eucaristia por parte de cismáticos é insuficiente para imprimir o caráter eclesial. É, sim, vestigia Ecclesiae. Ademais, a Eucaristia é um dos sacramentos da Igreja, mas a Igreja não é só a Eucaristia.
Em tempo 4: Uma característica típica do católico liberal culto é não estudar o Magistério anterior ao Vaticano II e nem Santo Tomás de Aquino e outros Doutores, embora estude com grande afinco uma série juristas, economistas, filósofos e “teólogos” liberais.
Em tempo 5: Uma questão, sob um ângulo diametralmente oposto, é comum entre pessoas ligadas à Tradição: é porventura lícito ir à Missa em sua nova forma litúrgica (pós-Vaticano II)? Aqui, para que não haja dúvidas a respeito de minha posição, informo que estou de acordo com uma formulação dos padres de Campos — feita MUITO ANTES que eles formalizassem um acordo com Roma que mudou radicalmente a sua posição: trata-se de uma questão de consciência.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Relações Igreja-Estado (I)

Sidney Silveira
O católico liberal de nosso tempo aprova e difunde a tese de que a separação entre a Igreja e o Estado foi o que de melhor houve na história eclesiástica — “em benefício da Igreja”, acrescenta com certo pietismo. E se algum imprudente porventura lhe mostra vários documentos do Magistério infalível** que ou condenam, explicitamente, tal separação (como por exemplo a Encíclica Gravissimo Offichii Munere Defungimur, de São Pio X), ou afirmam que a realeza de Cristo abarca também a ordem temporal, e não diz respeito apenas à espiritual (como em Quas Primas, de Pio XI), ele dá de ombros e deixa de lado a resolução de tão candente problema, procurando encontrar certa paz para a sua consciência laxa na conciliação entre a fé que diz professar e a realidade objetiva desse Magistério e do ensinamento dos Santos Doutores — como Tomás de Aquino — acerca do tema. No máximo, esse católico liberal culto alegará que, hoje em dia, não se pode defender a tese da subordinação do Estado à Igreja, entre outras coisas, porque ela é, em si, irrealizável. É evidente que ele não estudou as distinções entre poder temporal e espiritual, e nem imagina qual seja o princípio inamovível dessa subordinação entre tais ordens de bens. Além do mais, com tal arremedo de argumento — na verdade, uma premissa condicionada por critérios meramente políticos —, o nosso católico liberal põe de lado toda a história dos apóstolos mártires (imaginemos São Paulo falando aos Romanos, ou então aos Gregos no Aerópago, sobre a necessidade da conversão de todos ao Evangelho de Nosso Senhor com semelhantes pruridos teóricos!), além, é claro, de pôr entre parênteses o fim último do homem e de todas as sociedades, como veremos no decorrer dos artigos desta série.

Tomo como parâmetro para os textos que o Contra Impugnantes postará sobre este espinhoso assunto o magnífico escrito “O Reino de Deus”, do Padre Álvaro Calderón, teólogo argentino da Fraternidade Sacerdotal São Pio X – FSSPX, professor do Seminário de La Reja, próximo a Buenos Aires.

Um primeiro esclarecimento a fazer é o seguinte: o nosso arquetípico católico liberal já labora num erro prévio, que é a distinção entre Igreja e Reino de Deus, que, para o Magistério bimilenar e para os Santos Doutores da Igreja, sempre foram a mesmíssima coisa, mas para o nosso valente “teólogo” liberal, não. A respeito disto, diz claramente Santo Tomás de Aquino, o Doutor Comum, no seu Comentário às Sentenças de Pedro Lombardo, IV, dist. 49, q. 1, art. 2:

“A expressão “Reino de Deus” se entende, por antonomásia, de duas maneiras: ou como a congregação dos que caminham na Fé, e assim se diz que o Reino de Deus é a Igreja militante; ou, de outra forma, como o consórcio daqueles que já estão fixados no fim [os bem-aventurados], e assim se diz que o Reino de Deus é a Igreja triunfante”.

Este é, caros amigos, o “pecado” de Santo Tomás: ser simples, direto, sem peias; ser um homem do “sim, sim, não, não” evangélico. Neste caso, dizendo — em uníssono com o Magistério eclesiástico, é claro — que, para nós, homens feridos pelo pecado original e caminhantes por este vale de lágrimas, o Reino de Deus é a Igreja militante, ou seja: a Igreja Católica, única Igreja de Cristo, assim definida até a malfadada invenção do conceito de subsist in, do qual falaremos adiante e que fez a Igreja entrar numa verdadeira crise de identidade, ou seja, começar a perguntar-se sobre o que ela mesma é (coisa sobre a qual, até então, não havia a mais remota sombra de dúvida).

O liberal, por sua vez, parte das seguintes distinções — entre outras, que posteriormente traremos à baila, com farta indicação bibliográfica:

1- Distinção entre Reino de Deus e Igreja (sendo o primeiro meramente escatológico e a segunda, meramente temporal);
2- Distinção entre Reino de Deus e mundo (dando ao primeiro o mesmo caráter meramente escatológico acima descrito, e ao segundo uma emancipação política do primado da Igreja);
3- Distinção entre Igreja e mundo (não havendo uma relação de subordinação necessária entre o Reino e o mundo, este último poderá prescindir da tutela da Igreja, ou seja: não precisará in primis submeter-se às leis de Deus de que a Igreja militante é depositária, por mandato divino. O mundo está, portanto, emancipado).

Nesta visão liberal autonomista, a Cidade de Deus e a Cidade dos Homens estão como que separadas por um muro intransponível — por uma “essencial” cisão entre os planos temporal e espiritual. Nela o Estado circunscreve-se pelos bens temporais e a Igreja é especificada, tão-somente, por seu fim escatológico. E isto ocorre até mesmo entre autores presumivelmente conservadores, como o Cardeal Charles Journet, um amigo de Jacques Maritain (este último, aclamado ao final do Concílio Vaticano II) que abordara o tema da política em La Juridiction de l’Eglise sur la Cité, e o Cardeal A. Ottaviani.

A seu tempo, veremos como essas verdadeiras aberrações teológicas aplicadas à política contribuirão para a confusão entre a pax Christi e a paz meramente humana (a de uma Nova Ordem Mundial, de caráter maçônico, forjada numa fraternidade universal sem Deus, ou então com o sincretismo de Deus com todos os “deuses” e demônios). E contribuirão, também, para uma interpretação heterodoxa e antitradicional das relações entre Igreja e Estado.

Comentando as Instituitiones Iuris Publici Ecclesiastici, do Cardeal Ottaviani, Álvaro Calderón aponta de que maneira a defesa da Tradição, por este aguerrido antimodernista (heroicamente atuante no Concílio Vaticano II), pode ser considerada como uma espécie de muro com brechas.

► Ottaviani delimita, na referida obra, o Estado em uma ordem natural, esquecendo-se de que do fato de a ordem natural exigir, de certa maneira, a existência do Estado — conforme sempre fora sublinhado pelo Magistério (com base escriturística em Gn. I, 28) —, não se segue que o Estado esteja encerrado na ordem natural, da mesma forma como a natureza não é fechada em si mesma, mas depende da ordem sobrenatural, mesmo para lograr os seus fins naturais, na medida em que Deus é mantenedor das criaturas no ser e também coopera na natureza. Diz Santo Tomás: “A própria operação da natureza é operação da força divina (sed ipsa naturae operatio est etiam operatio virtutis divinae)”, De Potentia Dei, I, q. 1, a. 7, ad. 3; e esclarece: “Se consideramos os sujeitos agentes, todo agente particular é imediato em relação a seu efeito [natural], mas se consideramos a força com que se leva a cabo a ação [natural], então a força da causa mais elevada é mais imediata em relação ao efeito [produzido pela natureza]”, De Potentia Dei, I, q.1, a. 7, resp. Analogamente, podemos nós dizer, repetindo o Magistério, que, para lograr o fim último projetado por Deus para todos os homens, não se deve esquecer que a natureza, sem a Graça, é insuficiente, e que o Estado — o qual, de acordo com o Magistério da Igreja, existiria ainda que não tivesse havido o pecado original —, se se afasta da lei de Deus da qual a Igreja é a depositária, será incapaz de alcançar até mesmo o bem intermediário a que se destina: a justiça social e a paz entre os homens.
► Ottaviani, ao defender a tese da subordinação do Estado à Igreja, sublinha corretamente que as relações jurídicas entre o Estado e a Igreja devem comparar-se às relações entre o corpo (Estado, plano material) e a alma (Igreja, plano espiritual superior), mas comete o erro de afirmar que tal subordinação é acidental ou indireta, dado que o Estado seria perfeitamente sui iuris. Aqui, como diz muito bem Calderón, Ottaviani se esquece de que uma subordinação acidental é, na prática, uma não-subordinação essencial. Um exemplo? O Papa está, acidentalmente, subordinado ao seu dentista. Mas certamente não o está em relação ao fim último de todos os homens e sociedades: Deus. E aqui vale fazer a seguinte ressalva: é óbvio que Calderón não considera o Cardeal Ottaviani um liberal, mas cita-o para mostrar como, ainda entre bons defensores da Tradição, pode haver erro no tocante ao tema da política, sobretudo se se parte de critérios jurídicos como se estes fossem, de todo, descontectados dos critérios teológicos e dos ensinamentos do Magistério da Igreja.

Num próximo texto, traremos o que nos diz Santo Tomás — sempre e necessariamente fazendo eco ao Magistério — sobre esta subordinação do temporal ao espiritual, assim como a respeito da intervenção do poder espiritual no temporal, sobretudo em assuntos em que a autoridade espiritual pode e deve intrometer-se nas coisas seculares, para horror do nosso católico liberal, que se baseia no "dogma" da consciência individual autônoma.
** Com relação ao Magistério infalível, eis o que diz, lindamente, a Constituição Dogmática Pastor Aeternus, do Concílio Vaticano I (os grifos são meus):


"Quando o Romano Pontífice fala ex cathedra, isto é, quando, cumprindo o seu cargo de pastor e doutor de todos os cristãos, define por sua suprema autoridade apostólica que uma doutrina sobre fé e costumes deve ser sustentada pela Igreja Universal, pela assistência divina que lhe foi prometida na pessoa do bem-aventurado Pedro goza daquela infalibilidade de que o Redentor Divino quis que estivesse provista a Igreja na definição da doutrina sobre a fé e os costumes".
Este é, em suma, o critério da infalibilidade papal, que se subdivide em quatro pontos:

1º. Quem fala é Pedro, vigário de Cristo;
2º. Pedro fala a toda a Igreja, ou seja: a todo o universo de fiéis do Corpo Místico;
3º. Pedro fala com intenção de obrigar, ou seja: deixando claro que as opiniões em contrário devem ser derrogadas, por errôneas ou contrárias à Fé;
4º. Pedro fala sobre fé e costumes.

Se apenas um desses pontos não se cumpre, não há infalibilidade.

"TV" Contra Impugnantes — Sócrates

Sidney Silveira
Impossibilitados, momentaneamente e por diferentes motivos, de escrever textos mais longos no blog, vamos postando na "TV" Contra Impugnantes alguns vídeos do curso livre de filosofia que estamos ministrando, eu e o Nougué. O trecho selecionado é sobre Sócrates, cuja humana existência o atual hipercriticismo historicista pretende pôr, absurdamente, em xeque, como se tal personagem fosse uma invencionice de Platão (quando, na verdade, há outros autores que atestam a sua vida e a sua doutrina, como por exemplo Xenofonte e Aristófanes, além de outras evidências a que não cabe aludir, por ora). Ao final do curso, todo o seu conteúdo receberá uma edição — com a inserção de uma breve introdução aos temas de cada aula — e será veiculado em DVDs, com o timbre da editora Sétimo Selo e do Angelicum — Instituto Brasileiro de Filosofia e de Estudos Tomistas, sobre o qual logo teremos novidades.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

"TV" Contra Impugnantes — o conceito de evidência, de acordo com Tomás de Aquino

Sidney Silveira
Vejam na "TV" Contra Impugnantes mais um trecho de aula, em que se aborda o conceito de "evidência" em Santo Tomás (como propriedade da verdade), aplicado aos entes e a Deus. Neste último caso, contrariando a uma longa tradição do pensamento cristão, o Aquinate dirá que a proposição "Deus é" (ou, para facilitar a compreensão da maioria, "Deu existe") não é evidente para a inteligência humana. Ou melhor: embora esta seja uma verdade evidente em si mesma, não o é para nós (conforme explico no vídeo). Para quem tiver interesse, vale consultar a Suma Teológica, I, q. 2, a.1, resp., onde Santo Tomás dá uma brilhante resolução ao problema.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Predestinação à salvação – IV (apontamentos finais)

Sidney Silveira
As linhas gerais da doutrina do Aquinate — e do Magistério da Igreja — sobre a predestinação à salvação já foram traçadas nos artigos I, II e III desta série. Agora, vale consignar alguns apontamentos finais, para que se tenha um quadro sinóptico.

Repisemos:

1) A predestinação é uma parte específica (a mais nobre) da Providência Divina;
2) A predestinação diz respeito às criaturas racionais, capazes de bem-aventurança perfeita;
3) A predestinação não ocorre em previsão dos méritos dos predestinados;
4) A predestinação ocorre por livre eleição divina, desde toda a eternidade;
5) A predestinação, no caso dos condenados, é a manifestação da justiça divina;
6) A predestinação, no caso dos que se salvam, é a manifestação da misericórdia divina;
7) A predestinação de cada um dos predestinados é absolutamente certa;
8) A predestinação não destrói o livre-arbítrio e as contingências dos atos humanos (oriundos da vontade e da inteligência);
9) A predestinação individual de cada um dos que serão salvos é conhecida por Deus, ao modo de presciência dos futuros contingentes;
10) A predestinação, embora seja certa para Deus, não é certa para os predestinados (ou seja: ninguém, nesta vida, pode ter certeza da sua própria salvação);
11) A predestinação pode ser ajudada pelas orações e sacrifícios dos santos, embora não dependa destes.

Uma das motivações desta série — além do pedido da minha jovem e corajosa amiga Teresa, de Braga — foi a de, uma vez mais, demarcar a distinção entre natural (ações humanas) e sobrenatural (Graça), e, com isto, mostrar o quão equívoca é a pretensão de católicos que vão transformando a Religião em uma pura e simples Moral, ao modo kantiano. Num bom-mocismo que mais se assemelha à covardia do que à virtude cristã. Ou, então, no extremo oposto, numa espécie de temerário destemor, no caso de alguns que, por participar de alguma forma da Tradição, julgam que isto lhes basta em ordem à salvação de suas almas. Os primeiros tendem ao laxismo moral e à naturalização da religião; os segundos, a um formalismo rigorista.

De fato, as boas obras que contam, de acordo com o Magistério da Igreja e com Santo Tomás de Aquino, não são as boas obras de uma fraternidade capenga (sem Deus), nem de uma estrita observância formal dos atos da Religião, mas as da caridade enquanto virtude teologal orientada ao fim último: o próprio Deus. Mas, mesmo neste caso, a nossa colaboração com a Graça é já uma moção divina.

Pagar todas as contas no final do mês, fazer com perfeição um trabalho qualquer (como construir uma casa, escrever um poema ou pintar um quadro), evitar discussões apenas para não ferir susceptibilidades (os chamados respeitos humanos), participar dignamente da Santa Missa e ter práticas ascéticas ou religiosas perfeitas, tudo isso tem valor relativo, mas jamais absoluto. A propósito, como já nos ensinara São Paulo em I, Coríntios, 13.

Ah, homem, quantas vezes te esqueces de que és pó, e em pó te hás de converter?...
Em tempo: Indico, na obra do Aquinate, os seguintes pontos, em que ele aborda o tema da predestinação. De Veritate, q. 6, artigos 1-6; Suma Teológica, I, q. 23, artigos 1-8; Suma Contra os Gentios, III, q. 163.

terça-feira, 7 de abril de 2009

"TV" Contra Impugnantes - quarta parte da entrevista em Anápolis (GO)

Sidney Silveira
Assista a mais um trecho da entrevista concedida pelo Nougué ao Prof. Marcos Cotrim, da Universidade Católica de Anápolis (GO).

segunda-feira, 6 de abril de 2009

A Cruz

Sidney Silveira
A efusão do sangue de Cristo na Cruz é a causa meritória da nossa saúde eterna. É da Cruz que nos vem todo e qualquer benefício espiritual. Toda a espiritualidade católica baseia-se na Cruz e dela se nutre. Retire-se a Cruz, e haverá uma queda contínua até o seu abismal avesso: o prazer hedônico, doentio, fetichizado, cego, pervertido, invertido, insaciável, utilitarista. A Cruz é o sofrimento com um sentido — um sentido divino, transcendente. Afastar-se da Cruz é perder o significado da dor de amor** e, portanto, da própria vida humana. Aproximar-se da Cruz é tornar sagrado o sofrimento. É sacrum facere. A Cruz é o amor em seu ápice pletórico insuperável.

Sem a Cruz, só nos resta cair na depressão psicológica — ou, como diziam os latinos, no pecado da acídia —, pois como suportar as dores, os males, as doenças, as traições, a morte, as faltas e as incompletudes que parecem constituir toda a nossa existência, sem acabar por descrer da excelência a que estamos destinados? Só a Cruz pode dar sentido a tudo isso. A Cruz dá perfeito sentido à vida e à morte.

Sem a Cruz, só nos resta cair na languidez de uma feérica atividade da imaginação, pois, quem não consegue encontrar nenhum sentido para a inevitável dor de viver, há de viver imaginando como fugir da dor. E dar asas à imaginação, como diziam os Padres do Deserto, é dar armas para o demônio.

Sem a Cruz, só nos resta sucumbir às atitudes mais antiéticas possíveis. Sempre que se apresentar a ocasião, o homem para quem a dor e os males não têm sentido fará de tudo para minimizar os seus problemas, a qualquer custo. Só na Cruz pode haver verdadeira ética; as demais éticas estão, em relação à da Cruz, como o imperfeito está para o que é perfeito.

Sem a Cruz, só nos resta cair no individualismo, esse vício mental terrível. Para o individualista (sempre uma pessoa sumamente problemática), não existe verdadeira doação de amor, mas apenas ações torpemente interesseiras, movidas ou pelo desejo de auto-satisfação ou pela inveja — como no caso da anticatólica teoria de René Girard, uma "diabolice" de péssimo gosto. Se essa teoria satânica fosse correta, não haveria boas ações, em sentido próprio, mas as haveria apenas por analogia de atribuição extrínseca. Um católico que acreditasse nisso seria um católico, literalmente, sem Cruz.

Sem a Cruz, só nos resta perder o sentido espiritual da beleza, mais cedo ou mais tarde. A beleza, sem a Cruz, é a beleza física, a beleza emparedada na imanência, num plano meramente sensível, limitado e limitante. A beleza, com a Cruz, é a beleza da vontade que escolheu o bem do próximo — por amor a Deus —, e também da inteligência que assimilou as verdades fundamentais.

Tudo isso (e muito mais) veio-me à mente hoje, ao reler o belíssimo texto intentio cordis, do Nougué, onde se reafirma a eterna verdade do pó que somos e do pó que havemos de ser — os quais só alcançam sentido humano na Cruz.

Amar a Cruz, no entanto, é uma meta, um desafio. Algo que só se consegue com o auxílio da Graça. Senti-o eu mesmo, quanto extraí um câncer, há três anos, e agora, quando um insidioso problema de saúde me acomete. É difícil, sim, mas não há outro caminho para o cristão.

** Dizia o Padre Pio: “A verdadeira dor é a que nos causam as pessoas que amamos”.
Em tempo: Agradeço a todos os que têm rezado pelo meu pleno restabelecimento, que, se for da vontade de Deus, virá. Em caso contrário, rogo-Lhe que me ajude a carregar essa Cruz.

"TV" Contra Impugnantes — o ente em Tomás de Aquino

Sidney Silveira
Impossibilitado de escrever textos mais longos, por uma série de questões (o último havia sido este sobre a angústia em Heidegger), vou postando trechos de aulas e palestras minhas e do Nougué, como esta sobre o ente em Tomás de Aquino. Aproveito para dizer às várias pessoas que me têm escrito emails que, durante algum tempo, ainda indeterminado, não os poderei responder.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

"TV" Contra Impugnantes - terceira parte da entrevista em Anápólis (GO)

Sidney Silveira
Assim como, no indivíduo, o desgoverno da sensibilidade exacerba todo um conjunto de paixões, que, por sua vez, exercem influxo narcotizante e embotador sobre a inteligência, o mesmo se dá com as sociedades: a predominância de manifestações artísticas que excitam, de forma demasiada, algumas partes da sensualitas humana acaba por induzir ou conformar o conjunto das pessoas a uma situação de cegueira coletiva, de hedonismo cru (e cruel), de individualismo materialista, de aversão à verdadeira espiritualidade. Daí a razão por que — ao abordarmos o tema da arte em quaisquer de suas manifestações — tentamos apontar, no restritíssimo âmbito de nossa atuação, a necessidade de se recuperar uma sensibilidade artística católica, ou seja: uma sensibilidade na qual tudo (inclusive a arte) é meio, é instrumento que se deve subordinar ao nosso fim último: Deus. Caso contrário, será inútil e daninho, ainda que estonteantemente belo. Esta foi, na prática, a motivação para o que, até o momento, o Nougué escreveu sobre arte e, particularmente, sobre música no Contra Impugnantes, cuja essência está consignada nesta entrevista por ele concedida, ano passado, ao Prof. Marcos Cotrim, da Universidade Católica de Anápolis (GO), da qual postamos agora a terceira parte.