Sidney Silveira
Num futuro distante, ou quem sabe na eternidade, talvez as principais correntes da filosofia dos séculos XIX e XX sejam vistas como tolas quimeras, como um momento dramático da história humana em que entre a inteligência e as coisas inteligidas e entre a vontade e as coisas queridas interpôs-se um abismo, um negrume, um vazio insuperável — e o homem viu-se apartado de tudo o que, até então, lhe dera algum esteio. Restou-lhe, apenas, a dolorosa imanência do próprio desespero.
Tal solipsismo foi respaldado por filosofias da incerteza, filosofias da angústia, filosofias do voluntarismo, filosofias do imoralismo, filosofias das fantasmagorias do inconsciente, filosofias do materialismo mais tosco*, filosofias do apriorismo transcendental mais absurdo, etc. Enfim, filosofias em que a inteligência humana desfigurou-se, por haver sido despojada do seu natural “habitat”, do seu modo próprio de operação (per abstractionem), como dizia Octavio Derisi, aguerrido tomista argentino sobre quem recebi, nesta semana, dois interessantes emails de leitores do Contra Impugnantes. Este desértico panorama intelectual e espiritual não poderia gerar senão sociedades aterradoramente violentas e individualistas. Sociedades infantilizadas e hiperssexualizadas. Sociedades do mais enfermiço hedonismo. Do mais insano niilismo. Sociedades de um humanismo superficial e politicamente correto. Sociedades de um democratismo daninho e autofágico. Em suma, sociedades, na raiz, liberais, na medida em que o liberalismo é essa caixa aberta de Pandora que, deixando em seu fundo uma esperança nada cristã, liberta e dá voz política a toda a sorte de erros, a pretexto de “liberdade”.
Exemplos do pensar quimérico e irracionalista são, incrivelmente, encontráveis em absolutamente todos os mais incensados pensadores dos últimos 150 anos. Quando Heidegger nos diz, por exemplo, que o Dasein (o ente humano) só tem a notícia de si a partir da angústia de saber-se para o nada e para a morte, e que somente a angústia nos retira da existência (ou “ec-sistência”) banal e nos insere na existência autêntica, está proclamando, com sua terminologia sui generis, o seguinte: é o nada que fundamenta o ser, particularmente o ser do ente humano — um tipo de ente que possuiria uma espécie antevisão desse “nada” fundamentador, e daí lhe adviria o que o filósofo alemão chama de “cuidado”: um projeto existencial cuja bússola é, tão-somente, a angústia. Em síntese, a última trama da existência do Dasein é, como diz o mesmo Derisi em seu Tratado de Existencialismo y Tomismo, uma dialética do tempo, um êxodo em direção a um futuro que se vai “nadificando”, até que o nada final da morte se apresente como o cume da existência, em sua totalidade. Uma existência breve e, essencialmente, solitária.
Heidegger teve décadas para concluir a propalada “ontologia fundamental” de sua obra máxima, Ser e Tempo. Não o fez. E não o fez porque, a meu ver, partindo de premissas tais, não haveria solução possível para uma série de aporias desse sistema cujo ápice só pode ser o seguinte: a auto-afirmação tirânica de uma existência angustiosa. Existência angustiosa e carente de um sentido maior. Sim, pois se somos um “quase-nada” entre dois nadas absolutos, e não havendo nada no ser para além do tempo, só restará ao Dasein um ativismo cego. Um agir baseado numa não-ética.
A “base” gnosiológica para essa estranha epopéia de Heidegger (mais poética do que, propriamente, filosófica) é o “ir às coisas mesmas” de Husserl. Ou seja: é o método fenomenológico da intuição pré-intelectiva, para o qual — como temos dito reiteradas vezes — não há a mais remota evidência, o menor argumento razoável que se possa aduzir. A propósito, é dessa mesma “base” que se vai valer Sartre para levar às últimas conseqüências o existencialismo niilista de Heidegger, que o autor alemão, ao final da vida, tentou amenizar ou desvencilhar do de Sartre, com a sua Carta sobre o Humanismo.
No entanto, entre Sein und Zeit de Heidegger e L’Être et le Néant de Sartre há muito mais do que similitudes: o segundo é a conseqüência direta da assunção de algumas das premissas do primeiro. Dirá o autor francês: “O homem é uma paixão inútil”.
A isto nos reduziram essas filosofias. A um non sense cego.
* Bem dizia Chesterton, com seu desconcertante humor, que o materialista é um sujeito que usa o espírito para dizer que só existe a matéria.
Em tempo1: Noutra oportunidade, falaremos sobre o estudo que Heidegger fez sobre a filosofia cristã (Agostinho e Duns Scot).
Em tempo2: Comparemos essas filosofias — em que paradoxalmente só o absurdo pode ter algum sentido — ao Cristianismo e, por conseguinte, a todas as filosofias verdadeiramente cristãs (católicas, portanto). Nestas tudo é prenhe de sentido e significados, tudo é harmonia, tudo é coerência, tudo tem um esteio firme: metafísica, gnosiologia, ética, política, antropologia filosófica, economia, etc.
Bem sabemos que a Cruz tudo atrai para si e a tudo ilumina. E ilumina gloriosamente — inclusive a filosofia.
Num futuro distante, ou quem sabe na eternidade, talvez as principais correntes da filosofia dos séculos XIX e XX sejam vistas como tolas quimeras, como um momento dramático da história humana em que entre a inteligência e as coisas inteligidas e entre a vontade e as coisas queridas interpôs-se um abismo, um negrume, um vazio insuperável — e o homem viu-se apartado de tudo o que, até então, lhe dera algum esteio. Restou-lhe, apenas, a dolorosa imanência do próprio desespero.
Tal solipsismo foi respaldado por filosofias da incerteza, filosofias da angústia, filosofias do voluntarismo, filosofias do imoralismo, filosofias das fantasmagorias do inconsciente, filosofias do materialismo mais tosco*, filosofias do apriorismo transcendental mais absurdo, etc. Enfim, filosofias em que a inteligência humana desfigurou-se, por haver sido despojada do seu natural “habitat”, do seu modo próprio de operação (per abstractionem), como dizia Octavio Derisi, aguerrido tomista argentino sobre quem recebi, nesta semana, dois interessantes emails de leitores do Contra Impugnantes. Este desértico panorama intelectual e espiritual não poderia gerar senão sociedades aterradoramente violentas e individualistas. Sociedades infantilizadas e hiperssexualizadas. Sociedades do mais enfermiço hedonismo. Do mais insano niilismo. Sociedades de um humanismo superficial e politicamente correto. Sociedades de um democratismo daninho e autofágico. Em suma, sociedades, na raiz, liberais, na medida em que o liberalismo é essa caixa aberta de Pandora que, deixando em seu fundo uma esperança nada cristã, liberta e dá voz política a toda a sorte de erros, a pretexto de “liberdade”.
Exemplos do pensar quimérico e irracionalista são, incrivelmente, encontráveis em absolutamente todos os mais incensados pensadores dos últimos 150 anos. Quando Heidegger nos diz, por exemplo, que o Dasein (o ente humano) só tem a notícia de si a partir da angústia de saber-se para o nada e para a morte, e que somente a angústia nos retira da existência (ou “ec-sistência”) banal e nos insere na existência autêntica, está proclamando, com sua terminologia sui generis, o seguinte: é o nada que fundamenta o ser, particularmente o ser do ente humano — um tipo de ente que possuiria uma espécie antevisão desse “nada” fundamentador, e daí lhe adviria o que o filósofo alemão chama de “cuidado”: um projeto existencial cuja bússola é, tão-somente, a angústia. Em síntese, a última trama da existência do Dasein é, como diz o mesmo Derisi em seu Tratado de Existencialismo y Tomismo, uma dialética do tempo, um êxodo em direção a um futuro que se vai “nadificando”, até que o nada final da morte se apresente como o cume da existência, em sua totalidade. Uma existência breve e, essencialmente, solitária.
Heidegger teve décadas para concluir a propalada “ontologia fundamental” de sua obra máxima, Ser e Tempo. Não o fez. E não o fez porque, a meu ver, partindo de premissas tais, não haveria solução possível para uma série de aporias desse sistema cujo ápice só pode ser o seguinte: a auto-afirmação tirânica de uma existência angustiosa. Existência angustiosa e carente de um sentido maior. Sim, pois se somos um “quase-nada” entre dois nadas absolutos, e não havendo nada no ser para além do tempo, só restará ao Dasein um ativismo cego. Um agir baseado numa não-ética.
A “base” gnosiológica para essa estranha epopéia de Heidegger (mais poética do que, propriamente, filosófica) é o “ir às coisas mesmas” de Husserl. Ou seja: é o método fenomenológico da intuição pré-intelectiva, para o qual — como temos dito reiteradas vezes — não há a mais remota evidência, o menor argumento razoável que se possa aduzir. A propósito, é dessa mesma “base” que se vai valer Sartre para levar às últimas conseqüências o existencialismo niilista de Heidegger, que o autor alemão, ao final da vida, tentou amenizar ou desvencilhar do de Sartre, com a sua Carta sobre o Humanismo.
No entanto, entre Sein und Zeit de Heidegger e L’Être et le Néant de Sartre há muito mais do que similitudes: o segundo é a conseqüência direta da assunção de algumas das premissas do primeiro. Dirá o autor francês: “O homem é uma paixão inútil”.
A isto nos reduziram essas filosofias. A um non sense cego.
* Bem dizia Chesterton, com seu desconcertante humor, que o materialista é um sujeito que usa o espírito para dizer que só existe a matéria.
Em tempo1: Noutra oportunidade, falaremos sobre o estudo que Heidegger fez sobre a filosofia cristã (Agostinho e Duns Scot).
Em tempo2: Comparemos essas filosofias — em que paradoxalmente só o absurdo pode ter algum sentido — ao Cristianismo e, por conseguinte, a todas as filosofias verdadeiramente cristãs (católicas, portanto). Nestas tudo é prenhe de sentido e significados, tudo é harmonia, tudo é coerência, tudo tem um esteio firme: metafísica, gnosiologia, ética, política, antropologia filosófica, economia, etc.
Bem sabemos que a Cruz tudo atrai para si e a tudo ilumina. E ilumina gloriosamente — inclusive a filosofia.