quinta-feira, 1 de junho de 2017

A valentia neurótica


Sidney Silveira

Nada mais distante da virtude da fortaleza que a valentia, entendida como mescla de jactância, audácia imprudente, falta de temor, presunção, ambição desmedida e vanglória. Em breves palavras, a valentia é uma espécie de sucumbência a pavorosos estados psíquicos, dos quais é quase impossível a pessoa sair depois de enredar-se neles. Como conformador da alma de todo ferrabrás, de todo bravateador, de todo rufião está o que alguns escolásticos chamavam de pusillo animo, ou seja, o espírito pusilânime. Trata-se, pois, de criaturazinhas de ânimo apoucado que se imaginam super-heróis a defenderem o bem, a verdade, a justiça e – valha-nos Deus! – até a religião.

Com grande acuidade, Santo Tomás de Aquino afirmava que a virtude da fortaleza tem dois movimentos principais: atacar moderadamente (moderate aggredi) e resistir (sustinere).[1] Ao contrário do valentão que tem por hábito perder-se numa barafunda de contendas, de rixas, de debates infrutíferos levados a cabo de maneira insultuosa e maledicente, o sujeito forte não gasta as suas energias com altercações a respeito de se chove ou se faz sol, nem tenta paranoicamente adivinhar as intenções alheias, quando tem dúvidas. Ele vislumbra com clareza as circunstâncias em que é preciso agir – atacando com moderação os obstáculos ao bem visado em sua ação e resistindo aos males com os quais depara. Ao proceder assim, o forte reprime o temor e modera a audácia, dando-lhes a inteligibilidade sem a qual os atos humanos acabam regidos por perigosas paixões.

A genuína coragem é prudente; a falsa, imprudente. Eis aqui o critério seguro para quem queira aquilatar a real diferença entre o corajoso e o fanfarrão, entre o forte e fraco. Em síntese, os fortes são intrépidos na defesa de bens inegociáveis, mas sempre com prudência; os fracos são intrépidos na defesa dos seus egos cada vez mais hipertrofiados, por ocasião dos debates ilusórios que presumem vencer. Pensam discutir perante sábios na Ágora ateninense, mas estão sozinhos, aprisionados no cenáculo das suas consciências cauterizadas. A precipitação, vício decorrente da imprudência, é a propósito o labirinto do qual esses pobres-diabos não conseguem sair, o que faz deles verdadeiros profissionais da murmuração, da calúnia, do embuste travestido de boas intenções. Neste contexto, mencionemos o que diz Josef Pieper num dos seus escritos sobre as virtudes cardeais: Se o amor é perverso, o temor também o será. Ora, não há amor mais perverso que o da vanglória, filha da soberba; não há medo mais medíocre que o de não receber os aplausos do mundo.

Observe-se aonde leva a falta da virtude da fortaleza: à degradação do caráter.

Vale ainda dizer que a ambição, vício oposto à fortaleza por excesso, é um tipo de avareza espiritual, nas palavras do Dr. Martín Echavarría,[2] porque as honrarias não devem buscar-se por si mesmas; mas para desgraça do fraco é justamente neste terreno pantanoso que ele se afoga. Em brigas nas quais se mete, este frenético ser ambiciona sempre o reconhecimento de alguma platéia. Pois muito bem, a ambição é diametralmente oposta à magnanimidade, virtude considerada por Tomás de Aquino como uma das partes potenciais da fortaleza.[3] Esquadrinhemos, então: a pessoa forte tem o ânimo magno, ou seja, volta-se às coisas grandiosas de maneira ordenada; a pessoa fraca padece de pequenez de ânimo, ainda quando esta sua pusilanimidade se manifesta sob a capa cínica da impertinência.

A valentia neurótica é o retrato fidedigno do mentiroso in actu excercito de enganar-se a si mesmo.

Palmas para ele!


1- Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, II-II, q. 123.
2- Martín Echavarría, Los vicios opuestos a la fortaleza según Tomás de Aquino.
3- Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, II-II, q. 129.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Analogia, instrumento do saber


Sidney Silveira

Dado o modo propriamente humano de conhecer  abstrativo e, por sua natureza, precário, pois nunca esgotamos a inteligibilidade do real , a analogia é o procedimento por excelência das ciências e da filosofia, ainda quando cientistas e filósofos não tenham a menor noção do que venha a ser a analogia, a qual era conhecidíssima de matemáticos e de geômetras desde os tempos dos pitagóricos e de Euclides.

Para o que nos interessa destacar, basta referir o seguinte: para aqueles geniais perscrutadores da natureza das coisas, "logos" era termo designativo de qualquer relação de comensurabilidade entre duas partes homogêneas, ao passo que "analogia" era um "logos" composto, ou seja, a relação de comensurabilidade de duas relações. Portanto, se "logos" implicava uma relação entre apenas dois termos, por sua vez "analogia" exigia pelo menos quatro termos.

Diz o seguinte o filósofo José Miguel Gambra em notável estudo sobre a analogia. Se lembrarmos que a palavra grega "logos" foi traduzida pelos latinos por "ratio", do verbo "reor" (calcular, computar, etc.), assim como por "portio" (que significa "quasi pars", "mensura"), e se também considerarmos que o prefixo latino "pro" pode traduzir o grego "ana", chegaremos a "proportio" para traduzir "analogia". Estamos a falar, pois, de proporções e, portanto, de relações entre semelhanças e dessemelhanças.

Isto é, digamos de maneira sumariíssima, a analogia.

Conhecemos comparando, e comparar não é outra coisa senão mensurar graus de similitudes entre coisas distintas. Em síntese, raciocinar é o modo próprio de o homem investigar a realidade medindo-a em diferentes níveis, por comparação entre termos e conceitos implicados em princípios, premissas e evidências; nas palavras do Aquinate, "compondo e dividindo"  até chegar a conclusões mais ou menos certeiras.

Isto posto, assinala Gambra, aludindo ao neotomista Santiago Ramírez, maior estudioso do tema no século XX, que as ciências e a filosofia não têm como escapar à analogia.

Nós a encontramos em todos os tipos de conhecimento:

> NA FÍSICA, basta pensarmos na lei newtoniana segundo a qual dois corpos se atraem na razão direta de sua massa e na razão inversa ao quadrado da distância entre eles. Temos aqui uma perfeita analogia!

> NO DIREITO, a regra segundo a qual de duas ou mais coisas similares há de fazer-se o mesmo juízo, e não juízos diversos, é uma perfeita analogia!

> NA LÓGICA, se estabelecemos com Santo Tomás que o silogismo dialético está para a opinião assim como o silogismo apodítico está para a ciência, temos uma perfeita analogia.

Gambra enumera outras analogias na arquitetura, na filologia, na biologia, na sociologia, na história, na psicologia, na teologia, na poética e em incontáveis ciências, as mais díspares entre si, para deixar consignado tratar-se de um instrumento inescapável tanto para cientistas como para filósofos.

Pena que a modernidade e a pós-modernidade quase inteiras mataram a aula sobre esta ferramenta tão cara aos escolásticos...

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

HISTÓRIA DO BRASIL SEM MÁSCARAS

AULA 5 no ar!

"O 'esquecimento' do Brasil no começo do século XVI":

http://cursos.contraimpugnantes.com.br/curso/historia-do-brasil-sem-mascaras-aula-5/


As quatro exposições anteriores do curso "HISTÓRIA DO BRASIL SEM MÁSCARAS" podem ser adquiridas em:  

http://cursos.contraimpugnantes.com.br/categoria/historia-do-brasil/

P.S. As aulas são vendidas em separado, a R$ 35 cada. Assim, as pessoas podem ter acesso – se lhes aprouver – apenas àquelas cujo tema for do seu interesse.