domingo, 27 de fevereiro de 2011

"TV" Contra Impugnantes: O pecado de Lúcifer (I)

Sidney Silveira
Enquanto sigo sem tempo para escrever, disponibilizo o primeiro de dois trechos de uma aula em que se fez menção ao pecado de Lúcifer, ou melhor, à indagação de Santo Tomás acerca de como foi possível a uma inteligência tão elevada (como a angélica) errar, querendo ser como Deus. Ou por outra: a) como tal inteligência pôde supor ser possível ser como Deus; b) e, supondo isto, qual a característica de Deus que o anjo caído quis para si...

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Evento de fundação do SPES

Sidney Silveira
Meu querido amigo e companheiro de blog Carlos Nougué participará, neste final de semana, do encontro que demarcará a fundação do Seminário Permanente de Estudos Sociopolíticos Santo Tomás de Aquino - SPES. Infelizmente, desta vez não poderei estar presente em BH com os amigos do Index Bonorvm, que capricharam na organização do evento e na escolha do local, como se pode ser neste link. Quem puder, compareça porque as palestras prometem...

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Uma imagem de Santo Tomás no Museu do Vaticano


Sidney Silveira
Um amigo meu acaba de chegar de Roma, e, em visita ao Museu do Vaticano, tirou a foto acima. Como se trata de imagem pouco conhecida, eu a compartilho com os nossos leitores. Entre outras coisas, vemos a Virgem Maria e, acima dela, a pomba do Espírito Santo. Mais abaixo, Santo Tomás de Aquino e, ao pé dele, Aristóteles...

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

A contemplação das causas

Sidney Silveira

Em seu estupendo Comentário ao Prólogo do Evangelho de S. João, o Aquinate diz que a contemplação do evangelista para escrever aquelas reveladas palavras lidas ao final de toda Missa no rito tridentino (in principio erat Verbum et Verbum erat apud Deum et Deus erat Verbum) foi ampla e perfeita. Ampla porque a contemplação é ampla quando alguém considera todos os efeitos da causa na própria causa. A saber: quando conhece não apenas a essência da causa, mas também a sua virtude, pela qual a causa se estende a muitas coisas. A contemplação joanina foi também perfeita, de acordo com Santo Tomás, porque a contemplação é perfeita quando o que contempla é conduzido e elevado à altura da realidade contemplada. Assim, se João permanecesse em seu ínfimo nível humano, por muito altas que fossem as realidades contempladas por ele, não haveria contemplação perfeita.

Podemos dizer, em sentido análogo, exatamente para o que serve uma grande filosofia: para elevar-nos à contemplação das causas universais do ser e tentar ver tudo nelas, ou a partir delas. Neste sentido é que reiteradas vezes frisamos no Contra Impugnantes a importância da metafísica, sem cujo estudo continuado a filosofia acaba transformando-se numa má gnosiologia, numa antropologia capenga e numa lógica esquizofrênica. E mais: numa teologia abstrusa, como é o caso de todos os modernismos que há 50 anos dominam a cena eclesial. Neste contexto, toda vez que vou a Tomás e volto à nossa realidade, sou tomado por um sentimento de tristeza, ou melhor: pela triste compreensão da situação atual...

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Aos católicos ecumenistas: Lutero visto no inferno!!

Sidney Silveira
A irmã Maria Serafina Micheli, que será beatificada em maio deste ano, teve a visão do terrível heresiarca Martinho Lutero no inferno, padecendo uma pena crudelíssima, acossado por inúmeros demônios... Ao ler a notícia vejo-me compelido a mencionar aqui a doutrina de Santo Tomás segundo a qual a condenação dos réprobos é a manifestação da justiça divina, razão pela qual, embora não devamos querer que ninguém se perca, precisamos ter em mente que a justiça de Deus é justíssima, e por isto é um grande bem. São Francisco de Sales, numa de suas obras, chega a dizer que os bem-aventurados se alegrarão ao contemplar essa justiça, mesmo que a vejam manifestada na condenação de pessoas que na terra foram seus entes queridos, pois a condenação ao inferno daqueles que recusaram em vida o influxo da graça é, também ela, um dos sinais da glória de Deus.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Santo Tomás: autor sistemático

Sidney Silveira
Enquanto sigo absolutamente sem tempo para escrever, disponibilizo um pequenino trechinho de aula, só para não perder o hábito, na "TV" Contra Impugnantes.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Evento no Rio, sábado, dia 19/02

Sidney Silveira
A pedido de Guilherme Chenta, divulgo aqui o evento que acontecerá no próximo sábado (19/02) no Rio de Janeiro, a partir das 9h30min, com a viúva do Prof. Orlando Fedeli, D. Ivone — que falará sobre modéstia cristã. O encontro será na Avenida Rio Branco, 81, 19º andar, na sala Praça XV. Maiores informações podem ser colhidas aqui.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

A Formação do SPES e a 1ª. Conferência da Santa Cruz em BH

Carlos Nougué

No dia 28 de fevereiro próximo, na cidade de Belo Horizonte – MG, será fundado o Seminário Permanente de Estudos Sociopolíticos Santo Tomás De Aquino – Spes, por ocasião da 1ª. Conferência da Santa Cruz com o Index Bonorvm (dias 26-28 do mesmo mês).

Programação da Conferência:

• Santa Missa em intenção do SPES;

• Palestra “O Apocalipse”, por D. Tomás de Aquino;

• Palestra “O Seminário Permanente de Estudos Sociopolíticos Santo Tomás de Aquino”, por Carlos Nougué.

Transcrevemos abaixo o documento de fundação do Spes, com a lista de seus fundadores.

* * *

Seminário Permanente de Estudos Sociopolíticos

Santo Tomás de Aquino

SPES *

“Dizei às nações: O Senhor é rei. [...] / Jubilem todas as árvores das florestas / com a presença do Senhor, que vem, pois Ele vem para governar a terra: julgará o mundo com justiça, e os povos segundo a sua verdade.”

Salmo 95

“Foi-me dado todo o poder no céu e na terra: ide, pois, e instruí todas as nações.”

Nosso Senhor Jesus Cristo,

Evangelho de São Mateus

“Uma coisa é, para o príncipe, servir a Deus na qualidade de indivíduo, e outra fazê-lo na qualidade de príncipe. Como homem, ele o serve vivendo fielmente; como rei, fazendo leis religiosas e sancionando-as com um vigor conveniente. Os reis servem ao Senhor enquanto reis quando fazem por sua causa o que só os reis podem fazer.”

Santo Agostinho,

Carta ao Governador Bonifácio

“É necessário que o fim da multidão humana, que é o mesmo do indivíduo, não seja viver segundo a virtude, mas antes, mediante uma vida virtuosa, alcançar a fruição divina.”

Santo Tomás de Aquino,

De Regimini Principum

“[A Igreja tem em seu poder duas espadas (ou gládios)], a espada espiritual e a espada temporal. Mas esta última deve ser usada para a Igreja, enquanto a primeira deve ser usada pela Igreja. A espiritual deve ser manejada pela mão do sacerdote; a temporal, pela mão dos reis e dos soldados, mas segundo o império e a tolerância do sacerdote. Uma espada deve estar sob a outra espada, e a autoridade temporal deve ser submissa ao poder espiritual.”

Bonifácio VIII,

Unam Sanctam

“O homem é criado para louvar, prestar reverência e servir a Deus nosso Senhor e, mediante isso, salvar sua alma; e as outras coisas sobre a face da terra são criadas para o homem, para que o ajudem a alcançar o fim para o qual é criado. Donde se segue que o homem há de usar delas na mesma medida em que o ajudem a alcançar seu fim, e que ele há de privar-se delas na mesma medida em que dele o afastem.”

Santo Inácio de Loiola,

Exercícios Espirituais

“Se eu conseguir ganhar um rei, terei feito mais pela causa de Deus do que se tivesse pregado centenas ou milhares de missões. O que um soberano tocado pela graça de Deus pode fazer no interesse da Igreja e das almas, milhares de missões jamais o farão.”

Santo Afonso Maria de Ligório,

apud P. Berthe, S. Alphonse

“Para os povos como para os indivíduos, para as sociedades modernas como para as sociedades antigas, para as repúblicas como para as monarquias, não há sob o céu outro nome dado aos homens em que eles possam ser salvos além do nome de Jesus Cristo.”

Cardeal Pie de Poitiers,

Discours au Président de la République (1870)

“Os que no governo dos estados pretendem desconsiderar as leis divinas desviam o poder político de sua própria instituição e da ordem prescrita pela própria natureza.”

Leão XIII,

Libertas Præstantissimum

“Na ordem das doutrinas, [o liberalismo] é pecado grave contra a fé [...]. Na ordem dos fatos, é pecado contra os diversos Mandamentos da Lei de Deus e de sua Igreja.”

D. Félix Sardà i Salvany, Pbro.,

El liberalismo es pecado

“Não, a civilização não está por inventar [...]. Ela já existiu, ela existe: é a civilização cristã, a cidade católica. O que falta é instaurá-la e restaurá-la sem cessar sobre seus fundamentos naturais e divinos contra os ataques sempre renascentes da utopia malsã, da revolta e da impiedade: Omnia instaurare in Christo.”

São Pio X,

Carta sobre Le Sillon.

“No juízo final, Jesus Cristo acusará os que o expulsaram da vida pública e, em razão de tal ultraje, aplicará a mais terrível vingança.”

Pio XI,

Quas Primas

“Nós percebemos a numerosa classe daqueles que consideram os fundamentos especificamente religiosos da civilização cristã [...] sem valor objetivo [para os dias de hoje], mas que gostariam de conservar o brilho exterior dela para manter de pé uma ordem cívica que não poderia passar sem tal. Corpos sem vida, acometidos de paralisia, são eles mesmos incapazes de opor qualquer coisa às forças subversivas do ateísmo.”

Pio XII,

Discurso à União Internacional das Ligas Femininas Católicas

“O leigo, em certo sentido, está mais diretamente interessado no desenvolvimento da realeza social de Nosso Senhor Jesus Cristo, e isso na medida mesma em que se encontra mais engajado que o clérigo na ordem social, na ordem civil, na ordem secular, mais engajado nas coisas sociais, mais diretamente interessado em matéria política.”

Jean Ousset,

Pour qu’Il règne

“Desta primeira verdade de fé, a divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo, segue-se uma segunda: sua Realeza, e especialmente sua Realeza sobre as sociedades, a obediência que devem ter as sociedades à vontade de Jesus Cristo, a submissão que devem ter as leis civis com respeito à lei de Nosso Senhor Jesus Cristo. Mais ainda, Nosso Senhor Jesus Cristo quer que as almas se salvem [...] por uma sociedade civil cristã, plenamente submetida ao Evangelho, que se preste a seu desígnio redentor e que seja seu instrumento temporal.”

Dom Marcel Lefebvre,

Ils l’ont découronné, Du libéralisme à l’apostasie

― La tragédie conciliaire

“Se não é o Príncipe da Paz quem estabelece a ordem da justiça entre os povos por meio dos poderes que comunicou a seu Vigário, será o Príncipe das trevas quem o fará por meio dos poderes que fornecer a seu primogênito, o Anticristo. A instauração de que reino, então, o Concílio Vaticano II tende a preparar com todas as suas forças?”

Padre Álvaro Calderón,

Prometeo ― la religión del hombre

Texto de Fundação

Pelo Reinado Total de Nosso Senhor Jesus Cristo

I. Exposição de Motivos

1. Durante a última campanha eleitoral brasileira para a presidência da República, pudemos todos constatar a falta de unidade entre os católicos com respeito ao voto. Constituíram-se, então, uma larga maioria favorável a dar o voto a Serra como a um “mal menor” e uma minguada minoria favorável ao voto nulo por considerar que havia uma igualdade essencial e prática entre os dois principais candidatos.

2. Não nos importa, aqui e agora, resolver essa delicada questão ― que tem antes que ver com a aplicação prática de princípios doutrinais ―, mas tratar, isto sim, destes mesmos princípios. Ora, como já dizia Aristóteles (cf. Ética a Nicômaco, I, 3, 1094b 21; VI, 4, 1140a 1-2), a política concerne a coisas que, se não são sempre do mesmo modo, têm porém bem mais estabilidade que as ocasionais ou acidentais, razão por que ela pode fundar-se sobre certos princípios (seus e/ou oriundos de uma ciência superior); se assim não fosse, a política não seria ciência. Desse modo, se o Papa São Pio X determinou para tal ou qual eleição o voto católico em candidatos menos indignos, cabe-nos conhecer, sim, as condições concretas ― o contexto ― em razão das quais o determinou, para as podermos comparar com as atuais de nosso país. Mas temos, sobretudo, de conhecer os princípios doutrinais em que se baseava para fazê-lo.

3. Ora, não é difícil saber por que princípios doutrinais se pautava São Pio X. E se o sabemos não podemos senão concluir, segundo tais princípios, que uma coisa é votar num candidato menos indigno, e outra, completamente diferente e indigna do nome católico, é fazê-lo repetindo e propagando ideias perfeitamente anticatólicas como o são as liberais. Vezes sem conta, porém, durante a última campanha eleitoral, ouvimos da boca e lemos pela pena de católicos a defesa (ainda que mitigada) da democracia liberal, regime político condenado, todavia, por todo o magistério da Igreja ― especialmente pelo próprio São Pio X ― até que o câncer humanista que já corroía sua hierarquia atingisse, em seu ponto metastático máximo, o próprio Vigário de Cristo e o Concílio Vaticano II. Repetiam-se infaustamente então argumentos de notórios liberais, como, por exemplo, o de que a democracia liberal é “melhor” ou “menos má” que o comunismo, esquecendo-se de dizer não só que este é rebento daquela e, atualmente, com ela se amalgama, mas que a democracia liberal nasceu e se mantém com um único fim: impedir o Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo, para impedir todo e qualquer Reinado Seu.[1] Não é “só” que seu triste lema, “liberdade, igualdade e fraternidade”, seja um sucedâneo satânico das três virtudes teologais, “Fé, Esperança e Caridade”. É-o, sem dúvida, mas é mais que isso: é a barreira que os poderes infernais e mundanos tentam erguer contra a tripla petição que o nosso mesmo Senhor nos prescreveu: “Sic ergo vos orabitis a) santificado seja o Vosso nome; b) venha a nós o Vosso reino; c) seja feita a Vossa vontade assim na terra como no céu”.[2]

4. Pois bem, constituímos o Seminário Permanente de Estudos Sociopolíticos Santo Tomás de AquinoSPES ― exatamente para o mais amplo estudo e divulgação da doutrina católica prescrita por Nosso Senhor em seu Pater e desenvolvida pelo magistério da Igreja e pelos Doutores católicos (em especial o Comum, Santo Tomás de Aquino), doutrina segundo a qual:

• Tudo neste mundo ― cada indivíduo humano, cada cidade, as ciências, as artes, a política, a vida econômica, etc. ― deve ordenar-se essencialmente ao fim último do homem e do universo ― Deus mesmo ―, servindo cada fim intermediário, nesta ordenação essencial, precisamente de meio para a consecução do fim último;

• Ora, tal ordenação essencial de tudo ao fim último universal assumiu ― em razão da própria história humana, que começa com o estado de justiça original e, passando pelo pecado de nossos primeiros pais e pela queda da natureza específica do homem, atinge sua consumação com a Redenção propiciada pela Paixão na Cruz ―, assumiu, pois, a forma concreta de ordenação a Nosso Senhor Jesus Cristo e a Seu reino assim na terra como no céu. O Reino de Cristo não é, pois, senão o mesmo Reino de Deus que, vertido do flanco de nosso Salvador, se constituiu em Igreja Católica. Esta mesma Igreja Católica de que não só faz parte o conjunto de seus sacerdotes e fiéis ― na terra, no purgatório, ou já no céu ―, mas de que também fizeram parte, de modo particular, as próprias nações cristãs, as que constituíram a hoje extinta Cristandade. Esta mesma Igreja Católica que, ao fim dos tempos, se transmutará gloriosamente na definitiva Jerusalém Celeste;

• Por isso mesmo, ou seja, porque fora da Igreja Católica não há salvação para os indivíduos humanos nem para suas cidades, por isso mesmo é que não há meio-termo: ou os indivíduos humanos e suas cidades fazem parte do Reino de Cristo e vivem sob Seu Reinado, ou se transformam em pasto dos demônios. Tercium non datur. Mas de onde advém tal oniabrangente realeza, ante a qual todo joelho se há de dobrar para que toda língua a possa louvar dignamente? Antes de tudo, do simples fato de que não pode haver exceção ali onde Deus não deixou nenhum lugar para ela. Mas por que não o deixou? Porque não pode haver exceção com respeito àquele que é o Rei universal, e que o é a triplo título: a) por direito de nascimento ou geração eterna, a do Verbo, que é o alfa e o ômega de toda a criação; b) por direito de natureza por sua União Hipostática; e c) por direito de conquista, de redenção, de resgate do gênero humano por sua Paixão e Morte na Cruz. Disse-o o mesmo Jesus: “Omnia potestas data es mihi in cœlo et in terra” (“Foi-me dado todo o poder no céu e na terra”) (Mt 28, 18). E concluiu São João: “Todo espírito que dissolve Jesus Cristo não é de Deus, mas é justamente esse Anticristo de que ouvistes que está para chegar e que no presente já se acha no mundo”... (1Jo 4, 3);

• E foi ainda Nosso Senhor quem, respondendo à pergunta de Pilatos: “Ergo rex es tu?” (“Então tu és rei?”), o confirmou: “Tu o disseste” (cf. Mt 27, 11; Mc 15, 2; Lc, 23, 3; Jo 18, 33-34). Mas não disse Cristo também que seu reino não era deste mundo, e que se devia dar a César o que é de César? Não indicariam essas duas afirmações, respectivamente, uma autonomia essencial deste mundo com respeito ao Reino de Cristo e uma divisão essencial entre as duas ordens terrestres, a civil ou temporal e a eclesiástica ou espiritual? De modo algum, porque: a) se não é “deste mundo”, é por isso mesmo que a Realeza de Cristo se exerce, e plenamente, “sobre este mundo”; e b) se é verdade que Cristo estabeleceu a distinção entre jurisdição civil e jurisdição eclesiástica, com o que resolvia graves dilemas pagãos como o de Platão em busca da república ideal, também é verdade, porém, que distinção não implica necessariamente ausência de subordinação, e de subordinação essencial. Com efeito, como disse Santo Tomás de Aquino, a ordem temporal está para a ordem espiritual assim como o corpo está para a alma no homem; assim como a natureza está para a graça no justo; e assim como a razão está para a fé na sacra teologia.[3] E, acrescentaria o Cardeal Pie de Poitiers, assim como a natureza humana de Cristo está para sua natureza divina.[4] Em suma: a ordem temporal, conquanto distinta da ordem espiritual, a ela se subordina não acidental nem indiretamente, mas essencialmente;

• Por fim, é dever ineludível de todo católico confessar ou professar aquilo que até o Concílio Vaticano II o Magistério eclesiástico sempre sustentou, quer insistindo na posse pela Igreja dos dois gládios (o temporal e o espiritual), quer, com São Pio X, convocando todos a “instaurare omnia in Christo (“instaurar todas as coisas em Cristo”), quer pondo a pedra angular da doutrina ― na qual já tanto insistira o Cardeal Pie de Poitiers ― com a Quas Primas de Pio XI: “é evidente que também em sentido próprio e estrito pertence a Cristo como homem o título e a potestade de Rei”; “a força e a natureza deste principado [consistem] num triplo poder”: legislativo, judicial e executivo; e “o principado de nosso Redentor compreende todos os homens […]. ‘Sua autoridade, com efeito [diz Leão XIII em Annum Sacrum], não se estende somente aos povos que professam a fé católica […] a humanidade toda está realmente sob o poder de Jesus Cristo.’ E neste ponto não há diferença alguma entre os indivíduos e as sociedades domésticas e civis”. Ou seja: a Realeza de Cristo é Total, e cada católico tem o imperioso dever de professá-la, sem atenuações, segundo seu estado e capacidade.

II. Ainda é factível, nos dias de hoje, a instauração

do reinado social de Nosso Senhor Jesus Cristo?

5. Não só já se passou muito tempo desde que o Cardeal Pie de Poitiers, o Papa São Pio X e o Papa Pio XI escreveram o que se leu acima, e não só desde então se estendeu a tal ponto a democracia liberal e suas ervas daninhas, que hoje até a maioria dos próprios batizados na Igreja Católica aceita o sexo livre, o divórcio, os métodos contraceptivos antinaturais, etc. Muito mais que tudo isso: entre aqueles tempos e os dias de hoje ocorreu o que, com a clareza e firmeza de sempre, Dom Marcel Lefebvre chamou de “golpe de mestre de Satanás”: a abominação, a desolação do Concílio Vaticano II e de sua perpetuação pelo magistério dos Papas que o seguem, incluído o atual, cuja “hermenêutica da continuidade” entre a tradição e o Concílio não passa de uma das vertentes ― talvez a mais perigosa, por mais enganosa ― do câncer que tomou quase toda a hierarquia da Igreja. Não necessitamos aqui, nem é o objetivo precípuo de nosso SPES, estudar em si este fenômeno dramático e como que apocalíptico. Além de muitos outros, já o fez à perfeição o mesmo Dom Lefebvre, e já o fez, especialmente, o Padre Álvaro Calderón (da FSSPX) nos livros A Candeia Debaixo do Alqueire..., Prometeo ― la religión del hombre e El Reino de Dios en el Concilio Vaticano II (este ainda por publicar). A suas conclusões aderimos inteiramente. Mas necessitamos, sim, afirmar aqui que aparentemente já estamos na etapa da chamada Sétima Igreja, ou seja, na do fim dos tempos ― o que se deve precisamente, em boa parte, ao que vem ocorrendo na Igreja desde o Concílio Vaticano II.[5] Não que a origem deste câncer seja recente; ela remonta à própria Idade Média, à filosofia e teologia de um Duns Scot ou de um Guilherme de Ockham, à já então progressiva rebelião dos poderes temporais contra o Papado, à revolta humanista da carne contra as exigências do espírito, etc. Mas o fato é que, como dito, o ponto máximo de sua metástase é atingido com o referido Concílio, o que fez cair sobre os católicos que lutam pelo Reinado Total de Nosso Senhor Jesus Cristo uma nova e pesadíssima realidade: agora eles têm de lutar não só contra o demônio, o mundo e a carne, mas também contra a própria maioria da hierarquia da Igreja, que no Concílio Vaticano II firmou um pacto de morte justamente com os nossos próprios inimigos.

6. Mas uma coisa é afirmar que, dada a apostasia geral das nações e a quase geral apostasia da própria hierarquia da Igreja, aparentemente estamos na etapa da Sétima Igreja, e outra é dar a esta afirmação valor de certeza ― até porque há verdadeiras autoridades, como Dom Williamson, Bispo da FSSPX, para as quais ainda não atingimos tal etapa. Não o devemos fazer, nem, muito menos, podemos descrever concretamente todos os passos que vão dar-se até a Parusia.[6] Como quer que seja, porém, estejamos efetivamente ou não na etapa da Sétima Igreja, e, caso estejamos, seja qual for o tempo que nos separa da Parusia, a verdade é que jamais podemos deixar de aderir interiormente à Realeza Total (incluída a Social) de Jesus Cristo, nem de confessá-la publicamente, até para não suceder que, de tanto a omitirmos, acabemos nós mesmos por negá-la. Sim, porque é como uma lei: quem não vive tal como pensa, acaba por pensar tal como vive.

7. Que implica, porém, efetivamente, este dever de confessar publicamente a Realeza Total de Cristo? Como tal confissão é parte da nossa profissão global da fé, vejamos como explica Santo Tomás de Aquino (in Suma Teológica, II-II, q. 3, a. 2) o preceito de professar exterior e abertamente a fé cristã. Devemos, segundo o Aquinate, considerá-lo por dois ângulos. Enquanto tal preceito implica uma proibição, sua obrigação é de todos os momentos e de todas as situações da vida: nunca é permitido ao católico fazer qualquer coisa, ou dizer qualquer coisa, ou escrever qualquer coisa que seja uma negação de sua crença. Enquanto porém implica um ato positivo, o preceito, conquanto permanente e contínuo, não obriga o católico a professar sua fé a todo momento e em todo lugar. Ou seja, fazê-lo a todo momento e em todo lugar não é necessário para sua salvação. No entanto, o que, sim, é necessário para sua salvação é professá-la na devida hora e lugar, quer dizer, quando por omissão da declaração de sua crença o católico deixasse de prestar a honra devida a Deus ou deixasse de concorrer para a utilidade espiritual do próximo; como se, por exemplo, ao ser interrogado sobre sua fé, ele se calasse, podendo resultar desse silêncio, para o próximo, ou a conclusão de que a fé não é verdadeira, ou a perda dela ou a desistência de abraçá-la. Como seja, o fato é que não nos basta a adesão interior à verdade divina, incluída a Realeza Total de Cristo; é-nos de preceito confessá-la exteriormente pelo menos nas condições indicadas por Santo Tomás. E são de Nosso Senhor mesmo estes inequívocos dizeres: “Todo aquele que não me tiver confessado diante dos homens, o Filho do homem tampouco o confessará diante dos anjos de Deus. E aquele que me tiver negado diante dos homens, esse será negado diante dos anjos de Deus” (Lc 12, 8-9).

8. Além do mais, ainda que estejamos marchando para o fim dos tempos e que não possamos tornar a instaurar, efetivamente, tudo em Cristo, devemos imbuir-nos profundamente das seguintes palavras do Cardeal Pie de Poitiers, escritas há cerca de um século e meio, e que citaremos extensamente: lutemos “com esperança contra a esperança mesma. Pois quero falar a esses cristãos pusilânimes, a esses cristãos que se fazem escravos da popularidade, adoradores do sucesso, e que são desconcertados pelo menor progresso do mal. Ah! afetáveis como eles são, praza a Deus que as angústias da provação derradeira sejam mitigadas! Esta provação está próxima ou está distante? Ninguém o sabe [...]. Mas o certo é que, à medida que o mundo se aproxime de seu termo, os maus e os sedutores terão cada vez mais vantagem. Já quase não se encontrará fé sobre a face da terra, ou seja, ela terá desaparecido quase completamente de todas as instituições terrestres. Os próprios crentes mal ousarão fazer uma profissão pública e social de suas crenças. A cisão, a separação, o divórcio das sociedades com Deus, o que é dado por São Paulo como sinal precursor do fim, ‘nisi venerit discessio primum’, ir-se-á consumando, dia após dia. A Igreja, sociedade sem dúvida sempre visível, será cada vez mais reduzida a proporções simplesmente individuais e domésticas. Ela, que dizia em seus começos: O lugar me é estreito, abre-me um espaço em que eu possa habitar: Angustus mihi locus, fac spatium ut habitem, ela se verá disputar o terreno palmo a palmo, ela será cercada, encerrada por todos os lados: tanto quanto os séculos a tinham feito grande, tanto se aplicarão muitos agora a restringi-la. Enfim, haverá para a Igreja da terra uma como verdadeira derrota, e será dado à Besta mover guerra contra os santos e vencê-los. A insolência do mal atingirá o ápice.

“Ora, nesse extremo das coisas, nesse estado desesperado, neste globo entregue ao triunfo do mal e que logo será invadido pelas chamas, o que deverão fazer todos os verdadeiros cristãos, todos os bons, todos os santos, todos os homens de fé e de coragem?

“Aferrando-se a uma impossibilidade mais palpável que nunca, eles dirão com energia redobrada e tanto pelo ardor de suas preces como pela atividade de suas obras e pela intrepidez de suas lutas: Ó Deus! Pai nosso que estais no céu, santificado seja o vosso nome assim na terra como no céu; venha a nós o vosso reino assim na terra como no céu; seja feita a vossa vontade assim na a terra como no céu! Eles murmurarão ainda estas palavras, e a terra tremerá sob seus pés. E, assim como outrora, em seguida a um espantoso desastre, se viu todo o senado de Roma e todas as ordens do Estado ir ao encontro do cônsul vencido, e felicitá-lo por não se ter desesperado da república, assim também o senado dos céus, todos os coros dos anjos, todas as ordens dos bem-aventurados virão ter com os generosos atletas que terão sustentado o combate até o fim, esperando contra a esperança mesma: contra spem in spem. E então este ideal impossível, que todos os eleitos de todos os séculos tinham obstinadamente perseguido, se tornará enfim uma realidade. Neste segundo e derradeiro advento, o Filho entregará o Reino deste mundo a Deus seu Pai, e o poder do mal terá sido evacuado, para sempre, para o fundo dos abismos; todo aquele que não tiver querido assimilar-se, incorporar-se a Deus por Jesus Cristo, pela fé, pelo amor, pela observância da lei será relegado à cloaca das imundícies eternas. E Deus viverá e reinará plenamente e eternamente, não apenas na unidade de sua natureza e na sociedade das três pessoas divinas, mas na plenitude do corpo místico de seu Filho encarnado e na consumação dos santos!” (Œuvres sacerdotales, III, 527-528-529).

III. Que somos e como atuaremos

9. Somos um grupo de leigos que constituímos o Seminário Permanente de Estudos Sociopolíticos Santo Tomás de Aquino ― SPES em concordância com todos os princípios acima expostos e tendo em vista os seguintes objetivos:

• antes de tudo, o de estudarmos nós mesmos a doutrina da Igreja e de seus principais Doutores sobre a Realeza Total de Nosso Senhor Jesus Cristo;

• mas também o de a divulgarmos mediante cursos, palestras, grupos de estudo, vídeos, livros, textos e este mesmo site a quaisquer pessoas que o desejarem.

10. Somos dirigidos teológica e espiritualmente, neste empreendimento, por Dom Tomás de Aquino, prior do Mosteiro da Santa Cruz (Nova Friburgo, RJ).

Que Nosso Senhor Jesus Cristo nos dê a força necessária para nunca cedermos ante as pressões de um mundo iníquo e apóstata, e nunca deixarmos de arvorar o estandarte de sua Realeza excelsa e única.

Fundadores

Frederico de Castro (coordenador geral) (Belo Horizonte, MG)

Gederson Falcometa (Belo Horizonte, MG)

José Carlos Gimberreis (Belo Horizonte, MG)

Renato Salles (Belo Horizonte, MG)

Marcel Assunção Barboza (Campo Grande, MS)

Euro B. de Barros (Corumbá de Goiás, GO)

Gustavo Barreto (Montreal, Canadá)

Carlos Nougué (Nova Friburgo, RJ)

Wellington Nery (Nova Friburgo, RJ)

Bruno Bertolli (Presidente Prudente, SP)

Paulo A. Hernandez (Rio de Janeiro, RJ)

Sidney Silveira (Rio de Janeiro, RJ)

Stefano Pasini (Salvador, BA)

Luiz Paulo de Alcantara (São Paulo, SP)

“Se estais condenados a ver o triunfo do mal, nunca o aplaudais; nunca digais do mal ‘isso é bom’; nunca digais da decadência ‘isso é progresso’; nunca digais da noite ‘isso é luz’; nunca digais da morte ‘isso é vida’.”

Cardeal Pie de Poitiers



* A palavra latina spes, ei tem por equivalente em português “esperança”. A Esperança é uma das três virtudes teologais; as outras duas são a Fé e a Caridade.

[1] “A democracia é uma religião mais universal que a Igreja [...]. Resulta do grande movimento de apostasia organizado em todos os países para o estabelecimento de uma Igreja Universal que não terá dogmas, nem hierarquia, nem regra para o espírito, nem freio para as paixões” (São Pio X, Carta sobre Le Sillon).

[2] “O reino visível de Deus sobre a terra é o reino de seu Filho encarnado, e o reino visível de Deus encarnado é o reino permanente de sua Igreja” (Cardeal Pie de Poitiers, Œuvres sacerdotales, III, 501). Sobre esta identidade dos três reinos: o reino de Deus, o reino de Nosso Senhor Jesus Cristo e o reino da Igreja, cf. ainda Cardeal Pie de Poitiers, Œuvres sacerdotales: I, 143-144, 317 a 320, 381, 499-500.

[3] Para este tema, cf. muito especialmente Padre Álvaro Calderón, La Ciudad de Dios en el Concilio Vaticano II (primeira versão, em PDF), pp. 16-24. Quanto ao próprio Santo Tomás de Aquino, cf. Suma Teológica, II-II, q. 60, a 6; De Regimini Principum, liv. I, cap. 15, e In II Sententiarum, dist. 44, q 1, a 3, ad 5 et corpus; In II Sententiarum, dist. 44, Suma Teológica, I, q 1, a 4, e Suma contra os Gentios, liv. 4, cap. 72, n. 10.

[4] Para esta tese do Cardeal Pie de Poitiers, cf. especialmente a Lettre à M. le ministre de l’instruction publique et des cultes (16 de junho de 1861) e a Troisième instruction synodale sur les principales erreurs du temps présent.

[5] Que sinal temos disto? Diz-nos o próprio Cristo: “a abominação da desolação instalada no Lugar Santo” (cf. Mt 24, 1-14; Mc 13, 1-3; Lc 21, 5-7).

[6] Sobre a incerteza da hora do juízo, cf., por exemplo, Mateus, 24, 36-44.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Inteligência inerme

Sidney Silveira

A genuína vida intelectual é uma luta constante pela verdade. E não poderia ser diferente, porque a verdade precisa ser conquistada pela inteligência humana, que ao contrário da angélica não possui a clara visão da essência dos entes num só ato. Explico-me: em cada ordem de conhecimentos, é evidente que precisamos compor e dividir raciocínios, analisar e sintetizar, até chegar ao conceito, ao verbo mental que em nossa inteligência se identifica com a essência da coisa conhecida. Os anjos, por sua vez, num só ato da inteligência esgotam totalmente a essência da coisa conhecida, e isto sem raciocinar, sem fazer silogismos, sem aventar premissas ou elaborar proposições, pois se trata de uma inteligência absolutamente intuitiva. Em suma, a verdade lhes é mostrada intuitivamente num só ato da inteligência, e não demonstrada racionalmente em atos distintos, como ocorre conosco.

De acordo com o Doutor Angélico, ao contemplar qualquer ente composto de matéria e forma, um anjo conhece-o em sua completude, ou seja, conhece tanto a essência da coisa como todos os seus acidentes individuantes. No anjo, viver é entender, pois as species intelligibilis já estão todas impressas em sua inteligência, e ele apenas as atualiza ao contemplar as coisas.* Este é, a propósito, um sinal distintivo da excelência de sua natureza.

Ora, justamente porque a verdade precisa ser conquistada por nós, e com grande dificuldade (pois a nossa inteligência é passível de erro), todo homem que a ama acaba vendo-se, mais cedo ou mais tarde, na contingência de defendê-la, e, nesta defesa, há de fazer inimigos. Querem, pois, saber se alguém é um intelectual de araque ou não? Procurem ver se tem adversários e, tendo-os, qual a sua real estatura. Divisar isto é difícil, pois muitas vezes o verdadeiro homem de idéias se confunde com o embusteiro polemista: este último é um ardiloso vencedor de pequenas disputas lógicas, e busca o combate de forma patológica, doentia, pois quer sair-se vencendor aos olhos do mundo; o outro só busca o confronto quando evitá-lo seria dar margem a erros funestos, dado que quer sinceramente ver a verdade triunfar, pois sabe, com Santo Agostinho, que “a verdade não é minha nem tua, para que seja nossa”. Ele sabe também que nenhuma civilização pode construir-se à margem da verdade, daí que defendê-la seja um ofício nobilísissimo, embora para exercê-lo seja preciso estar imbuído de um real espírito de sacrifício e abnegação.

Ora, se essa luta é importantíssima no plano natural, o será ainda mais se se tratar das verdades da fé, pois estas provêm de fonte sobrenatural: Deus mesmo. Pois bem, se de fato não há propriamente civilização onde não existem homens reunidos em torno da verdade, muito menos a haverá se por desventura a Verdade que é a fonte de todas as verdades estiver ausente da Pólis. Daí que a teoria dos dois gládios, ensinada magisterialmente por Bonifácio VIII, seja tão importante, na medida em que propõe o seguinte: o combate deve dar-se nos planos material e espiritual. No material, com a luta pelo estabelecimento de um Estado que esteja sob a sombra benemerente das verdades e da lei do Evangelho; no plano espiritual, combatendo seitas e falsas religiões que não apenas afastam o homem de Deus, mas principalmente põem-no sob o risco de perder a sua alma e de construir temporalmente uma Pólis satânica, a Cidade do Pecado, onde as almas são carniça do demônio, a corrupção é a norma e a virtude só pode ser exercida pelos Santos e mártires.

A propósito, foi com o sangue e a virtude heróica dos mártires que o Cristianismo logrou, providencialmente, a propagação do Evanvelho a todas as gentes. Hoje esse sangue santamente vertido é jogado no esgoto pelos ecumenistas da Igreja mainstream, que estão sempre a tentar acordos cada vez mais escandalosos entre Cristo e Belial. A situação atual me faz lembrar do famoso livro de Marcel de Corte chamado A Inteligência em Perigo de Morte, escrito há algumas décadas, pois hoje tal título parece já bastante desatualizado: a inteligência humana jaz na vala comum do mundo liberal-maçônico, anticatólico, que dá à Serpente a mais ilimitada liberdade de ação e de expressão...

* Esta é a razão por que os anjos não altercam entre si a respeito da verdade dos entes, pois todos conhecem as coisas naturais perfeitamente. É claro que tal conhecimento não é instantâneo, como o de Deus, mas sucessivo (tem um antes e um depois), e, além disso, há conteúdos inteligíveis sobrenaturais revelados por Deus que uns anjos possuem e outros não, de acordo com o Aquinate. Ademais, tanto mais perfeita será uma inteligência angélica quanto mais a sua forma estiver próxima de Deus, pois neste caso conhecerá qualitativamente melhor as coisas (que são efeitos da causa primeira), por conhecerem mais aspectos da Causa causarum.

O livro do Prof. Fedeli

Sidney Silveira
Chegou-me ontem pelo correio o livro do Prof. Orlando Fedeli Antropoteísmo - A Religião do Homem, presenteado gentilmente por Guilherme Chenta (o livro pode ser adquirido aqui). Folheei algumas páginas bem interessantes sobre a gnose e o panteísmo, que são, de acordo com a tese defendida por Fedeli, os dois pilares dessa visão pseudo-religiosa que atravessa "o rio cársico" da história com a pretensão de divinizar o homem, e isto em duas vertentes: a panteísta divinizando o corpo e a matéria, e a gnóstica divinizando a alma e o espírito... Lerei-o por inteiro na próxima semana.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Prof. Angueth: cama motorizada comprada!

Sidney Silveira
Fiquei muito feliz de saber hoje que o Prof. Angueth conseguiu a cama hospitalar motorizada de que precisava, para restabelecer-se bem. A todos os que souberam do fato pelo Contra Impugnantes e procuraram de alguma forma ajudar o nosso amigo, agradecemos penhoradamente. Um grande abraço, caríssimo Angueth, e que Deus lhe ajude a superar este obstáculo.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

A morte

Este pequeno artigo foi publicado há uns cinco anos numa coletânea de estudos medievais. Era parte de um texto maior, assinado em conjunto com o meu querido irmão Ricardo; ele abordava o tema na perspectiva histórica, enquanto eu o fazia a partir da doutrina de Santo Tomás. O texto é basicamente o original, sem as pequenas e inadvertidas mudanças feitas pelo editor do livro... De toda forma, como se tratava de algo que, por restrição de espaço, fui cortando, cortando, cortando, agora relendo o texto ele me pareceu truncado e um tanto obscuro em algumas partes. Mas compartilho-o assim mesmo, até porque por estes dias estou sem tempo para escrever.

A MORTE NA PERSPECTIVA DE SANTO TOMÁS

("A maior perfeição de cada coisa consiste não apenas em ser boa em si, mas em causar a bondade nas outras coisas” - Tomás de Aquino, De unitate intellectus, V, 111) [1]

Sidney Silveira

No estudo intitulado “Tomás de Aquino e o nosso tempo: o problema do fim do homem”, o filósofo Henrique C. de Lima Vaz adverte que a interpretação de uma experiência que encontrou a sua expressão teórica em textos do passado supõe a possibilidade de referir essa mesma experiência — e também a sua expressão — ao presente, no ato da leitura.[2] No caso de Tomás de Aquino (1225-1274), além dos problemas de hermenêutica suscitados pela tentativa de interpretação de escritos compostos em época tão distante da nossa, uma atitude de prudência é aconselhável se nos aproximamos do Doutor Angélico com o propósito de vislumbrar a harmoniosa justaposição dos elementos de seu vasto sistema, no qual cada parte se ordena e é proporcionada a um fim específico, e cada um desses fins, por sua vez, conduz a outros, no horizonte metafísico que tem Deus como princípio e fim último de todos os entes. Convém, como metodologia, seguir o conselho do próprio Tomás, que em seu pequeno texto De modo studendi recomenda: os estudiosos não devem pronunciar-se de forma apressada acerca do que pesquisam [3]; quem não põe em prática este conselho corre o risco de não cumprir a vocação à sabedoria própria da natureza racional do homem, pois, como nos lembra Aristóteles (384 a.C – 322 a. C), logo na primeira frase da sua Metafísica, os homens desejam, naturalmente, saber. [4]

Este pequeno estudo sobre a morte em Tomás de Aquino parte de duas linhas mestras orientadoras. A primeira, no movimento que o teólogo dominicano M-D Chenu apontou no plano da Suma Teológica: a Prima Pars trata da proveniência das coisas a partir de Deus; a Secunda Pars refere-se ao retorno de tudo ao seu princípio criador e ordenador, ou seja, o próprio Deus; e a Tertia Pars estuda as condições cristãs para esse retorno, no caso particular do homem[5]. O exemplarismo divino e o retorno da imagem (homem) ao seu modelo (Deus) constituem o eixo dos escritos morais de Santo Tomás, e frise-se aqui que o ato propriamente humano, para o Aquinate, é orientado pela vontade, [6] a qual por sua vez é movida primacialmente pela razão, ou, nas palavras do Aquinate, pela ratio boni.[7] Ora, como é natural no homem agir com algum grau de conhecimento do fim pelo qual age, de qualquer um dos seus atos só poderá dizer-se “bom” ou “mau” quando for voluntário, pois uma ação involuntária — não movida pelo apetite racional, expressão com que Santo Tomás designa a vontade — só pode ser considerada mal moral por analogia.[8] E aqui nos deparamos com a segunda linha mestra: a da morte humana como conseqüência do mal moral que a tradição judaico-cristã convencionou chamar de “pecado”, o qual é sempre uma livre escolha, pois requer o concurso da vontade e da razão.

Para Santo Tomás, a vida eterna não é outra coisa senão a própria bem-aventurança[9] à qual o homem foi destinado por Deus, mas, para alcançá-la, requer-se da criatura racional a retidão da vontade,[10] que tem a sua consecução nos atos livres — e por isso o Aquinate afirma que é essencial para qualquer pena ser contrária à vontade do infrator[11], e, por conseguinte, à liberdade que é o seu sucedâneo.[12] No chamado “estado original” ou de “inocência”, ao homem eram concedidos os dons preternaturais que o auxiliavam a evitar o pecado[13] e a cumprir, pelo exercício da liberdade, o seu destino de beatitude eterna, escolhendo os verdadeiros bens — dentre estes a vida, fonte de todos os demais — e afastando-se do mal. Com relação especificamente ao mal, Santo Tomás distingue entre o mal que consiste na privação de uma forma (ato primeiro, que é o simples ato de ser de cada ente) e o mal que consiste na orientação de uma ação (ato segundo, atinente às intenções).[14] A morte corresponde à primeira dessas distinções, referente à privação da forma, pois é ela privação, no corpo humano, da sua forma substancial: a alma. É o chamado “mal de pena”. À segunda distinção corresponde o chamado “mal de culpa”, que é uma desorientação da vontade,[15] ou seja: quando esta escolhe falsos bens, ou bens contingentes, que obstam a verdadeira felicidade, embora sejam sempre portadores de um quantum de prazer e de bem, pois todos os entes, pelo seu radical ato de ser, são portadores de algum bem,[16] sendo este último um dos transcendentais do Ser.

Neste contexto, a vida e a morte do homem são avaliadas a partir do fato de provirem de Deus e a ele retornarem posteriormente. Em termos concretos, o homem vive a partir de sua alma, que é princípio do movimento e primeiro ato natural de um corpo organizado, [17] e esta procede de Deus, [18] que a cria [19] no momento do nascimento e não antes, pois convém a ela estar unida ao corpo.[20] Vivendo a partir de uma alma incorruptível unida a um corpo corruptível, o homem morre, de acordo com Santo Tomás, por ter-se tornado naturalmente incapaz de manter-se no estado de justiça original em que operavam, sob o controle da razão, todas as faculdades de sua alma sem desordem alguma,[21] sendo nesse estado perfeita a ordenação da faculdade intelectiva da alma ao bem supremo, que é Deus. A desordem na vontade e o ofuscamento da razão começam com o pecado. Em suma, o homem tornou-se mortal porque, por sua livre vontade e com pleno entendimento – ou seja, moralmente –, escolheu o erro de querer para si uma falsa autonomia, buscando a felicidade longe da fonte perene de todos os bens possíveis e da própria vida (ou seja, Deus mesmo). Portanto, em certo sentido a morte não seria natural no homem, e o grande Doutor da Igreja salienta isso frisando que a alma racional, de acordo com a sua incorruptibilidade, está adaptada a seu fim específico, que é a bem-aventurança perpétua [22] — a permanência no Ser em grau excelente, sob a luz da glória. Na perspectiva teológica, vale lembrar que é na economia da salvação das almas e de sua recondução a Deus que se insere a encarnação do Verbo, pois é na pessoa do Cristo (que por união hipostática reúne em si as naturezas humana e divina, deificando a carne pela união com o Verbo) [23] que ao homem é dada a oportunidade de recuperar a possibilidade de re-unir-se a Criador.

Uma das dificuldades de abordar em filosofia, e mesmo em teologia, o tema da morte é que se trata do único evento na vida humana não suscetível de se transformar em experiência. Como bem frisara Aristóteles, das recordações nasce a experiência, e muitas recordações de uma mesma coisa chegam a constituir uma experiência.[24] Mas vale indagar: como poderíamos recordar de algo irrepetível, episódio ímpar que a cada um acontece apenas uma vez e, in actu exercito, põe fim à existência? O Padre Henrique de Lima Vaz salienta que duas coisas concorrem para qualquer tipo de conhecimento, e particularmente o filosófico: anámnesis (recordação) e nóesis (pensamento).[25] Por isso, a morte pode tão-somente ser pensada, testemunhada, observada, etc., mas nunca “experienciada, e isto faz dela um mistério para qualquer campo do conhecimento. Na melhor das hipóteses, o homem está condenado a ter um simulacro de experiência da morte a partir da que sobrevém aos seus semelhantes, mas não uma experiência do quid est da morte, de sua essência. Como frisa José Ignácio Murillo, a resposta ao enigma da morte acaba por se dar, em geral, no âmbito da religião.[26] Mas isto não implica dizer que a filosofia não possa dizer nada a respeito do fato inquestionável da finitude da vida. E o Aquinate o faz com grande competência.

Para Santo Tomás, a morte pode ser natural no tocante ao corpo, mas não com respeito à alma. Neste ponto, na tentativa de dimensionar o problema da morte como sendo em primeiro lugar a do corpo, lembremos o seguinte: ontologicamente, o mal físico que decorre da corrupção do corpo e faz o homem sofrer — e cujo grau máximo é a morte, com a conseqüente perda da forma substancial do corpo — não é a negação de um bem possível, mas a privação de um bem natural, isto é, de uma perfeição devida à natureza de determinado ente, como escreve Leonel Franca.[27] Por esta razão, não é um mal físico para uma pedra não ter pernas, pois naturalmente não as tem. Nela, não ter pernas é negação; mas no homem, perder a vida é privação de um bem específico integrante de sua natureza vivente.[28] Para Leonel Franca, a morte não entrou no mundo pela corruptibilidade intrínseca (e filosoficamente inquestionável) da matéria, mas por uma iniciativa infeliz do espírito, o qual perdeu o dom preternatural gratuito, próprio do estado de justiça original, de preservar o corpo da corrupção. “Não foi o corpo que fez pecar o espírito, mas o espírito que fez morrer o corpo”, diz Leonel Franca, citando uma frase conhecida de Étienne Gilson,[29] de nítida orientação tomista.

Com relação à incorruptibilidade da alma espiritual, em contraposição à corruptibilidade material do corpo, Santo Tomás demonstra-a de várias maneiras. Uma delas é a partir da premissa de que nenhuma coisa se corrompe exatamente naquilo em que se aperfeiçoa, porque as mudanças para a perfeição e para a corrupção são contrárias, e a alma humana se aperfeiçoa pela ciência e pela virtude[30], às quais tende por natureza e para as quais o corpo corruptível é apenas um instrumento; isto é um indício de sua incorruptibilidade ontológica. O filósofo medieval também argumenta, contra os que dizem que nenhuma operação pode permanecer na alma separada do corpo, que há operações da alma humana totalmente independentes, como a intelecção e a volição[31]. Para Santo Tomás, o intelecto apreende a coisa abstraindo as quididades sensíveis da matéria, que é princípio da individuação, o que não acontece com os sentidos, pois estes se referem às coisas particulares, e o intelecto alcança os universais pela abstração da matéria individual;[32] por exemplo: a inteligência logra o conceito universal de “homem” e de “cadeira”, enquanto os sentidos captam apenas este homem e esta cadeira. Da total imaterialidade destas duas operações da alma — o entendimento e a vontade —, o Aquinate acaba por conduzir-nos às substâncias separadas da matéria, os anjos.[33] Acerca da existência destas últimas, conclui ele que, se há algo imperfeito em algum gênero, haverá, antes dele, por prioridade de natureza, algo perfeito, pois o mais perfeito tem prioridade sobre o menos perfeito. No caso dos anjos ou substâncias separadas, a operação máxima — que é a intelecção direta das essências — não proviria dos sentidos materiais, pois os anjos não estão substancialmente unidos a nenhum corpo.[34]

Um conjunto de artigos da Suma contra os Gentios conduz à demonstração da incorruptibilidade das substâncias separadas a partir de várias premissas, como por exemplo do fato de serem tais substâncias subsistentes, pois assim como o sensível é objeto próprio dos sentidos, o inteligível é objeto do intelecto, e, num ente sem composição de matéria, como são os anjos, a inteligência não pode fenecer, dada a sua radical imaterialidade. Assinala Tomás de Aquino, neste contexto, que os sentidos podem corromper-se pela excelência do seu objeto, como acontece com o olho humano ao contemplar um objeto excessivamente luminoso; neste caso ele pode cegar. Entretanto, o intelecto jamais se corrompe pela excelência do objeto inteligível, mas, ao contrário, nele aperfeiçoa-se, pois o inteligível é a própria perfeição do intelecto.[35] E este é justamente o caso dos anjos, cujo intelecto tem certa conaturalidade com a essência de todas as coisas criadas.

Como a substância intelectual, no caso do homem, está unida ao corpo, alguns filósofos anteriores ao Aquinate pensaram que todas as operações da alma humana eram comuns às operações do corpo, ou então que a união corpo/alma não era substancial, mas acidental, como Platão nos induz a concluir com a famosa proposição de que a alma se encontra no corpo como o piloto em seu navio e, por isso, a alma apenas servir-se-ia do corpo como faz o piloto com o navio, no sentido de que este o conduz ao seu fim.[36]

Tem-se aqui um esboço sumário da doutrina tomista sobre a morte humana,[37] que parte de uma perspectiva teológica — a da morte como decorrência do pecado original — e se consuma na análise da estrutura ontológica da alma racional, em duas (dentre várias) obras em que Santo Tomás aborda o tema, com diferentes demonstrações acerca da impossibilidade de sua extinção, pelo fato de ser ela intrinsecamente incorruptível e subsistente. Em resumo, fomos criados para ser eternos, ou seja, para participar da eternidade de Deus, e perdemos tal prerrogativa pelo pecado. Por outro lado, mesmo com o advento do pecado, a nossa alma, por ser ontologicamente incorruptível, não pode morrer, não pode ser alijada do ser, a menos que Deus de potentia absoluta a aniquile. A questão é saber se o seu destino final será de beatitude ou de sofrimento eternos. A propósito, com relação ao fim da alma após a morte, Tomás aborda a questão em diferentes escritos, mas se trata de um assunto que faz parte de um tema que foge ao escopo deste breve artigo: o da escatologia.


[1] TOMÁS DE AQUINO, A unidade do intelecto contra os averroístas. Lisboa, Portugal: Edições 70, 1999, p.155.

[2] LIMA VAZ, Henrique Cláudio de. Escritos de Filosofia I – Problemas de Fronteira. São Paulo: Edições Loyola, 1998, p. 37.

[3] Tardiloquum te esse iubeo et tarde ad locutorium accedentem. TOMÁS DE AQUINO – De modo studendi, § 3 (tradução para o português do filósofo Paulo Faitanin [UFF], em versão ainda não editada, gentilmente cedida pelo autor).

[4] ARISTÓTELES, Metafísica, I, 1, 980a., Madrid, Editorial Gredos, 1998, p.2.

[5] Suma Teológica, Biblioteca de Autores Cristianos (BAC). Internet: http://www.dominicos.org/biblioteca/suma/suma1.htm, p. 34 (acesso no dia 25/11/2004). Santiago Ramírez, em outra edição da Suma Teológica da BAC, de modo similar afirma que, na primeira parte da Suma, Tomás de Aquino apresenta Deus como é em si mesmo — uno em essência e trino em pessoas —, além de criador, conservador e governador de todas as coisas; na segunda parte investiga e analisa os meios adequados para conduzir as criaturas racionais e livres à posse do fim último e supremo que é Deus, assim como os obstáculos e tropeços que podem apartá-las desse ditoso fim; e, na terceira parte, assinala o caminho que leva a Deus, na pessoa do Cristo. Vide TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. Salamanca, Espanha: Biblioteca de Autores Cristianos, 1947, Introdução, p.2-3.

[6] Suma Teológica, IªIIª, q. 1. a. 1, Resp.; Suma Teológica, IªIIª, q. 6. a. 1., Resp.

[7] Suma Teológica, IªIIª, q. 9. a. 1. Para Tomás de Aquino, no tocante às suas operações, a vontade, que ontologicamente é perfeita para querer sempre o bem, pode dizer-se imperfeita quando a razão, que a alimenta, está em erro e leva o agente a inclinar-se a um bem (ou falso bem) que lhe seja impróprio (“Praecedit igitur in voluntate peccatum accionis defectus ordinis ad rationem”, Suma Contra os Gentios, III, Cap. 10, 9).

[8] Suma Contra os Gentios, III, Cap. X, 6.

[9] Suma Teológica, I, q. 64. a. 2, Resp.

[10]Suma Teológica, IªIIª, q. 4. a. 4. . Ressalve-se que, embora necessária à beatitude ou bem-aventurança, a reta vontade é apenas um ponto de partida, pois, para Santo Tomás, a bem-aventurança é uma operação da parte intelectiva da alma humana, porque, após alcançá-la, a vontade repousa e como que pára de querer, pois se move buscando o fim somente quando este não está presente. Assim, a essência da bem-aventurança consiste em um ato do entendimento (Suma Teológica, IªIIº q. 3. a. 4), quando a vontade gozosa descansa no fim já conseguido. A infelicidade máxima, em contrapartida, seria a impossibilidade formal de alcançar a bem-aventurança, caso dos demônios e dos condenados à pena eterna, que tanto mais sofrem porque neles ainda permanece a inclinação natural à virtude e o desejo de beatitude. Trata-se do apetite racional do bem associado à impossibilidade de alcançá-lo.Vide Suma Teológica, IªIIº q. 85. a. 2, Ad.3.

[11] Suma Teológica, I, q. 94. a. 3, Resp..

[12] Ao longo da Prima Secundae da Suma, há uma explicação circunstanciada das causas que desembocam no “ato livre”: a razão é causa formal do ato livre humano, enquanto as paixões do apetite sensível influem sobre a maneira pela qual o objeto se apresenta à vontade. Por fim, a vontade é movida em função do fim que persegue, que é a beatitude perfeita, o bem supremo que é Deus. Vide. TORREL. Jean-Pierre, OP. Iniciação a Santo Tomás de Aquino — sua pessoa e sua obra. São Paulo: Edições Loyola. 2004, p. 285.

[13] Suma Teológica, I, q. 94. a. 4.

[13] Suma Teológica, IªIIª, q. 4. a. 4.

[14] Suma Teológica, I, q. 48 a. 6.

[15] Há um consenso entre pensadores de orientação tomista de que as paixões diminuem a liberdade humana, pelo ofuscamento da razão, embora os atos continuem sendo voluntários. Neste sentido se pode dizer que o ato propriamente humano (voluntário e racional) pode não se dar em sua perfeição, por impedimentos próximos ou remotos. Os impedimentos próximos seriam: a) cognoscitivos (ignorância, inadvertência, erro e esquecimento); b) volitivos (concupiscência, medo, paixões e hábitos); c) executivos (violência). Já os impedimentos remotos seriam: a) naturais (temperamento, caráter, herança, idade e sexo) b) patológicos (neurastenia, histeria e epilepsia, etc.); c) sociológicos (educação, ambiente social, etc.). MARIN, Antonio Royo. Teología moral para seglares. Madrid: Biblioteca de autores cristianos (BAC), 1957, p. 49-65.

[16] Como a culpa consiste em um ato desordenado da vontade, e a pena, na privação de algumas das coisas de que a vontade se utiliza para operar, Santo Tomás diz que a culpa tem maior razão de mal do que a pena, sendo esta uma determinada privação da graça e da glória. Suma Teológica, I, q. 48 a. 6.

[17] TOMÁS DE AQUINO, A unidade do intelecto contra os averroístas. Lisboa, Portugal: Edições 70, 1999, p.47; e ARISTÓTELES, De anima, II, 1, 412 b.

[18] Para Santo Tomás, nas processões divinas, tudo o que procede do Verbo se chama geração. Mas ele adverte que usa o termo em dois sentidos: no primeiro, trata-se da passagem de algo do não-ser ao ser, chamada criação; no segundo, trata-se da origem de um ser vivente a partir do seu princípio vital e de movimento. A este último tipo de geração, dá o nome de nascimento. (Sciendum est quod nomine generationis dupliciter utimur. Uno modo, communiter ad omnia generabilia et corruptibilia, et sic generatio nihil aliud est quam mutatio de non esse ad esse. Alio modo, proprie in viventibus, et sic generatio significat originem alicuius viventis a principio vivente coniuncto. Et haec proprie dicitur nativitas, Suma Teológica, I, q. 27. a. 2. Resp.).

[19] Suma Teológica, I, q. 90. a. 2. Resp.(“Respondeo dicendum quod anima rationalis non potest fieri nisi per creationem”).

[20] Suma Teológica, I, q. 90. a. 4. (Anima autem, cum sit pars humanae naturae, non habet naturalem perfectionem nisi secundum quod est corpori unita. Unde non fuisset conveniens animam sine corpore creari.). O Aquinate ressalta que, sendo o homem um composto de forma e matéria, no qual a alma é (única) forma substancial, a alma humana só será perfeita quando unida ao corpo, embora possa subsistir de modo imperfeito sem ele, por ser incorruptível. Por esta razão, não seria congruente que a alma fosse criada antes do corpo, mas juntamente com ele, porque Deus cria tudo sempre visando à perfeição. Ela não recebe o existir antes de estar unida ao corpo (Non igitur competit naturae ordini quod anima fuerit prius creata a corpore exuta, quan corpori unita, Suma Contra os Gentios, II, Cap. 83, 1660).

[21] Suma Teológica, IªIIª, q. 85. a. 5. (“...per peccatum primi parentis sublata est originalis iustitia, per quam non solum inferiores animae vires continebantur sub ratione absque omni deordinatione, sed totum corpus continebatur sub anima absque omni defectu, ut in primo habitum est”).

[22] Suma Teológica, III, q. 2. a. 2. Ad. 3.

[23] Suma Teológica, I, q. 48 a. 6.

[24] ARISTÓTELES, Metafísica., I, 1, 981ª.

[25] “A filosofia assume como tarefa pensar tematicamente o seu próprio passado — unir anámnesis e nóesis — e nesta rememoração pensante, reinventar os problemas que lhe deram origem”. PERINE, Marcelo (Org.). Diálogos com a cultura contemporânea – homenagem ao Pde. Henrique C. de Lima Vaz, S. São Paulo. Edições Loyola, 2003, p. 66.

[26] MURILLO, José Ignácio. El valor revelador de la muerte – estudio desde Santo Tomás de Aquino. Navarra, Espanha: Cuadernos de Anuario Filosófico de la Universidad de Navarra. 1999, p.13.

[27] FRANCA, Leonel. A psicologia da fé – O problema de Deus. São Paulo, Edições Loyola, 2001, p.316.

[28] “La naturaleza (...) no es otra cosa que la realidad irreductible de algo, en cuanto principio de actividad. En el caso del hombre, la naturaleza es la unión de un alma espiritual con un cuerpo que necesita para llevar a cabo su actividad propia, entender”. MURILLO, José Ignácio. Op. Cit., p.55.

[29] FRANCA, Leonel. Op. Cit. P. 327.

[30] Suma Contra os Gentios, II, Cap. 79, 1599.

[31] Suma Contra os Gentios, II, Cap. 79, 1624.

[32] Suma Contra os Gentios, II, Cap. 82, 1641 e 1642.

[33] Suma Contra os Gentios, II, Cap. 91.

[34] Suma Contra os Gentios, II, Cap. 96, 1812.

[35] TOMÁS DE AQUINO, Suma contra os Gentios, II, cap. 55, 1306-1307.

[36] No artigo intitulado “Tese de Platão sobre a união da alma intelectiva com o corpo” (Positio platonis de unione animae intelectualis ad corpus), na Suma Contra os Gentios (II, 57, 1326), Santo Tomás cita ad tertium a tese de Platão de que a alma está no corpo como o marinheiro no navio, concluindo que, sendo assim, a união de ambos se daria por um contato apenas virtual, mas não substancial. Cumpre observar, contudo, que não obstante esta fundamental diferença ontológica, que resultará em teses diametralmente opostas, como a de que a alma é mais perfeita e conhece melhor quando despojada do corpo (Platão), e a de que a alma humana, sem o corpo, subsiste de modo imperfeito (Santo Tomás), há aproximações entre os dois filósofos. Uma delas consiste na tese — desenvolvida n’A República — de que os males próprios de cada ente os corrompe. Mas, no caso da alma humana, o seu mal, que é o vício, por maior que seja, não a destrói nem a corrompe, pois, mesmo na maldade, a alma continua a existir. Por isto, se a alma não pode ser destruída pelo mal do corpo, que lhe é totalmente alheio, nem pelo seu próprio mal, que é o vício, ela será, portanto, indestrutível. Ver, PLATÃO, A República, 610-611a.

[37] Com respeito à morte dos animais irracionais, o ponto de vista de Santo Tomás é totalmente diverso, pois a alma deles, para o Angélico, não sendo capaz de efetivar nenhuma operação sem a intermediação de algum órgão corporal, é necessariamente, mortal, e se extingue juntamente com o próprio corpo.