terça-feira, 9 de setembro de 2008

A cegueira da mente, outro fruto da sensibilidade desordenada

Sidney Silveira
Ainda a propósito dos riscos a que o homem pode expor-se,
se a sua sensibilidade se exacerba, vale fazer um apontamento do que é, de acordo com Santo Tomás, a cegueira da mente (caecitas mentis). Nas palavras do Aquinate, ela provém de uma disposição habitual contrária à verdade, fruto da afetividade. Ou seja: é um não querer ver a verdade justamente porque considerá-la traria uma profunda transformação — além da dor psíquica de enxergar o quanto se estava em erro. Alguém nessa situação reprime a verdade e joga-a para um plano quase inconsciente, e, como diz Santo Tomás, raciocina a partir de premissas que se moldam à inclinação das paixões viciosas que, a esta altura, já se tornaram habituais. No plano da teologia moral, a cegueira da mente pode ser muito bem representada pela seguinte situação: o pecador, para continuar pecando, prefere inventar uma teoria qualquer a enxergar os seus atos em toda a dimensão que possuem. Em suma, tornou-se voluntariamente cego para os princípios que movem os seus próprios atos, e por essa cegueira da mente a sua inteligência se encontra impedida de deduzir a verdade segundo os princípios universais captados pela luz natural da mente, como diz Santo Tomás em diferentes passagens da Suma.

Não escapou ao Aquinate que essa verdade reprimida pelos afetos tende ao retorno, porque a
sindérese não pode ser de todo extinta, como tampouco pode ser extinto o seu princípio: essa mesma luz natural (lumen naturalis) da mente, que é imagem da face divina na parte superior da alma humana. Contudo, ocorre que, mesmo sendo inextinguível — por pertencer à natureza específica da alma racional (cf. Suma Teológica, IIªIIª, q. 15, a. 1, resp.) —, a luz natural da mente pode ser impedida de realizar o seu ato formal próprio (conhecer, por abstração das qüididades materiais, a essência das coisas), por causa da imaginação desgovernada pela sensibilidade (e aqui se deve frisar que o homem, para pensar, precisa das imagens dos entes, ou “fantasmas”, como as chamava Santo Tomás). Eis, portanto, a terrível situação do “cego mental”: desorientou-se a respeito das únicas coisas que realmente importam, o que lhe fará acumular pecados atrás de pecados, vícios atrás de vícios. E sem nenhum freio, até a sua consciência jogar a pá-de-cal sobre aquilo que deveria iluminá-la (e não nos esqueçamos de que a consciência pode estar em erro, e, por esta sua potência para a defectibilidade, não pode ser um princípio da ação humana).

Obviamente, para Santo Tomás, a cura da caecitas mentis não se dá por uma regressão em busca da representação da imagem reprimida — como acontece na psicanálise — mas pela contemplação das coisas eternas (a respeito dos modos dessa contemplação, falaremos noutra oportunidade).

Por ora, façamos um test drive teórico-prático: coloquemos essa teoria para uso próprio em vigência no mundo atual, repleto de imagens as mais abstrusas e intrinsecamente más (tão desgraçadamente opostas à contemplação das coisas eternas), imagens essas alcançáveis por um simples click no mouse, um simples toque no controle remoto da televisão, uma simples ida ao cinema, uma simples leitura de um livro com conceitos errados e com imagens terríveis, imagens feias, imagens grotescas, ainda que embelezadas por rastros de beleza quanto à forma com que são expressas ou veiculadas. Seja um site pornográfico, seja um desenho animado em que o malvado vence e tripudia do “bonzinho” (na verdade, um bonzinho fake e estúpido), seja um filme em que não há sequer uma sombra disto a que chamamos "virtude", mas só de graus distintos de malvadezas, seja um poema em que o “eu” lírico do poeta liricamente “empalha” o seu amante em versos metricamente perfeitos, ou então um poema que seja confessadamente, uma ode ao mal, seja, enfim, qualquer coisa grotesca, ainda que artesanalmente composta. O que fazer, nestes casos, se é pela imaginação exacerbada — tornada fetiche — que o homem cai no abismo psíquico e moral? [A propósito, Aristóteles já afirmava que o homem, depois que se deprava, não tem mais saída: será para sempre refém das imagens de seus próprios atos depravados]

Repito a indagação: o que fazer, amigos? Pois bem: vejamos a receita que nos dá o liberal: Nós devemos escolher as coisas boas e BOICOTAR as coisas más, mas isto sem jamais reprimir a liberdade da consciência individual, o que seria uma "tirania". Ora, tal resposta seria válida se a pura e simples contemplação de coisas más, em si mesma, não afetasse o âmago da nossa dinâmica psíquica... Mas afeta! E afeta na exata medida em que cria uma imagem nova — e uma imagem nova em nossa psique é, literalmente, uma nova possibilidade de pensamento e de ação. Por isso, os Padres do Deserto e alguns dos maiores doutores da Igreja de todos os tempos, assim como o
Magistério infalível, tantas vezes nos advertiram do seguinte: não demos asas à imaginação, mas antes busquemos a continência desta, pois o demônio precisa de imagens para seduzir e enganar o homem (já que não pode enganar um anjo, que possui, como ele, a intuição direta das essências, a captação imediata das verdades sobre os entes). Sendo assim, a liberdade que busca o liberal é, literalmente, a liberdade para escolher o pecado e o mal, o que é frontalmente contrário ao fim para o qual o homem foi criado por Deus.

Portanto, amigos, bastante cuidado com liberais que andam escrevendo por aí, em livros e em sites, por exemplo, que é preciso levar a imaginação às raias do impensável; com liberais que andam por aí divulgando obras de autores e “filósofos” que são verdadeiros encantadores de serpentes; com liberais que inventam teorias não apenas para justificar os próprios vícios (o que neste caso só importaria apenas a eles e a Deus), mas pior: justificá-los difundindo teorias que impugnam verdades fundamentais; com liberais que põem satanistas em destaque. Cuidado: a cegueira da mente desses homens é contagiosa.