Sidney Silveira
Do mesmo modo como entre as cinco potências da alma humana não há somente ordenação orgânica de umas às outras, mas sobretudo hierarquia funcional — estando as potências vegetativas, sensitivas, apetitivas e motrizes a serviço do bem inteligível, que é o fim da alma racional, conforme demonstra Santo Tomás na Quaestio Disputata de Anima —, assim também há, analogamente, como ressaltou o Prof. Nougué em seu último texto, hierarquia quanto ao gênero das artes, na medida em que elas nos aproximam, mais ou menos, do nosso fim último, que é Deus (Por ora, deixaremos de lado o problema, de grande importância teológica, de se Deus é também o fim último daqueles que não crêem n’Ele, os ateus, e daqueles que, crendo, d’Ele se afastam pelo pecado ou por não Lhe prestar o culto devido, o que ficará para outro texto).
Assim, na tradicional visão católica, a felicidade tem alcance litúrgico, quer dizer, de culto, e não somente para os que receberam o sacramento da Ordem, isto é, os padres, mas para todos os fiéis. Pois se Deus é o fim último de todas as criaturas sem nenhuma exceção, e o fim se identifica com o bem, é patente que não poderemos ser felizes autonomamente, ou seja, se os nossos atos formais próprios da inteligência e da vontade — aqui, no caso, referidos às artes — se afastarem desse fim, ou então se buscarem fins intermediários em detrimento do fim último.
Tenhamos, pois, a plena certeza de que os coros angélicos não entoam nenhum funk para dançarinas estroboscópicas exibirem movimentos frenéticos, os quais exacerbam a sensualitas, mas com arte louvam a ordenação universal de todas as criaturas a Deus, na medida em que, sendo dotados de uma elevada inteligência intuitiva, compreendem e se deleitam maximamente nessa compreensão, pois sabem que tal harmonia e tal ordem provêm de uma inteligência ordenante: o próprio Deus, artista soberano, supremo inteligível e sumo amável. Por isso a arte dos anjos é puro louvor. E aqui vale lembrar o seguinte: louvar implica juízo de valor (um ato da potência intelectiva), ao passo que fruir, não — pois, conforme explica Santo Tomás (Suma Teológica, IªIIª, 11, a.2. resp.), desfrutar não é ato da potência que alcança o fim como ordenadora, e sim da potência que alcança o fim como executora, o que é muito diferente. Por isso, a fruição está na potência apetitiva, e não na intelectiva, razão pela qual uma arte que nos leve a fruir sem contemplar é, ontologicamente, inferior àquela que nos leva a contemplar fruindo. E não me venham com essa história de que sentidos e inteligência estão como que num mesmo plano, como insinua o filósofo basco Xavier Zubiri na trilogia de sua famosa Inteligencia Sentiente e no livro Sobre el Sentimiento y la Volición. De tal tese nos ocuparemos noutra hora.
Por conseguinte, entre a ars cujo objeto é Deus e qualquer ars que vise a outro bem há diferença de gênero. A primeira dessas artes maximiza as potências superiores da alma, sem as quais sequer somos capazes de chegar à idéia de Deus — inalcançável pelas nossas potências intermediárias e instrumentais. Quanto mais louvá-Lo! Daí que, por exemplo, as reações psicofísicas suscitadas pela ars de uma Missa de Giovanni Perluigi da Palestrina e pela “ars” de um funk sejam absolutamente distintas. Uma facilita o estado de contemplação, e contemplação elevadíssima por referir-se a Deus — na qual o corpo é instrumento, apenas; a outra abrasa apetências nas quais o corpo, embora seja também instrumento, não conduz ao fim inteligível da alma racional, mas a uma deleitação anímica de muito menor alcance. Ou seja: esta última nos torna menos humanos — é claro que não quanto ao ser, mas quanto ao operar.
Do mesmo modo como entre as cinco potências da alma humana não há somente ordenação orgânica de umas às outras, mas sobretudo hierarquia funcional — estando as potências vegetativas, sensitivas, apetitivas e motrizes a serviço do bem inteligível, que é o fim da alma racional, conforme demonstra Santo Tomás na Quaestio Disputata de Anima —, assim também há, analogamente, como ressaltou o Prof. Nougué em seu último texto, hierarquia quanto ao gênero das artes, na medida em que elas nos aproximam, mais ou menos, do nosso fim último, que é Deus (Por ora, deixaremos de lado o problema, de grande importância teológica, de se Deus é também o fim último daqueles que não crêem n’Ele, os ateus, e daqueles que, crendo, d’Ele se afastam pelo pecado ou por não Lhe prestar o culto devido, o que ficará para outro texto).
Assim, na tradicional visão católica, a felicidade tem alcance litúrgico, quer dizer, de culto, e não somente para os que receberam o sacramento da Ordem, isto é, os padres, mas para todos os fiéis. Pois se Deus é o fim último de todas as criaturas sem nenhuma exceção, e o fim se identifica com o bem, é patente que não poderemos ser felizes autonomamente, ou seja, se os nossos atos formais próprios da inteligência e da vontade — aqui, no caso, referidos às artes — se afastarem desse fim, ou então se buscarem fins intermediários em detrimento do fim último.
Tenhamos, pois, a plena certeza de que os coros angélicos não entoam nenhum funk para dançarinas estroboscópicas exibirem movimentos frenéticos, os quais exacerbam a sensualitas, mas com arte louvam a ordenação universal de todas as criaturas a Deus, na medida em que, sendo dotados de uma elevada inteligência intuitiva, compreendem e se deleitam maximamente nessa compreensão, pois sabem que tal harmonia e tal ordem provêm de uma inteligência ordenante: o próprio Deus, artista soberano, supremo inteligível e sumo amável. Por isso a arte dos anjos é puro louvor. E aqui vale lembrar o seguinte: louvar implica juízo de valor (um ato da potência intelectiva), ao passo que fruir, não — pois, conforme explica Santo Tomás (Suma Teológica, IªIIª, 11, a.2. resp.), desfrutar não é ato da potência que alcança o fim como ordenadora, e sim da potência que alcança o fim como executora, o que é muito diferente. Por isso, a fruição está na potência apetitiva, e não na intelectiva, razão pela qual uma arte que nos leve a fruir sem contemplar é, ontologicamente, inferior àquela que nos leva a contemplar fruindo. E não me venham com essa história de que sentidos e inteligência estão como que num mesmo plano, como insinua o filósofo basco Xavier Zubiri na trilogia de sua famosa Inteligencia Sentiente e no livro Sobre el Sentimiento y la Volición. De tal tese nos ocuparemos noutra hora.
Por conseguinte, entre a ars cujo objeto é Deus e qualquer ars que vise a outro bem há diferença de gênero. A primeira dessas artes maximiza as potências superiores da alma, sem as quais sequer somos capazes de chegar à idéia de Deus — inalcançável pelas nossas potências intermediárias e instrumentais. Quanto mais louvá-Lo! Daí que, por exemplo, as reações psicofísicas suscitadas pela ars de uma Missa de Giovanni Perluigi da Palestrina e pela “ars” de um funk sejam absolutamente distintas. Uma facilita o estado de contemplação, e contemplação elevadíssima por referir-se a Deus — na qual o corpo é instrumento, apenas; a outra abrasa apetências nas quais o corpo, embora seja também instrumento, não conduz ao fim inteligível da alma racional, mas a uma deleitação anímica de muito menor alcance. Ou seja: esta última nos torna menos humanos — é claro que não quanto ao ser, mas quanto ao operar.
Finalizando: é óbvio que quem acredita na falácia da autonomia da consciência individual está impossibilitado para aceitar tal critério objetivo (de cunho espiritual) com relação às artes, e acaba por cair num frágil subjetivismo — ainda que sob máscaras sofisticadas. Os porquês disso veremos em outros textos.