segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Uma experiência televisiva...


Sidney Silveira
Há cerca de dois anos fui inusitadamente convidado a participar do programa de entrevistas do cantor Lobão, na MTV, num dia armado para dar uma dessas grandes pauladas midiáticas na Igreja Católica, pois o mote era o seguinte: os casos de pedofilia envolvendo padres seriam porventura causados pela castidade e pelo celibato sacerdotal? A idéia, é óbvio, era pintar o celibato como uma absurdidade contrária à natureza do homem, causadora de patologias e desordens psíquicas em escala geométrica. Basta ver o começo do vídeo acima para concluir isto.
A produção do programa chegara a mim graças a um artigo no Contra Impugnantes intitulado “Castidade e teoria psicanalítica”. Recusei duas vezes o convite, dizendo a quem entrou em contato comigo que aquele era um problema para cuja elucidação seria preciso fazer alguns esclarecimentos prévios sobre: a) o que é castidade; b) qual a distinção desta em relação ao celibato? c) por que o celibato — mesmo não sendo um dogma — possui fundamento doutrinário, escriturístico e magisterial, além de profunda base filosófica.
O meu argumento para a recusa era simples: com três pessoas de cada lado falando quase ao mesmo tempo — o que constatei ao visitar o site da MTV e ver trechos de programas anteriores —, dificilmente tais questões prévias seriam elucidadas. Sucede que, depois do terceiro convite e da insistência da produção (segundo eles, estava muito difícil achar quem defendesse o celibato sacerdotal), achei que talvez tivesse alguma utilidade a minha presença ali.
Pois bem. Antes de iniciar a coisa, conversando muito brevemente com o padre que estaria ao meu lado para defender o celibato, vi de imediato que se tratava do chamado “fogo amigo” — a propósito, talvez ele tenha tido a mesma impressão com relação à minha pessoa! Em síntese, seria impossível partirmos da mesma base, devido à sua evidente formação modernista (ele inclusive deixou escapar certo esgar de desprezo, ou talvez asco, quando ainda na van a caminho da MTV eu lhe disse que era um estudioso na obra de Santo Tomás de Aquino).
Na verdade eu não me enganara em minha primeira impressão: apesar de cumprir o seu papel, ou melhor, a sua obrigação de defender a Igreja, a certa altura o padre falou mal da liturgia tradicional, tida por ele como algo ultrapassado, elogiou o modelo de estudos nos seminários atuais como um “avanço” na caminhada histórica da Igreja, falou de estatísticas que nada tinham a ver com o cerne da questão, esboçou opiniões bastante duvidosas sobre psicologia e “efebofilia”, não fez qualquer comentário de cunho teológico e me deixou ali não menos que prostrado. Era simples: Deus e o Magistério da Igreja estavam quase absolutamente ausentes do discurso naturalista do padre, e se porventura deram as caras em algum fugaz momento foi, como diria um escolástico, per accidens.
Bem, o fato é que para mudar a clave de sua fala o padre precisaria ver as coisas por outro ângulo, o que concedo ser dificílimo. Precisaria, em suma, enxergar o seguinte: foi justamente o abandono da Tradição o que levou a coisa ao grau catastrófico atual — inclusive no plano da moral sexual, pois, onde a doutrina é má, a práxis definitivamente não pode ser boa. Observe-se que não ignoro o fato de a questão do celibato ter aflorado em alguns momentos críticos da história da Igreja, e que a castidade é uma virtude difícil de manter, sobretudo no mundo lúbrico atual. O que digo é outra coisa: no tocante à psicologia, os seminários se transformaram em escolas de esquizofrenia, onde entre a teoria e a prática há um abismo conceptual intransponível. Ah, Virgem Santa, como carecem os seminários atuais de bons psicólogos católicos!
Não é preciso ser nenhum Doutor Comum da Igreja para entender tal coisa; eu, que nada sou, tive várias vezes a comprovação disto quando me procuraram nos últimos anos seminaristas (pessoalmente ou pela internet) para abordar tópicos de teologia moral. Garanto-lhes que a coisa está muito, mas muito mais feia do que as pessoas menos informadas possam supor. O que estão ensinando aos futuros padres é triste; uma casuística desprovida de princípios e, portanto, indutora daquilo que os grandes teólogos sempre chamaram de moral laxa.
Em boa parte do programa silenciei para não entornar o caldo e entrar numa espécie de discussão intra muros com o sacerdote, o que seria contraproducente, pois estávamos ali para defender uma posição comum. Ao todo, minhas intervenções foram cinco ou seis (no caso do vídeo acima, ela se dá no minuto 13’50). Ademais, do outro lado, em posição contrária ao celibato, estavam o Reynaldo Azevedo — por quem, diga-se, tenho pessoalmente grande simpatia — uma ex-profissional do sereno que fizera vários programas sexuais com sacerdotes (e fora ali apresentada como “escritora”, apesar de mostrar candentes dificuldades entre o sujeito e o predicado das frases que proferia) e uma sexóloga. O fato é que o Reynaldo chegou duas vezes a dizer, após ouvir a ex-prostituta falar, que a continuar daquele jeito mudaria de lado...
A coisa mais engraçada foi quando, propositadamente, eu disse que os padres contam com auxílio divino para se manter castos — referia-me eu às “graças de estado” que, por desgraça, estavam ausentes da fala do padre... Naquele momento, o escândalo do Lobão só não foi maior que o constrangimento do sacerdote (posso assegurá-lo, porque ao dizer aquilo eu o fitava nos olhos). Que atrevimento alguém apelar a Deus assim de forma tão direta, sem aviso prévio, num ambiente cheio de pruridos anticatólicos! A propósito, faço questão de deixar aqui registrado que nada tenho de pessoal contra o padre; trata-se, é evidente, de uma questão doutrinária.
Apesar dos pesares, valeu a pena: ao final do programa, por incrível que pareça, a votação a respeito de se os expectadores eram contra ou a favor do fim do celibato deu estrondosa vitória ao nosso lado, ou seja: a maioria votou contra o fim do celibato, o que passou despercebido a muitos, mas não a este modesto escriba.
Em tempo: Quem quiser, pode assistir ao restante do programa aqui, no próprio site da MTV.