Sidney Silveira
É verdade estelar da antropologia filosófica de Santo Tomás que as duas potências superiores da alma (a inteligência e a vontade) interagem continuamente nesta relação do homem com as coisas que o circundam. A inteligência — que é, radicalmente, potência para todos os inteligíveis — subministra à vontade a ratio boni, ou seja, a “razão de bem”* que será o insumo para a vontade laborar. Literalmente falando, quer-se algo porque é bom, ou, noutras palavras: está implicado em todo querer, em toda e qualquer busca intencional do fim desejado, um juízo da razão prática. Por isso, pode-se afirmar que a vontade é movida pela forma intelectiva de um bem.
É verdade estelar da antropologia filosófica de Santo Tomás que as duas potências superiores da alma (a inteligência e a vontade) interagem continuamente nesta relação do homem com as coisas que o circundam. A inteligência — que é, radicalmente, potência para todos os inteligíveis — subministra à vontade a ratio boni, ou seja, a “razão de bem”* que será o insumo para a vontade laborar. Literalmente falando, quer-se algo porque é bom, ou, noutras palavras: está implicado em todo querer, em toda e qualquer busca intencional do fim desejado, um juízo da razão prática. Por isso, pode-se afirmar que a vontade é movida pela forma intelectiva de um bem.
Mas o que é, propriamente, a vontade? Que ela para o Aquinate seja o apetite intelectivo do bem, já sabemos. Mas o que quererá dizer o grande Doutor da Igreja com isto? Pois bem, por apetite entenda-se a inclinação natural da potência ao ato — ou a um conjunto de atos. E Santo Tomás identifica três tipos de apetite:
> natural, que é a tendência radicada na forma do ente para atualizar certas potências (por ex., é natural o apetite da pedra para a inércia, ou seja, não estando ela submetida a forças exógenas, ficar parada);
> sensitivo, que, no homem, é dividido em concupiscível e irascível. Em palavras simples, o concupiscível é o deleite ou o desconforto decorrentes da captação, pela sensibilidade (sensualitas), de um dado sensível. Assim, um cheiro agradável acarreta certo prazer imediato, e o mau cheiro, aversão. O apetite irascível, por sua vez, é a busca de um bem árduo que se deseja, ou a fuga de um mal árduo que se queira evitar. Assim, a esperança é um movimento do apetite irascível, porque possui, entre outras, as seguintes características: 1- tem-se esperança sempre de algo difícil, e não do que está à mão e pode ser realizado de imediato, é claro. Assim, eu não espero caminhar, bocejar, etc., mas simplesmente caminho e bocejo; 2- esse algo árduo que se espera é um bem, pois ninguém espera o mal; 3- e é futuro, pois o presente não se espera; etc.
> e intelectivo, que é o movimento da vontade na direção da forma de um bem. Em resumo: a inteligência fornece à vontade a ratio boni universal. Sem esse conhecimento primevo, não se pode querer nada, porque: 1- só se deseja o que se conhece de alguma forma, pois o absolutamente desconhecido seria, por conseguinte, impossível de ser apetecido; 2- esse algo que se conhece é desejado justamente por considerar-se (acertada ou erroneamente) um bem. Voltaremos a isto depois.
> sensitivo, que, no homem, é dividido em concupiscível e irascível. Em palavras simples, o concupiscível é o deleite ou o desconforto decorrentes da captação, pela sensibilidade (sensualitas), de um dado sensível. Assim, um cheiro agradável acarreta certo prazer imediato, e o mau cheiro, aversão. O apetite irascível, por sua vez, é a busca de um bem árduo que se deseja, ou a fuga de um mal árduo que se queira evitar. Assim, a esperança é um movimento do apetite irascível, porque possui, entre outras, as seguintes características: 1- tem-se esperança sempre de algo difícil, e não do que está à mão e pode ser realizado de imediato, é claro. Assim, eu não espero caminhar, bocejar, etc., mas simplesmente caminho e bocejo; 2- esse algo árduo que se espera é um bem, pois ninguém espera o mal; 3- e é futuro, pois o presente não se espera; etc.
> e intelectivo, que é o movimento da vontade na direção da forma de um bem. Em resumo: a inteligência fornece à vontade a ratio boni universal. Sem esse conhecimento primevo, não se pode querer nada, porque: 1- só se deseja o que se conhece de alguma forma, pois o absolutamente desconhecido seria, por conseguinte, impossível de ser apetecido; 2- esse algo que se conhece é desejado justamente por considerar-se (acertada ou erroneamente) um bem. Voltaremos a isto depois.
De acordo com o Aquinate, há dois atos próprios na vontade:
a) o elicitus (extraído de sua potência), que é o querer;
b) e o imperatus (a moção de outras potências da alma para executar o que a vontade quer. Assim, se quero fazer esportes agora, as potências motrizes do meu corpo são chamadas a atualizar os seus atos próprios, para cumprir o império da vontade).
b) e o imperatus (a moção de outras potências da alma para executar o que a vontade quer. Assim, se quero fazer esportes agora, as potências motrizes do meu corpo são chamadas a atualizar os seus atos próprios, para cumprir o império da vontade).
Vale dizer que o próprio (um dos cinco predicáveis, lembremos) mais próximo da essência da vontade é o querer. Ou seja: a vontade opera, priomordialmente, pelo querer — que se materializa na escolha deste ou daquele bem. Trata-se da instância inexpugnável da liberdade humana, que não pode ser coagida nem mesmo por Deus, porque Deus pode mover necessariamente a vontade humana a querer o que Ele quer que ela queira, apresentando-lhe um bem de tal ordem que é impossível não desejá-lo com todas as forças da alma, mas não pode coagi-la a querer o que não quer. Essa premoção divina da vontade humana implica necessidade, sim, mas não coação. Isto porque o voluntário é, por definição, o não coagido.
Desses dois atos — o elicitus e o imperatus — só o segundo pode ser coagido. Por exemplo: posso ser impedido fisicamente de praticar o meu esporte predileto, mas não posso ser coagido a não querer praticá-lo. Portanto, o ato primeiro da vontade, o elicitus, jamais pode ser coagido, pois o querer é imaterial e, portanto, não pode ser obrigado por nenhuma força física ou espiritual.
A vontade pode ser, com certeza, induzida ao erro, seduzida pelo demônio, etc., mas jamais coagida.
P.S. Veremos em outro texto de que forma a vontade move todas as outras potências da alma (inclusive a inteligência), e como ela é devedora desta para a execução dos seus atos.
* Vale remeter-nos ao bem como um dos transcendentais do ser.
P.S. Veremos em outro texto de que forma a vontade move todas as outras potências da alma (inclusive a inteligência), e como ela é devedora desta para a execução dos seus atos.
* Vale remeter-nos ao bem como um dos transcendentais do ser.