Sidney Silveira
Já se fez alusão à teoria tomista dos transcendentais, em diferentes textos do blog. Vamos sumariá-la para os leitores da forma mais simples que conseguirmos, pois a esta doutrina nos referiremos em diferentes ocasiões.
Ente: É o primeiro dos transcendentais, ao qual nada pode ser, essencialmente, acrescentado. Pois tudo o que é, seja como for, é um ente. E ente é o que “tem ser”, o que “participa do ser”, ou seja: o que toma uma parte nesta ordem de coisas que são, mas, por sua vez, não é o Próprio Ser (Ipsum Esse), como veremos noutra oportunidade. Trata-se do primeiro conceito conhecido por nós (primo cognitum), o mais evidente e o mais universal de todos. Sendo assim, todos os demais conceitos serão apenas explicitações de “modos de ser” do ente, pois tudo o que é e se enquadra nalgum gênero, será ente. A única coisa que se poderia acrescentar ao ente seria o nada. Noutra formulação, podemos também dizer que os entes transcendem a todas as categorias, razão pela qual toda e qualquer categoria expressa modos de entidade, graus de entidade, etc. Tudo isso evidencia, para Santo Tomás, que o ente não é unívoco.
Coisa: O que se acrescentar ao ente será, portanto, a expressão de sua qüididade (id quod), ou seja: da essência que é. A isto Santo Tomás chama res (coisa). E observemos que a noção de coisa acrescenta algo positivo ao ente: a consideração de que todo ente é isto que é. Coisa é, portanto, uma noção transcendental adicionada positivamente ao ente, uma de suas dimensões radicais, ou, como se costuma dizer, uma noção convertível com o mesmo ente: toda coisa é ente, e todo ente é coisa.
Uno: Justamente por estar enquadrado em um determinado modo específico, e por ser uma qüididade, todo ente é indiviso; é idêntico a si mesmo; é individual. Em palavras chãs, um ente é isto e, por conseguinte, não é aquilo. E o que não se divide tem caráter de unidade; ou seja: todo ente é uno. Eis, aqui, o terceiro dos transcendentais “absolutos”, como os medievais os chamavam.
Algo: Além desses três transcendentais “absolutos”, alguns pensadores explicitaram os transcendentais “relativos”, que, de acordo com o Aquinate, se dizem do ente enquanto relativo a outro ente. O primeiro deles seria o transcendental “algo” (aliquid), pois tudo o que é, é algo — por ser uno, indiviso e individual —, e, assim, se distingue das demais coisas que são. É um dentre tantos “algos”, nesta grande pluralidade de entes que observamos na realidade. Assim, todo ente é algo.
Verdadeiro: A conveniência entre o ente e o intelecto que o contempla se chama “verdadeiro” (verum), pois todo e qualquer conhecimento se dá com a assimilação da coisa conhecida por um sujeito cognoscente. Daí que a verdade seja uma relação. E tal relação é, na prática, uma correspondência entre o intelecto e a coisa. Uma adequação (adequatio) entre ambos. Todo ente, pelo simples fato de ser, é verdadeiro. Só um não-ente poderia não ser verdadeiro.
Bom: A conveniência entre o ente e a vontade que o deseja se chama “bem”. Se, no caso do verdadeiro, a relação é assimilativa (pois o intelecto assimila algo do ente real), no caso do bom (bonum) a relação será tendencial: a vontade tende naturalmente a querer o que é bom, ou ao menos a querer ao que lhe é apresentado como bom pelo intelecto. É clássica a formulação que diz o seguinte: o bem está no próprio ente, e a verdade está no intelecto (que o entende). Aqui vale lembrar que o mal não é desejado enquanto mal, mas enquanto um falso bem ou enquanto um bem que não leva em consideração outros bens mais excelentes. Todo ente, portanto, é ontologicamente bom e, por isso, apetecível sob algum aspecto.
Belo: Houve, desde a Idade Média, quem negasse a transcendentalidade ao belo. Não entraremos nesta discussão, mas apenas apontaremos o que diz o Angélico: Ens et pulchrum convertuntur (o ente e o belo se convertem). E são convertíveis, no plano ontológico, porque uma das precondições da beleza, como disse o Nougué, é a integridade quanto ao ser. Noutras palavras: para algo ser belo é necessário, antes de tudo ser. Toda coisa, dada a sua integridade — ou seja: por ser completa em si mesma — comporta um quantum de beleza. Outra precondição é que tenha o brilho próprio da intelegibilidade, pois o ininteligível não pode ser belo. Daí dizer Santo Tomás que o bem e o belo são o mesmo na realidade e diferem segundo a noção, apenas. Outras características da beleza, para o Angélico, são: harmonia das partes de que um ente é composto; harmonia de um ente com relação aos demais; e harmonia de um ente em relação ao fim ao qual tende.
Todos os transcendentais são convertíveis entre si: tudo o que é ente é coisa; tudo o que é coisa é uno; tudo o que é uno é algo; tudo o que é algo é vero; tudo o que é vero é bom; e tudo o que é bom é belo, etc.
Em tempo: Noutro texto, veremos aonde leva a perda ou negação dos transcendentais.
Já se fez alusão à teoria tomista dos transcendentais, em diferentes textos do blog. Vamos sumariá-la para os leitores da forma mais simples que conseguirmos, pois a esta doutrina nos referiremos em diferentes ocasiões.
Ente: É o primeiro dos transcendentais, ao qual nada pode ser, essencialmente, acrescentado. Pois tudo o que é, seja como for, é um ente. E ente é o que “tem ser”, o que “participa do ser”, ou seja: o que toma uma parte nesta ordem de coisas que são, mas, por sua vez, não é o Próprio Ser (Ipsum Esse), como veremos noutra oportunidade. Trata-se do primeiro conceito conhecido por nós (primo cognitum), o mais evidente e o mais universal de todos. Sendo assim, todos os demais conceitos serão apenas explicitações de “modos de ser” do ente, pois tudo o que é e se enquadra nalgum gênero, será ente. A única coisa que se poderia acrescentar ao ente seria o nada. Noutra formulação, podemos também dizer que os entes transcendem a todas as categorias, razão pela qual toda e qualquer categoria expressa modos de entidade, graus de entidade, etc. Tudo isso evidencia, para Santo Tomás, que o ente não é unívoco.
Coisa: O que se acrescentar ao ente será, portanto, a expressão de sua qüididade (id quod), ou seja: da essência que é. A isto Santo Tomás chama res (coisa). E observemos que a noção de coisa acrescenta algo positivo ao ente: a consideração de que todo ente é isto que é. Coisa é, portanto, uma noção transcendental adicionada positivamente ao ente, uma de suas dimensões radicais, ou, como se costuma dizer, uma noção convertível com o mesmo ente: toda coisa é ente, e todo ente é coisa.
Uno: Justamente por estar enquadrado em um determinado modo específico, e por ser uma qüididade, todo ente é indiviso; é idêntico a si mesmo; é individual. Em palavras chãs, um ente é isto e, por conseguinte, não é aquilo. E o que não se divide tem caráter de unidade; ou seja: todo ente é uno. Eis, aqui, o terceiro dos transcendentais “absolutos”, como os medievais os chamavam.
Algo: Além desses três transcendentais “absolutos”, alguns pensadores explicitaram os transcendentais “relativos”, que, de acordo com o Aquinate, se dizem do ente enquanto relativo a outro ente. O primeiro deles seria o transcendental “algo” (aliquid), pois tudo o que é, é algo — por ser uno, indiviso e individual —, e, assim, se distingue das demais coisas que são. É um dentre tantos “algos”, nesta grande pluralidade de entes que observamos na realidade. Assim, todo ente é algo.
Verdadeiro: A conveniência entre o ente e o intelecto que o contempla se chama “verdadeiro” (verum), pois todo e qualquer conhecimento se dá com a assimilação da coisa conhecida por um sujeito cognoscente. Daí que a verdade seja uma relação. E tal relação é, na prática, uma correspondência entre o intelecto e a coisa. Uma adequação (adequatio) entre ambos. Todo ente, pelo simples fato de ser, é verdadeiro. Só um não-ente poderia não ser verdadeiro.
Bom: A conveniência entre o ente e a vontade que o deseja se chama “bem”. Se, no caso do verdadeiro, a relação é assimilativa (pois o intelecto assimila algo do ente real), no caso do bom (bonum) a relação será tendencial: a vontade tende naturalmente a querer o que é bom, ou ao menos a querer ao que lhe é apresentado como bom pelo intelecto. É clássica a formulação que diz o seguinte: o bem está no próprio ente, e a verdade está no intelecto (que o entende). Aqui vale lembrar que o mal não é desejado enquanto mal, mas enquanto um falso bem ou enquanto um bem que não leva em consideração outros bens mais excelentes. Todo ente, portanto, é ontologicamente bom e, por isso, apetecível sob algum aspecto.
Belo: Houve, desde a Idade Média, quem negasse a transcendentalidade ao belo. Não entraremos nesta discussão, mas apenas apontaremos o que diz o Angélico: Ens et pulchrum convertuntur (o ente e o belo se convertem). E são convertíveis, no plano ontológico, porque uma das precondições da beleza, como disse o Nougué, é a integridade quanto ao ser. Noutras palavras: para algo ser belo é necessário, antes de tudo ser. Toda coisa, dada a sua integridade — ou seja: por ser completa em si mesma — comporta um quantum de beleza. Outra precondição é que tenha o brilho próprio da intelegibilidade, pois o ininteligível não pode ser belo. Daí dizer Santo Tomás que o bem e o belo são o mesmo na realidade e diferem segundo a noção, apenas. Outras características da beleza, para o Angélico, são: harmonia das partes de que um ente é composto; harmonia de um ente com relação aos demais; e harmonia de um ente em relação ao fim ao qual tende.
Todos os transcendentais são convertíveis entre si: tudo o que é ente é coisa; tudo o que é coisa é uno; tudo o que é uno é algo; tudo o que é algo é vero; tudo o que é vero é bom; e tudo o que é bom é belo, etc.
Em tempo: Noutro texto, veremos aonde leva a perda ou negação dos transcendentais.