terça-feira, 21 de setembro de 2010

A cidade do capeta


Sidney Silveira

Numa sociedade que está indo espiritualmente para o buraco, é natural que uma pequeníssima parcela das pessoas vislumbre as causas fundamentais do caos reinante. O bem político, numa situação dessas, torna-se uma pura e simples impossibilidade ontológica, pois todas as estruturas sociais foram corroídas de forma tal, que na Pólis não há espaço para o bem e a verdade. Neste estágio da decadência, quanto mais firmemente descem ao abismo, mais as almas vão tendo a pletórica sensação de que nunca foram tão livres e desimpedidas em suas vontades. Este é o momento dramático em que a lei se torna uma absurdidade, uma afronta à moral natural e à reta razão. E não há mais volta, pois a metástase é completa.

Não apresento no parágrafo acima o Estado sem lei (a anomia platônica), mas uma situação muitíssimo pior: descrevo o Estado que se organizou com grande competência para a desonra moral, para o butim financeiro e fiscal, para a mentira política, para o controle das consciências, para o ataque sistemático e contínuo a qualquer resquício de sanidade no corpo social. Tal Estado, como não poderia deixar de ser, é o fiel retrato da situação espiritual da maior parte das pessoas que nele vivem, pois ele seria formalmente impossível numa estrutura política minimamente sadia, na qual os maus, os tolos, os homens devassos, os espertos, etc., teriam o acesso ao poder grandemente dificultado.

A princípio o declínio quase não é percebido, pois a marcha para a destruição da sociedade neste estágio inicial ou intermédio é lenta, e vem palmilhada por “conquistas” e “direitos” nunca assaz louvados pelos idiotas úteis. Mas, num momento como o atual, as evidências da dissolução sociopolítica vão tornando-se cada vez mais contundentes; porém já é tarde para reverter a situação. Façamos aqui uma analogia com o xadrez: o mau jogador só percebe a derrota quando a partida está claramente perdida, ao passo que o grande mestre já tinha previsto tudo com grande antecedência. No plano noético é mais ou menos isto o que ocorre: durante o declínio espiritual, o sujeito não tem a percepção de que está perdendo-se mais e mais; e não a tem, pelo menos, até chegar às raias do desespero.

A noção de autoridade natural também se perde, nesse Estado ínfero. E não apenas dos pais para com os filhos — e pensar que hoje no Brasil se legisla até sobre se é “crime” dar uma palmada educadora num filho levado! —, mas ela se dilui em todas as instâncias políticas e infrapolíticas: dos professores para com os alunos; dos jovens para com os idosos; dos homens em geral para com os religiosos, e destes entre si e, também, para com as coisas de Deus; etc.

Enfim, perdeu-se igualmente em tal Estado (liberal, por excelência) o vínculo fundamental entre a política e o fim último do homem: Deus. Na verdade, Deus será banido, na forma da lei, da sociedade política (é o Estado laico, defendido com sanha inaudita pelo catolicismo liberal e pelos liberais não católicos). Estamos, pois, na cidade do capeta, em que não se respeita a Deus e nem se Lhe presta o culto público devido, mas se fomentam politicamente as mais variadas formas de agressão, crimes e desrespeito.

P.S. Recomendo muitíssimo este trecho de uma aula do Nougué, no qual ele nos remete à “Cidade do Amor Próprio” de que fala Santo Agostinho no Civitate Dei.

P.S.2. Como se pode deduzir, o meu voto nas próximas eleições será nulo! E por pura, total e acachapante desesperança política. E digo-o igualmente pelo Nougué, que já me asseverou várias vezes que fará o mesmo que eu. Mas esta é conversa para um outro post.