quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

A eleição divina: pura misericórdia

Carlos Nougué
Um grande amigo mandou-me anteontem um notícia surpreendente: “Antonio Gramsci, fundador do partido comunista italiano, converteu-se antes de morrer” (
www.aciprensa.com, 2 de Deciembre de 2008)”.

Ora, para Gramsci, cujas teses gerariam o eurocomunismo e um método insidioso de destruição do senso comum, a Igreja Católica
e a família cristã eram os principais obstáculos para que a ideologia comunista se tornasse pouco a pouco hegemônica nas mentes e na cultura. Diz com precisão a referida matéria da ACI que “Gramsci propunha acabar com as crenças, tradições e costumes que falassem da transcendência do homem, ridicularizando-as; silenciar com a calúnia tudo o que falasse de algo transcendente; criar uma nova cultura onde a transcendência não tenha lugar, infiltrando a Igreja para conseguir, por qualquer meio, que bispos e sacerdotes dissidentes falassem contra ela. Este plano propunha, em suma, destruir a Igreja ‘por dentro’.” Estamos diante, portanto, propriamente, do que Santo Agostinho chamaria “um poço de lama”. Estamos diante de um monstro de iniqüidade.

E, no entanto, segundo ainda a ACI, durante uma conferência de imprensa difundida pela Rádio Vaticano, “Mons. De Magistris explicou que Gramsci tinha em seu quarto (no hospital onde esperava a morte) a imagem de Santa Teresinha do Menino Jesus. Durante sua enfermidade, as freiras da clínica em que estava internado levavam aos doentes a imagem do Menino Jesus, para que a beijassem. Como não a tinham levado a Gramsci, ele se queixou: ‘Por que não me trouxeram a imagem?’, disse-lhes. Então, afirma o Prelado, levaram-lhe a imagem do Menino Jesus, e ele a beijou. Recebeu também os sacramentos, voltou à fé da infância”, e pouco depois morreu, aos 46 anos.

A fonte de Mons. De Magistris foi “uma religiosa natural da Sardenha, irmã de Mons. Giovanni Maria Pinna, Secretário da Signatura Apostolica. Sor Pinna, numa Missa
em sufrágio do irmão, realizada na Igreja de San Lorenzo em Damaso, contou a história sobre Gramsci", dizendo que “o Sr. Gramsci pediu para ver a imagem e, quando a teve diante de si, a beijou com evidentes sinais de comoção”. Além do mais, “outra religiosa que estava de serviço na clínica, a suíça Sor Gertrude, revelou que no quarto 26, onde Gramsci passou o último período de sua vida, havia uma imagem de Santa Teresinha do Menino Jesus ‘pela qual ele parecia nutrir uma simpatia humana, a ponto de não querer que ela fosse retirada ou movida”.

Naturalmente, a maioria dos gramscianos não quer dar fé ao sucedido, mas Giuseppe Vacca, Diretor do Instituto Internacional Gramsci, diz que a conversão do intelectual “não seria nenhum escândalo e não mudaria nada", porque, com efeito, “seu método de hegemonia cultural continua a ser empregado por grupos feministas, abortistas e de pressão pró-homossexuais”.

Como diz porém um sacerdote italiano, ainda segundo a ACI, a conversão pode dever-se à mesma Santa Teresinha, a qual “ofereceu sua vida pela conversão do anarquista Prandini, que efetivamente antes de ser guilhotinado pediu para beijar o crucifixo”. E afirmava Santo Tomás de Aquino, na Suma Teológica, que o condenado à morte que tenha contrição perfeita antes de morrer, precisamente porque a pena humana pela qual sua culpa é paga lhe tira o que de mais precioso tem, a vida, nem sequer passa pelo purgatório; sua alma vai direto para o céu. Por isso mesmo, aliás, em grande parte da Idade Média e depois, havia ordens religiosas cuja principal função era acompanhar até o patíbulo os condenados à morte, rezando para que se arrependessem e conquistassem assim a glória.

Qualquer que seja, todavia, a causa segunda da conversão de condenados ou de homens como Gramsci (e de uma incontável multidão de outros semelhantes, incluindo o Bom Ladrão), o fato é que a causa primeira dela será sempre a eleição divina, que, ainda segundo Santo Tomás de Aquino na Suma Teológica, se deve não ao conhecimento dos méritos humanos, mas a um “amor de dileção”. “O amor antecede a ciência”, diz o Aquinate com respeito a isto. E diz mais: a salvação de todo e qualquer homem corresponde à misericórdia divina, enquanto a condenação dos réprobos, à sua justiça.

Estamos diante de um mistério, de um grande mistério: o da predestinação, cujo miolo jamais poderemos compreender nesta vida (e, com efeito, toda e qualquer tentativa de penetrá-lo redundou em heresia, quer a de um Pelágio, num extremo, quer a de um Lutero, no outro). E estamos diante também de uma doutrina sobre o tema, a de Santo Tomás, que exige longo e paciente comentário, o qual será feito em outro meio, não neste blog, mas dentro de relativamente pouco tempo.

Seja como for, como já dizia o mesmo Santo Tomás de Aquino (no “Tratado da lei” da Suma Teológica) ante a possível incompreensão de sua doutrina, diga-se ao menos com Santo Agostinho (também nisto o mestre do Aquinate): “Por que Deus deixa justos [cristãos] morrer em pecado mortal, e salva no último instante poços de lama? Não o sabemos; sabemos apenas que a justiça de Deus é perfeitíssima”.

Demos graças a Deus por sua infinita misericórdia, e demos-Lhe graças sobretudo pelo único mérito capaz de salvar da morte eterna do pecado: a morte de Cristo na cruz.

Em tempo 1: O que se escreveu aqui sobre a misericórdia e a eleição divinas segue válido ainda que não seja verídica a história da conversão de Gramsci, até porque sem dúvida alguma é verídica a de uma quantidade inumerável de casos semelhantes.

Em tempo 2: Dissemos em um artigo que a “reconstrução ideal da história” é uma das formas de pensamento mágico, e que dela faz parte o sedevacantismo, ou seja, a doutrina que afirma que a Sé de Pedro está vacante pelo menos desde o Papa João XXIII. Pois bem, assim que termine a série “O Cogito cartesiano, ou o pensar como causa do ser” (o que se dará dentro de dois ou três artigos), começarei a escrever uma série justamente sobre a “reconstrução ideal da história” e, especialmente, sobre (contra) o sedevacantismo. Como a série sobre o “Cogito”, também esta série será um apêndice a “Pensamento mágico e bom senso”; mas será muito mais longa, além de ser, parece-me, muito mais urgente que ela.