segunda-feira, 23 de março de 2015

Carlos Drummond de Andrade e a alma brasileira

Sidney Silveira

A QUEM ME PERGUNTA QUE VERSOS traduzem a alma brasileira, costumo responder sem hesitar: os d"A Máquina do Mundo", de Drummond.

O caminhante deste terrível poema, ao final da jornada, recusa o esplendor, diz não à beleza, renega a luz, tem um esgar de indiferença doentia com relação a tudo o que não radique no seu tresloucado anseio de medir o mundo inteiro pelo próprio umbigo. Tal soberba leva-o a não aceitar ser regalado com dons, ou pior: na prática, leva-o a desfazer-se dos que possui, na presunção insuportável de tê-los recebido.

Ao escrever esta obra em tercetos primorosos, a qual termina numa atitude verdadeiramente satânica do protagonista do poema, talvez Drummond não imaginasse traduzir fielmente a fatídica vocação brasileira à mediania.

É verdade que esta recusa coletiva à excelência hoje ganha contornos macabros, sob o tacão dos atuais Donos do Poder, mas se olharmos para a história das idéias no Brasil veremos que muitas vezes os homens de gênio tiveram de aturar gárgulas anões a lhes morder os calcanhares.

Tiveram de aturar pessoas que não suportam ver alguém cometer o crime de vislumbrar um horizonte acima de suas cabeças nanicas.

De minha parte, fico com a atitude do contemplador da máquina do mundo n"Os Lusíadas": gratidão perante a notável visão da beleza, que existe para ser contemplada e amada.

Mudaremos algum dia?