sexta-feira, 9 de maio de 2014

Vaidade, hipermetropia da alma


Sidney Silveira

O desobediente não pode ser sábio. O jactancioso não pode ser sábio. O que vive a meter-se em contendas não pode ser sábio. O hipócrita não pode ser sábio. O pertinaz não pode ser sábio. O que está sempre à procura de novidades não pode ser sábio. O que não ajusta a sua vontade à dos homens mais excelentes não pode ser sábio. 

Aqui estão, pois, enumeradas as sete filhas da vaidade — vício capital que faz perder a alma: 

> Desobediência
> Jactância
> Contenda
> Hipocrisia
> Pertinácia
> Presunção de novidades 
> Discórdia

Este é o parecer de Santo Tomás de Aquino; não subscrevê-lo seria tolice.

Chamamos “vaidoso” ao homem que, habitualmente, procura manifestar a própria excelência de maneira artificiosa e desordenada. Expliquemos os termos: "artificiosa" porque este pobre-diabo vive, de fato, a criar artifícios mil com o intuito de referir presumíveis ou supostos méritos que possua; "desordenada" porque, em verdade, o simples fato de se esforçar neste sentido diagnostica-lhe a perda do senso de proporções e de direcionamento da alma — aprisionada numa espécie de sala de espelhos na qual apenas as suas qualidades são projetadas, de diferentes ângulos.

Noutras palavras: o vaidoso não obedece senão ao seu umbigo; usa o pronome “eu” com cansativa constância — oblíqua ou manifestamente —, sem perceber que a maior parte dos seus raciocínios são circunlóquios cujo fim é enaltecer a si próprio; vive metido em contendas; tende à hipocrisia de maneira funesta, pois, para não se sentir diminuído, muitas vezes procura aparentar ser mais do que é; se porventura é contra-argumentado, não cede nem mesmo às mais acachapantes evidências em contrário às suas opiniões, mantidas a ferro e fogo; em tudo e por tudo, quer ser ou parecer original; não suporta a existência de pessoas mais excelentes, sendo exatamente contra estas que se volta com maior afinco, pelo tortuoso instinto de autodefesa por meio do qual se atormenta sem parar, com a possibilidade de se ver ou de se sentir superado.

Quem não possui um "vaidadômetro" saiba que estes são os traços distintivos do homem vaidoso — de quem é bom manter preventiva distância, por uma questão de higiene pessoal. E o é, sobretudo, porque a vaidade tem algo de contagioso, pois geralmente as criaturas que sofrem deste vício infernal acabam encontrando carradas de justificativas para o seu proceder, com rigorosa lógica entre as premissas e as conclusões. Isto pode tornar-se nefastamente atrativo para pessoas que ainda não criaram anticorpos contra a vaidade.

A propósito, dois são os principais anticorpos contra a vaidade: humildade e generosidade. Não por outro motivo, o verdadeiro pedagogo educa, antes de tudo, para estas duas virtudes morais, sabedor de que, sem elas, se cria um impedimento formal para a ordenação dos saberes em vista de que o homem se torne melhor e enxergue a si próprio sem um defeito análogo ao de quem sofre de hipermetropia: a dificuldade de focar a imagem em objetos próximos. E nada mais próximo de cada homem do que a visão da sua própria pequenez, comparada à vastidão do universo e também à incomensurabilidade de Deus, para quem n’Ele crê. 

Muitos talentos se perdem porque ninguém lhes ensinou a fazer este ajuste de foco a tempo de evitar que o vício capital da vaidade deitasse raízes em suas almas.

Maldito seja, pois, o mestre que induz os seus discípulos à vaidade, em vez de lhes apresentar o caminho — dificultoso e árido, sem dúvida — da sabedoria, à qual se fez alusão no começo deste breve texto e que tem a humildade como primeiríssimo degrau.