quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Entre opiniões e vagidos


Sidney Silveira
Não me aborrece em absoluto ver pessoas expressarem opiniões diferentes das minhas. Jamais me verão dar chiliques por conta disso!

Já dizia o bom e velho Tomás de Aquino: opinião é o ato do intelecto que se inclina a uma proposição com temor de que a sua contraditória seja verdadeira (cfme. “Suma Teológica”, I, q. 79, art. 9, ad.4). Em síntese, a opinião é justamente o intermezzo entre a dúvida e a certeza: na dúvida o sujeito coloca-se num ponto eqüidistante entre proposições contraditórias ou aparentemente contrárias, sem se decidir por nenhuma, ao passo que na certeza o espírito adere firmemente a uma delas, em detrimento das demais.

O Aquinate distinguia dois tipos de opinião: opinio communis, pautada no bom senso, e a opinio extranea, ou seja, a bizarra, descabida ou extravagante. Esta última pode ser má ao ponto de o grande teólogo identificar-lhe um grave perigo: nalguns casos ela pode destruir os princípios universalíssimos sobre os quais se apóia toda filosofia digna deste nome.

A propósito, rio-me interiormente ao ver liberais democratas natos e hereditários espocarem feito catapora, apenas porque lhes são insuportáveis as opiniões divergentes das suas. Parecem acometidos duma doença auto-imune cujo sintoma é partir para a detração, a murmuração ou o insulto, pelo simples fato de que alguém ousa discordar deles. Em resumo, a sua é a mais tirânica das opiniões: a que se quer verdade absoluta sem deixar de ser opinião. Anômala espécie de “doxa epistêmica”.

Em geral, alguém com este perfil finge escandalizar-se com opiniões que em si não podem ser ditas extravagantes, pois se ancoram em evidências ou em premissas razoáveis. Temos aqui o sinal distintivo de um dos mais letais tipos de má-fé: a afetação — que não é outra coisa senão a falta de naturalidade na ação, algo tão denunciador quanto batom na cueca. Ora, a afetação é irmã siamesa da desonestidade intelectual, e o contato com pessoas com tal deficiência de caráter é perigosíssimo, devido ao fato de que o contágio pode ser rápido e acarretar seqüelas definitivas.

A gradação que vai da ignorância à ciência passa necessariamente pela opinio communis, e não raro pela opinio extranea. Neste último caso, trata-se de algo dialeticamente útil, pois a certeza que não considera objeções e idéias estranhas ou contrárias às suas premissas nunca deixará de ser frágil, ou então falsa. Nunca deixará de ser o signo da atitude covarde de quem precisa do consenso para manter-se protegido, qual criancinha debaixo das saias da mamãe.

Nos casos de flagrante desonestidade, ou então de desonestidade presumivelmente chegada ao limite do incurável, aquela que os cristãos sempre chamaram de “pecado contra o Espírito Santo”, o remédio é afastar-se. Gente com esta doença da alma não tem corriqueiramente opiniões erradas, pois a legítima opinião — mesmo quando errada — precisa do espírito de veracidade para existir, e tais pessoas mentem em nível patológico. 

A propósito, quem mente não opina, tergiversa maldosamente.

Em breves palavras, a opinião temerária ou apoiada em consensos fabricados tangencia a fraude, e um dos critérios para distinguir o opinador honesto do palpiteiro velhaco, cuja tendência é transformar-se em proverbial mentiroso, é levar em conta o nível de extravagância no opinar e também aferir se as opiniões expressadas são a repetição mecânica das idéias de facções ou seitas às quais alguém adere para sentir-se seguro

Nestes dois casos não há opinião em sentido próprio, mas agônicos vagidos.