São João Batista é o maior dos Profetas, Santo verdadeiramente incomparável. Na verdade, é o mais elevado de todos, depois de Nossa Senhora — que é gratia plena —, a ponto de o próprio Cristo dizer dele:
"Dentre os nascidos de mulher, ninguém é maior do que João” (Lc. VII, 28).
Na vida deste mártir precursor do Messias encontramos misticamente tudo o que a trajetória espiritual contempla. Mas eu gostaria de destacar apenas alguns aspectos, sendo o primeiro deles a santificação. Ora, ninguém inicia o caminho de perfeição sem receber o dom da graça, que é, como dizia Santo Tomás de Aquino, o princípio da glória (inchoatio gloriæ). E a graça em João foi, verdadeiramente, abundante; para dimensioná-la, lembremos que ela foi recebida antes mesmo de ele nascer, no exato momento em que Nossa Senhora visitou a prima Isabel e o menino fez estremecer o ventre de sua mãe, ao ouvir a saudação de Maria (Lc. I, 41-44).
Isto nos aponta para uma verdade de fé digna de ser meditada constantemente: embora não tenha recebido a graça extraordinária da concepção imaculada (prerrogativa concedida por Deus exclusivamente à Virgem Puríssima, que participa instrumentalmente da união hipostática, como frisava o grande teólogo Garrigou-Lagrange), São João Batista já nasceu Santo, pois, como ensina a Sagrada Escritura, ele foi santificado ainda no ventre de sua mãe Isabel, no momento em que esta se encheu do Espírito Santo. “Não temas, Zacarias, que a tua oração foi ouvida. Isabel, tua esposa, dará à luz um filho e chamar-lhe-ás João. Ele será grande diante do Senhor e cheio do Espírito Santo já desde o ventre da mãe” (Lc. I, 13-15).
Reflitamos, pois, acerca disto:
a) Maria Santíssima foi concebida sem pecado, ou seja, foi imaculada desde a concepção;
b) João, o maior dos Santos depois de Maria, embora concebido em pecado, como nós, foi santificado ainda no ventre de sua mãe, ou seja, antes mesmo de nascer;
c) todos os demais Santos receberam a graça depois de nascidos.
Por aí podemos ver o quanto Santo Tomás de Aquino estava certo ao remeter-nos, em diferentes pontos de sua obra, a uma verdade teológica: Deus dá graças proporcionadas à missão que escolhe para cada um. A de João, a propósito, foi nada menos que a de aplainar os caminhos de Nosso Senhor — razão pela qual veio ao mundo já sob a sombra benfazeja da graça. Missão altíssima; graça abundantíssima a ela proporcionada.
Outro ponto digno de nota na vida de São João Batista: jejum e oração — as armas de que o cristão deve munir-se para fazer a graça recebida dar os frutos queridos por Deus. Ora, João é modelo neste aspecto, por sua austeridade e pelo total desapego das coisas mundanas. Sabemos pela Sacra Pagina que o grande Santo alimentava-se de gafanhotos e mel e vivia no deserto em oração constante. Portanto, a eloqüente pregação e o batismo de conversão e arrependimento deste que é o maior dos Profetas nutriam-se, no tocante ao aspecto prático, da vida de jejum e oração. Ressalte-se, neste contexto, que a importância deste “sim” interior, desta nossa anuência ao amor de Deus, antes de qualquer ação importante do ponto de vista espiritual, nós a podemos vislumbrar pelo fato de o próprio Cristo, o Verbo Encarnado, ter querido submeter-se ao batismo de João, antes de ir para o deserto ser tentado pelo diabo.
Vale ainda lembrar que a Liturgia tradicional celebra João dizendo, no intróito de sua festa (dia 24 de junho), o seguinte: de ventre matris meæ vocavit me Dominus nomine meo: et posuit os meum ut gladium acutum (“O Senhor chamou-me pelo nome desde o ventre de minha mãe. Fez da minha boca uma espada irresistível”). E o profeta Jeremias (I, 5-9), nessa mesma Liturgia, nos diz: Priusquam te formarem in útero, novi te: er antequam exires de ventre, sanctificavi te. (“Conheci-te ainda antes de te formar no ventre de tua mãe e santifiquei-te antes de vires à luz”).
Por fim, eu gostaria de fazer menção à coroa do martírio, que os grandes Santos recebem de acordo com o beneplácito divino, em geral pelo seguimento fiel da Palavra de Deus. Neste ponto vale meditar o seguinte: é impossível conciliar duas coisas entre si separadas por um abismo — a verdade revelada e o espírito do mundo. Portanto, mesmo que Deus não nos dê a glória de morrer devido ao odium fidei do mundo, como foi o caso de João, cuja cabeça foi entregue numa bandeja, cada um de nós pode (e deve) perguntar-se reiteradas vezes: até que ponto sou capaz de me expor para defender as verdades da fé? Que cicatrizes apresentarei a Nosso Senhor, quando ele me perguntar: ‘Que fizeste com os talentos que te dei?’, ou seja, quando ele pedir-me que lhe preste contas (cfme. Mt. XXV, 19)? Serei eu capaz de perder algumas das minhas comodidades temporais ou psicológicas para colocar-me ao lado do Evangelho? De alguma maneira sou capaz de aplainar os caminhos de Cristo para alguma alma?
Em geral, a nossa fraqueza dista imensamente de tão elevado estado de espírito. Por isso, antes de tudo, devemos pedir a Deus as graças santificantes sem as quais sequer podemos começar a caminhada espiritual, como se disse acima. E mais do que cumprir o preceito dominical, que é dever de todo católico, é necessário buscar a comunhão freqüente, pois é da Eucaristia que nos vêm a força para não cair fragorosamente, de pecado em pecado, até chegar ao abismo da cegueira mental mais dramática, pois na Eucaristia Cristo está totalmente — em corpo, sangue, alma e divindade, embora alguns hereges inventem bobagens para contrariar sofisticamente o dogma.
Encerro fazendo uma referência à razão de ser deste breve texto. Ontem, durante a Santa Missa dominical, antes de comungar em intenção de agradecimento por ter saído quase ileso de um grave acidente automobilístico — que sofri no dia de São João Batista, a última sexta-feira, 24/06 —, ouvi na homilia o padre dizer uma coisa muito acertada: "O cristão deve estar sempre preparado para duas coisas, comungar e morrer. E se não estiver pronto para comungar, muito menos estará para morrer. Portanto, quem não está devidamente preparado para essas duas coisas... é bom que não seja colhido pela morte súbita!". Imediatamente pensei em João Batista, em cuja festa litúrgica livrei-me da morte; e o meu coração encheu-se de devoção por sua excelsa santidade.
Obrigado, São João Batista! Doravante serás o padroeiro de todas as atividades da editora Sétimo Selo, do blog Contra Impugnantes e do Instituto Angelicum, as quais são ofertadas à Virgem Maria, nossa Mãe santíssima. Que essas atividades continuem apenas se for da vontade de Deus.
Amém.
Em tempo: O táxi em que eu ia capotou três vezes (quem quiser ver o estado do veículo, clique aqui). Saí com um leve traumatismo craniano e uma contusão pequena na bacia. Os exames constataram não ter havido nenhuma lesão cerebral, graças a Deus. Agradeço a todos os amigos queridos que, sabendo do acidente, rezaram para que não fosse nada grave. A propósito, como é habitual acontecer no jornalismo tupiniquim, as informações no link acima estão desencontradas: quem não se feriu foi a motorista do automóvel que causou o acidente; e no táxi estávamos um passageiro (eu) e o motorista.