quinta-feira, 2 de junho de 2011

A reforma da língua pelos "aglotas"

Sidney Silveira

Continuo, infelizmente, sem tempo para responder (às vezes sequer abrir) aos meus emails, e por conseguinte para postar novos textos no Contra Impugnantes. O Nougué mais ainda! Contudo hoje passo aqui apenas para anunciar que, um pouco mais adiante, o Prof. Nougué apresentará uma verdadeira demonstração apodítica da absurdidade da recente reforma ortográfico-gramatical, que, infelizmente, todos os editores brasileiros assimilaram sem dar um pio — num bom-mocismo que denota claramente o estado de coisas por estes trópicos ínferos. Na editora Sétimo Selo recusamo-nos a dizer "amém" a esta bizarra mudança; os livros continuam a ser publicados na ortografia anterior. A menos que nos obriguem legalmente.

Esta reforma foi capitaneada por interesses financeiros de meia dúzia de editores apaniguados do governo, e levada a cabo pela vaidade de alguns gramáticos confusos. E o pior de tudo: foi uma reforma imposta arbitrariamente pelo poder público, que pôs o dedo onde por princípio não deve pôr, dado que a língua é patrimonônio de um povo, sustentáculo da cultura, veículo de preservação dos valores e idéias, e não se mexe nela ao arbítrio de uma pequena parcela de pessoas. Tratou-se de uma reforma referendada por "aglotas", termo usado por um professor de português que tive (já falecido), para designar os antípodas do poliglota: é o sujeito que não fala idioma algum, nem o pátrio...

Se não gritarmos agora, em breve virá a reforma que imporá a linguagem internética (e onomatopaica) dos "kkkkk", "rsrsrsrs", etc., mais própria de galináceos ou de asnos consumados e hereditários.

Aguardem: os argumentos gramaticais (e históricos) do Nougué são absolutamente demonstrativos. Eu o instei a escrever o texto, que será um grande serviço.

Ao ser publicado por aqui, peço a todos que o difundam.

P.S. Fico cá com os meus botões pensando: pena que não temos mais no cenário nacional um Napoleão Mendes de Almeida, por exemplo, que apesar da ranzinzice era um notável gramático e não se furtava ao papel que lhe cabia, o de ensinar a língua vernácula. E com humor benevolamente ácido. Transcrevo aqui, a propósito, um trecho do seu engraçadíssimo Dicionário de Questões Vernáculas, no verbete "mesmo":


"Erro muito freqüente é o emprego do demonstrativo mesmo com função pronominal em construções como estas: 1- "...nova ortografia, visto que os trabalhos serão corrigidos pela mesma"; 2- devemos estudar português e as matérias que têm relação com o mesmo"; 3- A Sociedade Tal é constituída dos senhores F e F, e os mesmos dedicam à mesma todas as energias"

Desse erro têm grande culpa os "críticos de cacófatos". Sem conhecimento seguro da gramática, tão só cacófatos vêem num trabalho muitos de nossos homens de crítica literária cegos a erros graves de sintaxe, quando não de morfologia; surpreendem o leitor com tais descobertas, como se escrever em bom português consistisse em ter malícia, em ter espírito mesquinho. Preocupados com vocábulos de grande erudição pornográfica, sentem-se felizes esses críticos quando num trecho encontram desse teor palavras que possam mostrar ao leitor, maduro mas sem preocupações tolas, ou ao aluno, estudioso mas sem malícia.

(...) Passam a fugir do pronome ela, eliminando-o em toda a circunstância, para substituí-lo por a mesma. (...) o mesmo fizeram com o masculino ele, que para todos os efeitos se transformou em o mesmo, donde os três exemplos acima apresentados, aos quais somaremos mais estes: 4- "Vou à casa de minha mãe; falarei com a mesma sobre o assunto"; 5- Realizou-se ontem a esperada festa; à mesma compareceram....".

Em algum lugar que agora não encontro, referindo-se a esse verbete usa o zangado Napoleão a expressão "orgia mesmítica" para designar tal sestro.

Quem puder compre o livro Dicionário de Questões Vernáculas, instrutivo do papel que cabe ao verdadeiro gramático em qualquer país. Ainda que não concordemos com todas as suas posições.