sábado, 3 de janeiro de 2009

Ciscando com o bico alheio

Sidney Silveira
Impressiona-me grandemente a capacidade que têm alguns diletantes brasileiros da blogosfera de ciscar (feito galinhas carijós) citações de pensadores de orientação tomista com o propósito de historicizar Santo Tomás a todo custo, ou seja, enquadrá-lo em seu tempo, mesmo sabendo a altura universal a que chegou como filósofo, como teólogo e, sobretudo, como Doutor da Igreja cuja autoridade doutrinal atravessa séculos de beneplácito do Magistério eclesiástico — tanto ordinário, como extraordinário. Pobres homens! Incapazes de argumentar filosoficamente para defender o seu tosco historicismo, fazem o contrário do que ensinara aquele que dizem ter sido o seu mestre (talvez nalgum momento de insônia em que leram, de esguelha, trechos de sua obra): apóiam-se em “autoridades” humanas para dizer, por intermédio de outrem, o que não têm coragem de afirmar explícita e diretamente. Estão ciscando com o bico alheio, usando palavras como as que li hoje num blog: palavras que são uma espécie de sal que não salga, quando poderia e deveria salgar.

A propósito, esta é uma coisa que me irrita e entristece enormemente: a atitude desses homens que, tendo alguma capacidade, se perderam num mato sem cachorro porque sacrificaram o seu conhecimento objetivo em favor de interesses menores. Estão — por essa flagrante pusilanimidade — condenados ao letargo intelectual do qual parece não haver saída, porque lhes falta a paixão pela verdade, princípio e fim de uma vida verdadeiramente filosófica (dentro ou fora da Academia). E se um homem não tem paixão pela verdade, resta-lhe o medo da opinião, restam-lhe os chamados "respeitos humanos", resta-lhe o amesquinhamento de sua vocação ao estudo, se a tem. Graças a Deus, nunca é tarde para apaixonar-se, nunca é tarde para haver uma conversão verdadeira que conduza não ao farisaísmo, que pára* na fria superfície das formas externas, mas ao bom combate, que esquenta porque nasce do coração.

Do Céu, Santo Tomás certamente não aprova a conduta desses sujeitos que, dizendo-se algo conhecedores de sua obra, pretendem não apenas retirar dela a decisiva orientação de serviço e defesa da fé, mas também mostram ter grande ojeriza ao fato de que a Igreja o tenha consagrado como Doctor Communis. Com certeza, ao lado dos seus verdadeiros “comensais” (os demais Santos que, na vida, foram corajosos defensores da fé e da verdade), o Doutor Comum há de olhar com imaculado desdém para esses homens que se deixaram esfriar, ou melhor, não se deixaram inflamar pelo amor à verdade, que, para um católico, se confunde com o amor a Cristo, o amor àquilo que Ele ensinou e que à Igreja cabe guardar, sempre expurgando as idéias espúrias que os homens — e o inimigo dos homens, por antonomásia — pretendem disseminar.

* Escrevi “pára” com acento, e mais à frente falaremos, eu e o Nougué, sobre o grande absurdo desse “acordo” ortográfico da língua portuguesa. Acordo de quem e para quem? Ou ainda: para quê? Voltaremos, noutra ocasião, ao tema.