segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Novo número da revista “Le Sel de la Terre”: a contracepção e o Magistério modernista


Sidney Silveira

Chegou-me por estes dias o número 75 da revista Le Sel de La Terre, dos dominicanos de Avrillé. Um dos textos, particularmente, destaca-se: Paulo VI e a contracepção — uma condenação hesitante e tardia, assinado por Marie-Dominique O.P.

Como não poderia deixar de ser, esse texto remete-nos, ao fim e ao cabo, à questão sobre o uso de preservativos suscitada recentemente na mídia internacional, graças a uma declaração heterodoxa e não-magisterial do Papa Bento XVI acerca do assunto, abordada em uma série de textos do Contra Impugnantes.

Marie-Dominique faz um passeio no tempo e remonta ao ano de 1956, quando surgiu a pílula anticoncepcional nos EUA — e mostra como, desde então, a pretexto de “diálogo” com o mundo, o Magistério foi abrindo brechas doutrinais para acomodar-se à modernidade e a suas demandas. Neste contexto, lembra-nos o autor francês que o Papa Paulo VI simplesmente retirara o tema da contracepção da pauta do Concílio Vaticano II, confiando-o a uma Comissão “especializada”: a Comissão para o Estatuto dos Problemas da População, da Família e da Natalidade (nome altamente sugestivo, prolixo e dúbio, como sói acontecer com o Magistério desde os "ventos de modernidade" da época do Concílio).

Das postulações da referida Comissão até a redação dos textos da Gaudium et spes, Marie-Dominique mostra como a mentalidade contraceptiva foi penetrando subrepticiamente na Igreja, com a supressão da prole como inarredável bem (e fim principal) do matrimônio. Daí até a Encíclica Humanæ Vitæ, de Paulo VI, o caminho percorrido esteve permeado de meandros nem sempre muito claros — que culminaram no texto da referida Encícicla, o qual, apesar de algumas frases ortodoxas, é permeado de imprecisões e omissões. A propósito, a quantidade de vezes em que o ato conjugal é evocado na Encíclica já denota claramente uma mudança de timbre do Magistério, que vai cada vez mais enfatizar o aspecto subjetivo do amor entre os esposos em detrimento da razão de ser do matrimônio, conforme a Tradição.

A contraposição entre a Humanæ Vitæ, de Paulo VI, e a Casti Conubii de Pio XII, no texto de Marie-Dominique, tem um caráter de prova documental da mudança do Magistério no tocante ao matrimônio cristão. Tem caráter de evidência.

Cada vez mais me convenço: quando se começa a estudar a fundo e a contrapor o Magistério tradicional ao que nasceu do espírito do Vaticano II, não há como defender a chamada hermenêutica da continuidade.

O que nos espera, a partir de agora, é algo que a minha fértil imaginação não alcança...