Sidney Silveira
“Vai, e não tornes a pecar”, diz Cristo a uma mulher (Jo. VIII, 11).
Nosso Senhor resume numa simples frase qual é a atitude do poder espiritual frente ao pecado: perdão, mas ao preço módico — porém necessariíssimo! — do arrependimento e do conseqüente dever de mudar de vida, por parte do pecador, o que pressupõe uma postura de conversão a Deus e de aversão a todos os atos que afastam o homem de Deus. “Não tornes a pecar”.
Tão límpidas são as palavras do Evangelho! Tão límpida é a doutrina da Igreja que, pelo Magistério, há dois mil anos sempre cumpriu o grave dever de proclamar a verdade da fé! "Sim-sim, não-não", aconselha o Nosso Senhor. Em resumo, pecado e ato moralmente lícito são duas coisas absolutamente irredutíveis uma à outra, razão pela qual não se pode dar nenhum passo rumo à moralização pecando. Porque, pecando, perde-se a alma. Pecando, esta simples palavra, que, na frase anterior, do ponto de vista gramatical possui em nossa língua inculta e bela a função sintática de oração subordinada adverbial causal reduzida de gerúndio, é do ponto de vista moral o completo avesso do bem, pois indica o exercício do pecar. Reiteremos: ninguém dá o primeiro passo para moralizar-se pecando, ainda que o fizesse com a presumível 'consciência de que nem tudo é permitido'. Simples assim. Cristo disse: “Vai, e não tornes a pecar”, e não “Vai, e faças uso da camisinha”.
Estas coisas não são assim em virtude do arbítrio humano. Quero dizer com isto que um ato ser bom ou mau não é definido pela consciência do indivíduo que age desta ou daquela maneira, pois há uma objetividade do bem e do mal no ato propriamente humano que transcende a consciência do indivíduo*. Um índio tupinambá que come a carne humana do seu inimigo acreditando que com isto está recebendo, pela misteriosa ação de uma ‘divindade’, o poder e a coragem daquela pessoa a quem trucidou, nem por isto deixa de cometer, objetivamente, um gravíssimo ato contra a lei de Deus. Civilizá-lo com a fé — obra excepcional dos jesuítas em nosso país — foi não apenas trazê-lo para a sombra da lei de Deus, mas justamente em razão disto colocá-lo no horizonte da moral. Sim, pois muito mais do que simplesmente imoral era esse índio antropófago um amoral: cometia o mal sem ter a baliza objetiva do bem em seu horizonte, o que lhe podia até trazer atenuantes, mas não reduzia a hediondez do ato pecaminoso, do ato contrário à lei de Deus. Não por outro motivo a Igreja sempre ensinou que não há como permanecer no bem sem a graça, não há como habitualmente cumprir a lei natural se se age de forma totalmente alheia à lei divina. Por isto ela sempre gritou aos homens do mundo (e, para fazê-lo, lavando o mundo muitas vezes com o sangue dos mártires): “Convertei-vos”!
Este sempre foi, a propósito, o efeito da ação da Igreja no mundo: civilizá-lo, colocá-lo sob a lei estatuída por um decreto eterno, perfeito e imutável de Deus. Portanto, se o mundo hoje cai tão fragorosamente, em grande parte é porque a Igreja recusa-se a ser a Mestra das nações, recusa-se, pois, a ser magisterial, recusa-se a usar este excelso carisma que lhe foi participado por Cristo. Nunca o mundo precisou tanto de santas admoestações, nunca precisou tanto da santa inflexibilidade dos princípios doutrinários do Cristianismo, e nunca a Igreja omitiu-se tão espetacularmente do seu dever de ensinar com clareza a doutrina que salva as almas e as liberta do... espírito do mundo. Ora, se o mundo, juntamente com a carne e o demônio, sempre foi considerado inimigo da salvação de nossa alma, por outro lado a Igreja sempre ensinou estas palavras de Cristo: “No mundo conhecereis tribulações, mas não vos inquieteis: eu venci o mundo!” (Jo. XVI, 33).
Pois bem: as palavras do Papa Bento XVI que estão sendo veiculadas em todas as línguas e por todos os cantos do mundo são as seguintes:
“Pode haver casos pontuais, justificados, como por exemplo a utilização do preservativo POR UM PROSTITUTO, em que a utilização do preservativo possa ser um primeiro passo para a moralização, uma primeira parcela de responsabilidade para voltar a desenvolver a consciência de que nem tudo é permitido e que não se pode fazer tudo o que se quer”.
Um prostituto! Deus do céu! Alguém imagina mesmo que esse arquetípico prostituto ético terá, in actu exercito da prostituição, a consciência nascente "de que nem tudo é permitido"? Ora, nem entremos no mérito de que, ao que consta, os prostitutos têm clientes em sua maioria homens, pois isto não importa para o que nos interessa no momento, por ser um problema derivado do primeiro. Basta saber que nunca, jamais, em hipótese alguma, pode o uso do preservativo por um prostituto (ou por quem quer que seja!) ser o primeiro passo para a moralização, pois, como se disse acima, ninguém dá o primeiro passo para moralizar-se pecando, mas sim arrependendo-se do pecado. Portanto, esta declaração do Papa Bento XVI não pode de forma alguma ser considerada um ato magisterial, mas apenas uma opinião que em si não tem valor algum, ou melhor: tem um imensíssimo “desvalor”, pois será aproveitada (e aplaudida) pelos homens de espírito mundano em toda a face da Terra.
Eu poderia arrolar aqui todos os princípios metafísicos da ordem moral para provar cabalmente o que se disse acima: que não se pode dar o primeiro passo para a moralização pecando. Mas prefiro chorar de tristeza e rezar:
Veni, Domine Iesu.
Em tempo: É claro que os modernistas católicos de todas as tendências tentarão justificar as palavras do Papa dizendo que, segundo ele, “o preservativo não é a solução verdadeira e moral para a sexualidade”, pois, nas palavras mesmas do Sumo Pontífice, deve haver uma “humanização da sexualidade”. Mas aí a coisa piora deveras: não se pode humanizar o que de per si já é humano! O que a Igreja sempre ensinou foi a necessidade de divinizar a sexualidade (e não de humanizá-la) colocando-a sob o Sacramento do matrimônio instituído por Cristo. Ou seja: tornar a união sexual entre homem e mulher sagrada (ou não é esta é a função do Sacramento?).