Sidney Silveira
Num estupendo Sermão, propõe-nos São Bernardo uma espécie de dilema: ou Cristo se engana, ou o mundo erra; ora, é impossível que a sabedoria divina se engane (Sermo III, De Natividade Domini, nº 1). Concluamos nós: Ergo mundus errat. O grande abade cisterciense referia-se ali aos costumes do mundo, às idéias do mundo, às modas do mundo, às atrações do mundo, às ocasiões propiciadas pelo mundo, ao gozo do mundo, aos respeitos humanos do mundo, à política do mundo. Quanto mais nos engolfamos nestas coisas todas sem a luz da sabedoria divina a guiar-nos, tanto mais nos afastamos de Deus decisivamente. E nos lembra São Bernardo a máxima evangélica proclamada da boca do Salvador: Vos estis lux mundi (Mt. V, 14), a qual devemos ter sempre no horizonte, toda vez que o mundo nos solicita. E quantas vezes, ai de nós, nos deixamos levar pelas superfluidades do mundo, pelos respeitos humanos, e colocamos culpavelmente de lado esse ensinamento do Cristo?
Num estupendo Sermão, propõe-nos São Bernardo uma espécie de dilema: ou Cristo se engana, ou o mundo erra; ora, é impossível que a sabedoria divina se engane (Sermo III, De Natividade Domini, nº 1). Concluamos nós: Ergo mundus errat. O grande abade cisterciense referia-se ali aos costumes do mundo, às idéias do mundo, às modas do mundo, às atrações do mundo, às ocasiões propiciadas pelo mundo, ao gozo do mundo, aos respeitos humanos do mundo, à política do mundo. Quanto mais nos engolfamos nestas coisas todas sem a luz da sabedoria divina a guiar-nos, tanto mais nos afastamos de Deus decisivamente. E nos lembra São Bernardo a máxima evangélica proclamada da boca do Salvador: Vos estis lux mundi (Mt. V, 14), a qual devemos ter sempre no horizonte, toda vez que o mundo nos solicita. E quantas vezes, ai de nós, nos deixamos levar pelas superfluidades do mundo, pelos respeitos humanos, e colocamos culpavelmente de lado esse ensinamento do Cristo?
Hoje em dia, mais do que em qualquer outra época, cumprir essa vocação iluminadora torna-se algo supinamente heróico, quase impossível. E isto tem uma razão principal: a descatolicização do mundo (e conseqüente declínio civilizacional) está na exata proporção da invasão do pior do mundo em nossas vidas e, sobretudo, na vida da Igreja em todos os seus níveis hierárquicos e em quase todas as ordens religiosas. A resultante dessa monstruosa conspurcação mundana é uma calamidade: sacerdotes indignos do múnus divino que lhes foi confiado; confederações nacionais de bispos inteiras frontalmente desobedientes ao Papa em questões as mais ordinárias, sejam litúrgicas, pastorais, doutrinais ou teológicas; Magistério não vinculante em todos os níveis (pois se propõe como mero diálogo, e não como um ensinamento advindo de fonte superior, divina); dogmas contrariados como se nada fossem; liturgia aberta aos mais díspares e aberrantes experimentalismos, sob o olhar complacente das autoridades eclesiásticas; padres que, como já avisara Nossa Senhora em La Sallete, são verdadeiras cloacas de impureza; leigos omissos ou totalmente desconhecedores do elementar da doutrina, que a propósito qualquer criança leitora do Catecismo de São Pio X trazia na ponta da língua; liberais infiltrados em todas as fileiras da Santa Igreja, a começar por organizações de leigos católicos sutilmente anticlericalistas; homossexualismo crescente entre pessoas consagradas — uma blitzkrieg do mundo profano e laicista sobre a sagrada doutrina e os costumes da vida social, que sempre foram custodiados (por delegação divina) pela Mestra das Nações que é a Igreja. “Ide, pois, e ensinai a todas as Nações” (Mt. XXVIII, 19), ordenou o Nosso Senhor.
A sabedoria divina parece expurgada do mundo e, por esta simples razão, o mundo cai vertiginosamente. E a sua restauração — se é que este é o desígnio de Deus para o nosso louco tempo —, ao contrário do que pregam os liberais, não pode dar-se no terreno político, pois este é adventício, subordinado e inferior ao poder espiritual, desde que este último não deponha a autoridade que lhe foi participada, deixando de ensinar ao mundo a Verdade revelada, pois o carisma magisterial depende, entre outras coisas, da expressa vontade de ser exercido por aqueles que o receberam de Cristo. Por tudo isso, quando vejo católicos unidos ou (o que é pior!) teleguiados por pseudopensadores liberais que lhes querem convencer de que a resolução da caótica situação do mundo atual se dará pela ação política ou pela cultura — desvinculada da sombra benévola e beatificante do Evangelho, com os seus preceitos e conselhos —, sinto um misto de pena e raiva. Pena dos que aderem a tais encantadores de serpente, verdadeiros proxenetas filosóficos, por ignorância quase invencível; raiva dos que o fazem conhecendo o suficiente da doutrina e da história esplendorosa da Igreja para saber que tais associações com esses liberais, em mil atividades, implicam grave pecado contra o Espírito Santo, pecado crescentemente difundido a jovens que são cooptados para grupos leigos cuja catolicidade é orientada, primordialmente, para o seu próprio crescimento no mundo.
O neopaganismo hoje infiltrado na Igreja, e que já fora denunciado e condenado sob o nome de “modernismo” por São Pio X na Pascendi, é muitíssimo pior do que o paganismo da Antiguidade, pois este último pelo menos trazia intacto o senso comum. Platão, por exemplo, nos ensinara com o seu método alegórico e dialético que a sabedoria não anda pari passu com as turbulências mundanas, pois o filósofo, o amigo da sabedoria, é um contemplador dos espetáculos olímpicos. Alguém que dá um passo atrás para não se envolver de todo na azáfama, no burburinho, no açodamento tão típicos das pessoas mundanas, e tão contaminador das almas.
Os dados da realidade não são de molde a nos incutir nenhum cego otimismo, mas uma coisa pode servir-nos como critério seguro: a Igreja, neste momento de suma confusão doutrinal, precisa como nunca dos fiéis tradicionais, dos padres tradicionais, das pessoas que, entregando-se a Deus, busquem verdadeiramente a santidade, sabendo-a possível não por seus próprios méritos, mas pela Graça gratis data. E também de uma intelectualidade católica solidamente formada no melhor da filosofia e da teologia, para dar resposta aos erros predominantes em nosso tempo, tão contrários ao Evangelho. Uma intelectualidade que traga consigo, como uma espécie de insígnia, aquele raciocínio disjuntivo de São Bernardo, corifeu da Ordem Cisterciense: ou Cristo se engana, ou o mundo erra; ora, é impossível que a sabedoria divina se engane; logo...