Sidney Silveira
“O intelecto humano, que tende naturalmente à verdade como ao seu bem próprio, é levado, cedo ou tarde, a colocar-se o problema de Deus, a aproximar-se da demonstração de Sua existência, porque o significado e o valor de toda verdade vêm de Deus e têm em Deus o seu último fundamento — como Verdade por essência da qual irradiam todas as outras verdades, que são verdades por participação. Assim como o olho é feito para as cores e formas, e o ouvido para os sons, o nosso espírito é feito para Deus, pois encontra em Deus a Verdade suprema na qual repousa. Daí que a existência de Deus é o problema dos problemas; ele constitui a conclusão de toda a filosofia e de todo o conhecimento humano, seja ordinário, seja científico, porque da resolução desse problema depende a orientação definitiva que o homem dará à sua conduta e a toda a sua vida. Pois é um fato, comumente esquecido, que Deus não é objeto da nossa experiência imediata e, por conseguinte, do nosso conhecimento intelectivo, direto ou indireto, como o são as coisas sensíveis e as suas essências. Deum nemo vidit unquam (Jo. I. 18: “Ninguém jamais viu a Deus”); conseqüentemente, o homem deve aproximar-se d’Ele mediante a reflexão [riflessione] ou, mais precisamente, com o processo discursivo da razão”.
“O intelecto humano, que tende naturalmente à verdade como ao seu bem próprio, é levado, cedo ou tarde, a colocar-se o problema de Deus, a aproximar-se da demonstração de Sua existência, porque o significado e o valor de toda verdade vêm de Deus e têm em Deus o seu último fundamento — como Verdade por essência da qual irradiam todas as outras verdades, que são verdades por participação. Assim como o olho é feito para as cores e formas, e o ouvido para os sons, o nosso espírito é feito para Deus, pois encontra em Deus a Verdade suprema na qual repousa. Daí que a existência de Deus é o problema dos problemas; ele constitui a conclusão de toda a filosofia e de todo o conhecimento humano, seja ordinário, seja científico, porque da resolução desse problema depende a orientação definitiva que o homem dará à sua conduta e a toda a sua vida. Pois é um fato, comumente esquecido, que Deus não é objeto da nossa experiência imediata e, por conseguinte, do nosso conhecimento intelectivo, direto ou indireto, como o são as coisas sensíveis e as suas essências. Deum nemo vidit unquam (Jo. I. 18: “Ninguém jamais viu a Deus”); conseqüentemente, o homem deve aproximar-se d’Ele mediante a reflexão [riflessione] ou, mais precisamente, com o processo discursivo da razão”.
Fazemos uso dessas palavras de Cornelio Fabro, na abertura do terceiro capítulo de seu livro Dio. Introduzione al problema teologico (Capitolo III. Le prove dell’esistenza di Dio. 1. Possibilità della dimostrazione razionale), para enfatizar o seguinte: quem não se confrontou com o problema da existência de Deus não começou sequer a engatinhar filosoficamente. Este problema de alcance universal nos acompanha desde a infância, e a ele todos nós, em algum momento de nossas vidas, damos uma resposta efetiva, como dizia Xavier Zubiri — filósofo que, no momento oportuno, passará por uma ampla crítica no Contra Impugnantes: na prática, somos agnósticos, ateus ou teístas (neste último caso, ou monoteístas, ou politeístas, ou henoteístas). Ocorre que cada uma dessas diferentes posições precisa apoiar-se numa ratio minimamente defensável, motivo pelo qual é necessário confrontar-se com este magno problema do ponto de vista filosófico e dar-lhe uma resolução satisfatória. Ele é, de fato, o problema dos problemas filosóficos, como diz Fabro.
Com certeza, não foi ocasional o fato de Santo Tomás ter colocado esse problema (utrum Deus sit) logo na segunda questão da primeira parte da Suma Teológica — após a demonstração de que a teologia é ciência. Se não o tivesse feito, todo o restante dessa obra monumental perderia o fundamento, a referência, a razão. Resolvido, pois, que é impossível não haver, na ordem do ser, um primeiro dentre todos, que é o Primeiro Motor Imóvel (1ª via), a Primeira Causa Eficiente (2ª via), o Ser Necessário (3ª via), o Grau Sumo de Ser (4ª via) e o Ordenador de todos os entes aos seus fins próprios (5ª via), aí sim, o Aquinate passará adiante na resolução dos demais problemas filosóficos e teológicos, ordenando-os harmoniosamente entre si, mas sobretudo referenciando-os, direta ou indiretamente, à resolução desta fundamental questão da Suma — na medida em que, sem o Próprio Ser, todos os entes se tornam radicalmente absurdos. A propósito, a pseudopergunta de Heidegger — "por que há o ente e não o nada?" — só pode ter sentido numa metafísica capenga que perdeu a referência do Próprio Ser.
Não é o caso, neste texto, de expor algumas críticas às cinco vias tomistas demonstrativas do ser de Deus (como por exemplo as de Leonardo Polo e do próprio Zubiri, ambas inconsistentes), coisa que faremos noutra oportunidade, mas apenas reiterar que a fé não é algo a que se adira irracionalmente, mas ao contrário: é por meio do delicado vaso da razão que as verdades de fé podem ser cridas. A famosa expressão credo ut intelligam (creio para saber) é tão verdadeira quanto a fórmula intelligo ut credam (entendo para crer), mas em ordens distintas. Em suma, embora não sejam contraditórias entre si, a fé divina e a razão natural são duas ordens de conhecimento dessemelhantes não apenas por seu princípio, mas também por seu objeto. Com relação aos princípios, a luz da fé ilumina a razão natural, levando esta a conhecer o que, sem essa luz deífica, seria impossível alcançar; com relação aos objetos, a Revelação inclui as mais altas verdades alcançáveis pela razão e ultrapassa-as, mas sem nunca contradizer a razão. Por isso, como diz o Padre Calderón em A Candeia Debaixo do Alqueire, apoiado solidamente no Magistério e em Santo Tomás, a razão, em certo sentido, precede, sustenta e prolonga a fé:
▪ A razão precede a fé formando conceitos com que se expressará a Revelação, daí o Concílio Vaticano I ter declarado que “a reta razão demonstra os fundamentos da fé”. (Vaticano I, Constituição Dogmática sobre a Fé Católica, DS 3019)
▪ A razão sustenta a fé, assim como o corpo sustenta (ao seu modo) a alma, a qual é propriamente a alma de um corpo. “O assentimento da fé não é, de modo algum, um movimento cego da alma” (Vaticano I, DS 3010), mas consiste num juízo pelo qual se atribui um predicado a um sujeito.
▪ A razão prolonga a fé para além do seu objeto, a Revelação, constituindo assim a teologia. “A razão ilustrada pela fé, quando procura cuidadosa, pia e sobriamente, alcança por um dom de Deus alguma inteligência, e muito frutuosa, dos mistérios — ora por analogia do que naturalmente conhece, ora pela conexão dos próprios mistérios entre si e com o fim último do homem”. (Vaticano I, DS 3016)
Como se vê, sem uma razão bem formada, não pode a fé grassar na alma de ninguém. E aqui não nos referirmos à razão bem formada filosoficamente, pois para um homem abrir-se ao influxo benemerente da fé basta que o seu sensus communis não tenha sido destruído por idéias abstrusas. Por isso diz Santo Tomás, no fabuloso Comentário ao Credo, que uma velhinha com fé, num certo sentido, sabe mais do que Aristóteles. Ocorre que qualquer boa filosofia não é senão o prolongamento desse sensus communis primordial possibilitante da adesão à fé (como no caso da velhinha arquetípica), dada a conaturalidade entre a nossa inteligência e a verdade que os entes portam, na exata medida em que têm ser. Sendo assim, todo cuidado é pouco no contato com filosofias e teologias que não têm base no ser, e, por isso, não podem construir uma gnosiologia realista, e, como conseqüência, afastam o homem da fé — à qual não há como aderir se a inteligência está, por assim dizer, danificada na raiz. Uma pessoa que teve o bom senso ferido de morte pode, no máximo, aderir a uma superstição qualquer, mas jamais à fé.
Um ótimo começo, portanto, para quem quer aprofundar os estudos filosóficos (e também teológicos) é confrontar-se com o problema da existência de Deus. Ele exercita a razão a lidar com sólidas objeções e argumentos em contrário, e, ao fim e ao cabo, acaba conduzindo a razão àquilo que os escolásticos chamavam de preambula fidei. Como sempre disse o Magistério, são os preâmbulos da fé que nos possibilitam alcançar os elementos de credibilidade subministrados pela razão para uma adesão efetiva à palavra de Deus custodiada pela Igreja.
Deus é, de fato, o problema dos problemas filosóficos. Mas é também, e sobretudo, a solução das soluções para todos os dilemas humanos.
Em tempo: Assim como o Nougué o fez a seu modo, no artigo abaixo, faço também eu questão de deixar registrado o seguinte — hoje, no dia de São Pio X:
"São Pio X, rogai por nós! Protegei-nos do liberalismo católico que corrói a Igreja por dentro!"