Sidney Silveira
Nenhuma pessoa minimamente informada desconhece que a idéia de “liberdade religiosa”* foi forjada, ao longo dos últimos 200 anos, no seio de sociedades secretas (ou seja: lojas maçônicas), cujo objetivo era desvincular a ordem política de qualquer tipo de subordinação à Igreja e a suas leis, para lograr uma maior liberdade de ação, sem o incômodo de legislações restritivas, atinentes a uma série de costumes cristãos — tanto no tocante à ordem pública, como no que concerne às pessoas e às famílias. Apenas à guisa de exemplo, lembremos que, até não muito tempo, o adultério era crime punível na forma da lei, na maioria dos países ocidentais (no Brasil, de acordo com a antiga redação do art. 240 do Código Penal, a pena para o crime de adultério variava de 14 dias a 6 meses). Era objetivo expresso dos legisladores proteger a família e o casamento, e não por razões meramente civis, mas principalmente religiosas. Consuetudinariamente religiosas. Vale citar que, até meados século XIX, o único casamento que havia, na maioria absoluta dos países ocidentais, era o casamento religioso.
Nenhuma pessoa minimamente informada desconhece que a idéia de “liberdade religiosa”* foi forjada, ao longo dos últimos 200 anos, no seio de sociedades secretas (ou seja: lojas maçônicas), cujo objetivo era desvincular a ordem política de qualquer tipo de subordinação à Igreja e a suas leis, para lograr uma maior liberdade de ação, sem o incômodo de legislações restritivas, atinentes a uma série de costumes cristãos — tanto no tocante à ordem pública, como no que concerne às pessoas e às famílias. Apenas à guisa de exemplo, lembremos que, até não muito tempo, o adultério era crime punível na forma da lei, na maioria dos países ocidentais (no Brasil, de acordo com a antiga redação do art. 240 do Código Penal, a pena para o crime de adultério variava de 14 dias a 6 meses). Era objetivo expresso dos legisladores proteger a família e o casamento, e não por razões meramente civis, mas principalmente religiosas. Consuetudinariamente religiosas. Vale citar que, até meados século XIX, o único casamento que havia, na maioria absoluta dos países ocidentais, era o casamento religioso.
É claro que a instituição do casamento civil deita raízes no século XVI, quando os “reformadores” — heréticos e cismáticos protestantes — negaram a índole sacramental do contrato matrimonial. O diabólico Lutero dizia que o casamento era uma espécie de necessidade “física” que trazia consigo o pecado porque era alimentada pela concupiscência, pelo desejo sexual que ele julgava, em si, pecado (numa visão gnóstica totalmente contrária à doutrina da Igreja e ao simples bom senso). Mas no Ocidente, essa secularização do casamento, que nasce com os reformadores, só passa a ser reconhecida com o Código de Napoleão Bonaparte, ou seja: por uma legislação posterior à Revolução Francesa, notadamente anticatólica.
O exemplo do casamento civil é apenas um dentre tantos que poderíamos enumerar para mostrar que, sem a sombra da lei de Deus custodiada pela Igreja, as sociedades caminham para o cenário que Santo Agostinho chamava, literalmente, de A Cidade do Diabo: a grande Babilônia onde reina a lei da soberba (De Civitate Dei, XVII, 16; etc.) e onde a natureza se desconecta da Graça. Ora, perdido o vínculo entre a lei eterna (cfme. Suma Teológica, IªIIª, q. 93) e a lei natural (IªIIª, q. 94), logo perder-se-á a ligação desta última com a lei positiva humana (IªIIª, q. 95). Então, nada mais há a esperar senão a descida em círculos concêntricos cada vez mais obscuros, até o estado de absoluta "anomia" — quando as leis que restam perdem todo e qualquer fundamento e se tornam a manifestação de uma patologia social irresolvível, a menos que Deus intervenha para dispor as coisas na ordem devida.
O efeito próprio da lei é tornar as pessoas virtuosas, pois, como diz Santo Tomás**, se o legislador se propõe conseguir o verdadeiro bem, “que é o bem comum regulado em consonância com a lei divina, a lei tornará os homens bons” (cfme. Suma Teológica, "Utrum effectus legis sit facere homines bonos", IªIIª, q. 92, art. 1, resp.). No estado de anomia, que, muito mais do que a pura e simples ausência da lei (nomos), é a perversão desta, a lei não somente não torna os homens bons, mas faz deles piores, ou seja: transforma-os em vítimas de suas mais deletérias inclinações, na medida em que a própria lei ou faz vista grossa a elas ou então as incentiva. Exemplos? Lei do aborto, do casamento entre homossexuais, etc. Portanto, o que está em jogo, na lei, não é pura e simplesmente este ou aquele costume, mas a própria essência humana, na medida em que o homem ou se ordenará ao fim a que se destina (Deus), ou dele se desviará — e, então, perderá a sua face verdadeiramente humana, que é a semelhança divina.
A discussão entre “laicidade” e “confessionalidade” é, portanto, muito mais profunda do que uma discussão entre Estado laico e Estado confessional, como pretendem os católicos liberais e os liberais não católicos. Nela está em jogo a orientação do homem ou a seu fim último, que é Deus, ou à Grande Babilônia citada por Agostinho n’A Cidade de Deus.
*Usamos o exemplo da "liberdade religiosa" apenas como um tópico, ou seja, como um ponto-base para o desenvolvimento do tema.
** É um grandíssimo erro fazer de Santo Tomás um puro e simples jusnaturalista, ao modo de um Suárez ou de um Francisco de Vitória. O que temos por hábito chamar de “direito natural”, nestes pensadores já não tem o vínculo estrito e necessário com o Direito Divino, como em Santo Tomás. Para este, “a lei eterna não é outra coisa senão a razão da sabedoria divina enquanto princípio diretivo DE TODOS os atos e de todos os movimentos” (IªIIª, q. 93. art. 1, resp). Há, de fato, uma prevalência do direito natural sobre o direito positivo, mas há, sobretudo, uma prevalência do direito divino sobre o natural. Mas este é um assunto para outro texto.
** É um grandíssimo erro fazer de Santo Tomás um puro e simples jusnaturalista, ao modo de um Suárez ou de um Francisco de Vitória. O que temos por hábito chamar de “direito natural”, nestes pensadores já não tem o vínculo estrito e necessário com o Direito Divino, como em Santo Tomás. Para este, “a lei eterna não é outra coisa senão a razão da sabedoria divina enquanto princípio diretivo DE TODOS os atos e de todos os movimentos” (IªIIª, q. 93. art. 1, resp). Há, de fato, uma prevalência do direito natural sobre o direito positivo, mas há, sobretudo, uma prevalência do direito divino sobre o natural. Mas este é um assunto para outro texto.