Sidney Silveira
A DETRAÇÃO E O INSULTO são as armas típicas das pessoas que, encafifadas no estudo da filosofia, não suportam o contraditório, a objeção. Desde os pré-socráticos até hoje, estes nefelibatas primeiro multiplicam as objeções com o propósito de sair pela tangente e não responder às que lhes são feitas, para então sacar da cartola uma dúzia de pechas que lançarão sobre a honra dos que ousaram objetar-lhes, neste ou naquele ponto. Se conseguissem olhar as próprias almas diante do espelho, morreriam de susto com o tamanho da hediondez moral em que jazem.
No Brasil, observo este fenômeno cotidianamente, sobretudo entre jovens que bradam com ar sapiencial, do alto de seus cueiros filosóficos, o que julgam ser a quintessência da sabedoria. Eles não têm maturidade para entender o abismo existente entre um polemista e um controversista. Noutras palavras, não sabem identificar os santarrões com alguma cultura filosófica e distingui-los de um Sócrates, um Platão, um Agostinho, um Alberto Magno, um Tomás de Aquino — que elevou ao ápice o procedimento dialético da disputa, método por excelência da filosofia.
Meu conselho a muitos jovens que me procuram é: antes de se enfronharem nas questões mais técnicas e abstratas da filosofia, procurem ordenar o estudo na seguinte ordem, quase intuitivamente conhecida de antigos e medievais:
1- domínio dos recursos expressivos próprio idioma, o que implica conhecimento da gramática e das técnicas do discurso que os antigos chamavam de retórica ou oratória;
2- desenvolvimento da capacidade dialética, ou seja: treinar raciocínios à exaustão, com vistas a pensar bem, com ordem;
3- estudo acurado dos problemas morais atinentes à condição humana; sem isto a erudição que a pessoa vier a adquirir poderá ser o seu maior algoz espiritual.
Em síntese, se o estudioso sequer tem noção do que seja, na prática, a virtude da humildade, é urgente o seu submetimento, pela mão de um mestre competente, ao mais rigoroso tirocínio moral. Ele precisa o quanto antes aprender a dobrar a espinha, a desempinar o nariz e a ter reverência para com os que o antecederam, seja nos erros ou nos acertos. Quem conhece a benemerência hermenêutica de Tomás de Aquino para com Santo Agostinho e Aristóteles entende perfeitamente o que estou dizendo.
Qualquer saber numa alma que não provou o sabor da própria pequenez, não tomou ciência da sua estatura nanica, perante os grandes sábios e santos que a antecederam na dolente caminhada sobre o pó deste mundo, se transformará em arma letal. Por isso, num filósofo digno deste nome, o desenvolvimento moral sempre precede os vôos intelectuais mais altos.
Sem o hábito operativo do bem, chamado virtude, a alma filosófica cairá cedo ou tarde das nuvens da própria erudição nos piores vícios espirituais. E adquirirá um saber desordenado, o qual pode culminar no mais terrível tipo de cegueira, que é o esquecimento do mundo "extra mentis", o mundo real, com sua estrutura própria não assimilável completamente pela razão humana — mas apenas assintoticamente. Tal alma terá dificuldade em divisar o seguinte: entre conhecer e ser haverá sempre uma zona de sombra inabarcável pela inteligência humana.
O sujeito na situação aqui descrita está despreparado para saborear a beleza do fato objetivo de que somente uma inteligência infinita pode assimilar de maneira omnicompreensiva a ordem do ser. Mas não uma inteligência como a nossa, limitada, que precisa caminhar sobre vestígios conceptuais extraídos direta ou indiretamente das coisas, para adquirir alguma ciência.
Essa inteligência infinita é a de Deus. Nela, ser e conhecer são necessariamente a mesmíssima coisa, um só ato. Em nós, diferentemente, conhecer é mero acidente de uma potência intelectiva que luta para assimilar aspectos da ordem do ser.
Luta entre algumas vitórias e muitas derrotas.
O homem humilde que estuda filosofia aceita esta verdade e abre os olhos do espírito. Ou melhor: por ser moralmente evoluído e, portanto, possuir agudo senso de realidade, ele a ama de todo o coração.