Sidney Silveira
UM DOS ÓDIOS mais persistentes da história da literatura brasileira foi o de Sílvio Romero por Machado de Assis. O autor sergipano jamais perdoou a Machado a crítica que, na juventude, este lhe fizera referente a uns versos muito mal ajambrados — saídos da pena do medíocre poeta que era. Desde então, perseguiu implacavelmente o grande escritor fluminense, mas, ao ver que ele ia angariando em vida os aplausos dos confrades e dos leitores, a certa altura tentou minimizar os ataques num livro intitulado "Machado de Assis", com o intuito de reduzir a vergonha da opinião claramente injusta.
Ocorre que Sílvio não conseguiu vencer o sentimento de "vendetta" de que era feita a sua pobre alma, e, em meio a elogios claramente constrangidos e insinceros, saíam-lhe da pena textos vexatórios como o seguinte:
"O estilo de Machado não se distingue pelo colorido, pela força imaginativa da representação sensível, pela movimentação, pela abundância, ou pela variedade do vocabulário. (...) O período não lhe sai forte, amplo, vibrante, como em Alexandre Herculano; variegado, longo, cheio, como em Latino Coelho; imaginoso, fluente, cantante, como em Alencar; seguro, articulado, movimentado, como em Salles Torres Homem; terso e transparente, como em João Francisco Lisboa; abundante, corrente, colorido, marchetado, como em Rui Barbosa. (...)
O estilo de Machado de Assis, sem ter grande originalidade, sem ser notado por um forte cunho pessoal, é a fotografia exata do seu espírito, de sua índole psicológica indecisa. Correto e maneiroso, não é vivaz, nem rútilo, nem grandioso, nem eloqüente. É plácido e igual, uniforme e compassado. Sente-se que o autor não dispõe profusamente, espontaneamente do vocabulário e da frase. Vê-se que ele apalpa e tropeça, que sofre de uma perturbação qualquer nos órgãos da palavra. Sente-se o esforço, a luta. 'Ele gagueja no estilo, na palavra escrita, como fazem outros na palavra falada', disse-me certa vez não sei que desabusado num momento de expansão, sem saber destarte que me dava uma verdadeira e admirável notação crítica. (...)
Realmente, Machado repisa, repete, torce, retorce tanto suas idéias e as palavras que as vestem que nos deixa a impressão dum perpétuo tartamudear".
POBRE DIABO! Enquanto Machado ocupa lugar especial em nossas letras, como romancista e contista notável, Sílvio Romero — o autor do perfeito retrato de inveja e despeito acima —, não obstante o seu trabalho de etnógrafo, folclorista, historiador da literatura, etc., é uma nota de rodapé.
O Salieri da literatura brasileira com que o Bruxo do Cosme Velho teve de lidar ao longo de quase toda a sua vida de escritor...