Sidney Silveira
SEPARAR CRESCENTEMENTE AS RAZÕES DE ESTADO da "virtus" cristã foi a tragédia política da modernidade — geradora dos maiores genocídios de que se tem notícia, sobretudo a partir do momento em que a revolução francesa guilhotinava as cabeças dos desafetos, afogava crianças e mulheres camponesas nos rios e praticava atos de antropofagia à luz do dia, entre outras benemerências dos novos cidadãos para com o povo. A propósito, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, serviu para empilhar tantos mortos que a França naquela ocasião deixou de ser a nação mais populosa da Europa, dando então lugar à Alemanha...
Após séculos de luta intestina do poder material por desvencilhar-se completamente de qualquer princípio espiritual superior (gestada desde o final da Idade Média), a definitiva recusa da Cruz apresentada pela Igreja militante ao mundo, ao final do século XVIII, logo levou as sociedades ocidentais ao patíbulo do liberalismo, quimera individualista baseada numa falsa noção de liberdade. E do liberalismo, em todas as suas configurações, ao comunismo, ao fascismo e ao nazismo, quimeras coletivistas totalitárias.
O liberal — sobretudo se se diz católico — está impossibilitado de compreender a dimensão dessa fratura nascida do laicismo que serviu como um dos motores da revolução francesa, a qual vê com culpável benevolência. Não por outro motivo, a sua análise da luta pelo poder global dos dias de hoje, por sofisticada que seja, está amputada da premissa maior. Por sua vez, comunistas, fascistas e neonazistas sequer a vêem.
Entre míopes voluntários e cegos hereditários está o destino do mundo contemporâneo.