Sidney Silveira
No último domingo, tive enorme gosto em conhecer dois jovens argentinos estudiosos da obra de Santo Tomás que estavam a passeio pelo Rio de Janeiro. A agradável conversa girou em torno da forte tradição do tomismo na Argentina, que criou para o Catolicismo do país vizinho alguns anticorpos ao vírus letal do mordernismo que tomou conta da Igreja, com o Concílio Vaticano II. Na ocasião, eles me falaram sobre dois tomistas argentinos bastante combativos que foram assassinados por guerrilheiros de esquerda, no começo da década de 70: Carlos A. Sacheri e Jordán Bruno Genta, mortos em odium fidei por marxistas ensandecidos, no final 1974. Dois mártires. Sacheri foi alvejado por uma metralhadora quando fazia o sinal da cruz, ao sair da Missa ao lado de sua esposa e de seus sete filhos; Genta foi atingido por um balaço no momento em que saía de casa para ir à Missa, também diante da família.
A história de vida desses dois filósofos nos remete a qual é o papel do verdadeiro professor — sobretudo nos momentos de grande crise civilizacional: a de homem contemplativo e de ação, ao mesmo tempo. Mas com um detalhe: em se tratando de católicos, no que tange às atividades pedagógicas e filosóficas tem-se como vetor tanto as verdades assimiláveis pela luz da razão natural, por meio da qual se constrói a filosofia, como as verdades reveladas, fora das quais ninguém pode salvar-se. É, pois, totalmente equivocada a idéia (de cariz liberal, condenada de forma solene pela Igreja [e não por nós, pobres zé-ninguéns]) de que o católico pode ser uma espécie de livre-pensador que, em suas especulações solitárias de gabinete, erige uma obra filosófica à margem de qualquer verdade da fé, e apenas reza para não se afastar do Magistério. Para usar pedagogicamente de uma caricatura, seria como um pai levar o filho ao bordel para ensinar-lhe que a luxúria é pecado, rezando para o moleque não cair em tentação.
Depois do vendaval conciliar, passou a caber aos teólogos e filósofos católicos que não se deixaram levar pela entronização do modernismo uma dupla e inglória função: defender a Autoridade do Magistério e da Tradição contra as autoridades eclesiásticas, nas várias ocasiões em que estas tomam medidas contrárias à fé, apelando para o instituto do estado de necessidade, contemplado no Código de Direito Canônico; e apontar os erros filosóficos que, levados às últimas conseqüências, representam a demolição dos preambula fidei, ou seja, dos elementos de credibilidade dos quais sempre se valeu a Igreja — sabedora de que a fé, sem a razão, descamba no pietismo; e a razão, sem a fé, cai no orgulho suicida que leva as almas à perdição. Este último papel, até meados dos anos 60, cabia à hierarquia, que se valia instrumentalmente dos teólogos e Doutores como mestres auxiliares nesta defesa magisterial. Que tempos os nossos, Deus do céu!
Neste contexto, os tomistas Jordán Bruno Genta e Carlos Sacheri são exemplos notáveis do que seja o trabalho filosófico, para um católico: Genta, quando jovem, foi um marxista considerado como “grande promessa do ateísmo cultural argentino”, até converter-se a certa altura de sua trajetória intelectual e, depois disto, transformar-se no grande acicate da homicida ideologia comunista na Argentina, no plano das idéias, assim como do liberalismo — essa hidra de mil cabeças que rosna contra a Santa Madre Igreja há tempos, sob variadas formas e em distintas frentes de ação, algumas das quais levadas a cabo, nos últimos 200 anos, por grupos esotéricos ou secretos os mais doidos que se possa imaginar. Tentaram suborná-lo com o oferecimento de cátedras fora do país, mas Genta não se deixou levar por cantos de sereia e promessas de sucesso profissional, preferindo ficar na Argentina e combater.
Sacheri, por sua vez, começou como discípulo do Padre Júlio Meinvielle e teve ação efetiva como filósofo tomista e homem de luta no campo das idéias, em defesa da fé. Foi professor da Universidad Católica Argentina (UCA), convidado por seu fundador, o grande Octavio Nicolás Derisi, muito citado em vários de nossos textos; participou da Ação Católica naquele país; foi secretário da Sociedad Tomista Argentina, em um momento de grande revolução doutrinal e litúrgica da Igreja. É autor do livro El orden natural, que fala sobre a doutrina social da Igreja, obra que espero adquirir em breve.
Sacheri e Genta são apenas dois dentre tantos mártires assassinados pela fúria comunista no começo da década de 70. Quem tiver interesse em saber um pouco o que foi aquele dramático momento em nosso país vizinho, para os católicos, pode ler o livro Cuatro Mártires Argentinos de los 70, que possui alguns pequenos extratos encontráveis na intenet.
EM TEMPO: Não duvido nada que o nosso contendor, a quem dei um salvo-conduto para me xingar por meses (prazo que, a propósito, estendo para toda a vida, se assim lhe aprouver) insinue que estamos querendo passar por "mártires", apenas porque mencionamos os dois belos exemplos acima... Tudo é possível para uma alma tão grandemente apaixonada, e pelo seguinte e "nobre" motivo: porque teve um trecho de uma obra sua criticada nominalmente, e no tocante a um tópico em particular.
Pois bem, quanto ao filósofo boca-suja, que tanto parece tê-lo deixado "magoado", a ponto de o sujeito dizer claramente, por escrito e em vídeo, que o engoliu a seco e em silêncio por dois anos, digo o seguinte: tratou-se de um bem-humorado exercício dialético, e a respeito de uma questão nada desprezível (a saber, de que linguagem deve fazer uso um filósofo, em seu ofício?). Texto no qual, no entanto, ficou demonstrada a força que tinha a disputatio — o extraodinário procedimento levado por Santo Tomás de Aquino a uma inaudita perfeição. Quanto aos demais textos em que o caro Prof. "pescou" no Contra Impugnantes alusões à sua obra (mostrando-se um atentíssimo leitor deste miserável blog), na verdade apenas apontam para uma posição doutrinária consagrada pelo Magistério bimilenar da Igreja. Somente isso. Ocorre o seguinte: alguma dessas objeções foi respondida a não ser com palavrões, acusações e detrações ferinas? Aqui, relembro o seguinte: no caso do "boca-suja", não se tratava de um texto sobre o uso do palavrão em todos os casos, mas sim de sua absoluta ineficácia como instrumento filosófico, pelas várias razões apontadas: gnosiológicas, antropológicas, metafísicas, morais e escriturísticas (estas últimas, no SED CONTRA). A propósito, para quem não leu o texto, o seu título é: QUESTÃO DISPUTADA SOBRE O USO DE PALAVRAS TORPES POR PARTE DO FILÓSOFO).
Será que o nobre Prof. considera que o uso de palavrões propugnado por ele é matéria não-opinável? Doutrina revelada? Lembro que a "matéria opinável', do ponto de vista da teologia católica, é aquela acerca da qual o Magistério não se pronunciou solenemente, ainda que alguns santos ou Doutores o tenham feito. Ora, tenha santa paciência!