terça-feira, 19 de julho de 2011

Mártires tomistas argentinos (texto ampliado)

Carlos A. Sacheri


Jordán Bruno Genta


Sidney Silveira


No último domingo, tive enorme gosto em conhecer dois jovens argentinos estudiosos da obra de Santo Tomás que estavam a passeio pelo Rio de Janeiro. A agradável conversa girou em torno da forte tradição do tomismo na Argentina, que criou para o Catolicismo do país vizinho alguns anticorpos ao vírus letal do mordernismo que tomou conta da Igreja, com o Concílio Vaticano II. Na ocasião, eles me falaram sobre dois tomistas argentinos bastante combativos que foram assassinados por guerrilheiros de esquerda, no começo da década de 70: Carlos A. Sacheri e Jordán Bruno Genta, mortos em odium fidei por marxistas ensandecidos, no final 1974. Dois mártires. Sacheri foi alvejado por uma metralhadora quando fazia o sinal da cruz, ao sair da Missa ao lado de sua esposa e de seus sete filhos; Genta foi atingido por um balaço no momento em que saía de casa para ir à Missa, também diante da família.


A história de vida desses dois filósofos nos remete a qual é o papel do verdadeiro professor — sobretudo nos momentos de grande crise civilizacional: a de homem contemplativo e de ação, ao mesmo tempo. Mas com um detalhe: em se tratando de católicos, no que tange às atividades pedagógicas e filosóficas tem-se como vetor tanto as verdades assimiláveis pela luz da razão natural, por meio da qual se constrói a filosofia, como as verdades reveladas, fora das quais ninguém pode salvar-se. É, pois, totalmente equivocada a idéia (de cariz liberal, condenada de forma solene pela Igreja [e não por nós, pobres zé-ninguéns]) de que o católico pode ser uma espécie de livre-pensador que, em suas especulações solitárias de gabinete, erige uma obra filosófica à margem de qualquer verdade da fé, e apenas reza para não se afastar do Magistério. Para usar pedagogicamente de uma caricatura, seria como um pai levar o filho ao bordel para ensinar-lhe que a luxúria é pecado, rezando para o moleque não cair em tentação.


Depois do vendaval conciliar, passou a caber aos teólogos e filósofos católicos que não se deixaram levar pela entronização do modernismo uma dupla e inglória função: defender a Autoridade do Magistério e da Tradição contra as autoridades eclesiásticas, nas várias ocasiões em que estas tomam medidas contrárias à fé, apelando para o instituto do estado de necessidade, contemplado no Código de Direito Canônico; e apontar os erros filosóficos que, levados às últimas conseqüências, representam a demolição dos preambula fidei, ou seja, dos elementos de credibilidade dos quais sempre se valeu a Igreja — sabedora de que a fé, sem a razão, descamba no pietismo; e a razão, sem a fé, cai no orgulho suicida que leva as almas à perdição. Este último papel, até meados dos anos 60, cabia à hierarquia, que se valia instrumentalmente dos teólogos e Doutores como mestres auxiliares nesta defesa magisterial. Que tempos os nossos, Deus do céu!


Neste contexto, os tomistas Jordán Bruno Genta e Carlos Sacheri são exemplos notáveis do que seja o trabalho filosófico, para um católico: Genta, quando jovem, foi um marxista considerado como “grande promessa do ateísmo cultural argentino”, até converter-se a certa altura de sua trajetória intelectual e, depois disto, transformar-se no grande acicate da homicida ideologia comunista na Argentina, no plano das idéias, assim como do liberalismo — essa hidra de mil cabeças que rosna contra a Santa Madre Igreja há tempos, sob variadas formas e em distintas frentes de ação, algumas das quais levadas a cabo, nos últimos 200 anos, por grupos esotéricos ou secretos os mais doidos que se possa imaginar. Tentaram suborná-lo com o oferecimento de cátedras fora do país, mas Genta não se deixou levar por cantos de sereia e promessas de sucesso profissional, preferindo ficar na Argentina e combater.


Sacheri, por sua vez, começou como discípulo do Padre Júlio Meinvielle e teve ação efetiva como filósofo tomista e homem de luta no campo das idéias, em defesa da fé. Foi professor da Universidad Católica Argentina (UCA), convidado por seu fundador, o grande Octavio Nicolás Derisi, muito citado em vários de nossos textos; participou da Ação Católica naquele país; foi secretário da Sociedad Tomista Argentina, em um momento de grande revolução doutrinal e litúrgica da Igreja. É autor do livro El orden natural, que fala sobre a doutrina social da Igreja, obra que espero adquirir em breve.


Sacheri e Genta são apenas dois dentre tantos mártires assassinados pela fúria comunista no começo da década de 70. Quem tiver interesse em saber um pouco o que foi aquele dramático momento em nosso país vizinho, para os católicos, pode ler o livro Cuatro Mártires Argentinos de los 70, que possui alguns pequenos extratos encontráveis na intenet.


EM TEMPO: Não duvido nada que o nosso contendor, a quem dei um salvo-conduto para me xingar por meses (prazo que, a propósito, estendo para toda a vida, se assim lhe aprouver) insinue que estamos querendo passar por "mártires", apenas porque mencionamos os dois belos exemplos acima... Tudo é possível para uma alma tão grandemente apaixonada, e pelo seguinte e "nobre" motivo: porque teve um trecho de uma obra sua criticada nominalmente, e no tocante a um tópico em particular.


Pois bem, quanto ao filósofo boca-suja, que tanto parece tê-lo deixado "magoado", a ponto de o sujeito dizer claramente, por escrito e em vídeo, que o engoliu a seco e em silêncio por dois anos, digo o seguinte: tratou-se de um bem-humorado exercício dialético, e a respeito de uma questão nada desprezível (a saber, de que linguagem deve fazer uso um filósofo, em seu ofício?). Texto no qual, no entanto, ficou demonstrada a força que tinha a disputatio — o extraodinário procedimento levado por Santo Tomás de Aquino a uma inaudita perfeição. Quanto aos demais textos em que o caro Prof. "pescou" no Contra Impugnantes alusões à sua obra (mostrando-se um atentíssimo leitor deste miserável blog), na verdade apenas apontam para uma posição doutrinária consagrada pelo Magistério bimilenar da Igreja. Somente isso. Ocorre o seguinte: alguma dessas objeções foi respondida a não ser com palavrões, acusações e detrações ferinas? Aqui, relembro o seguinte: no caso do "boca-suja", não se tratava de um texto sobre o uso do palavrão em todos os casos, mas sim de sua absoluta ineficácia como instrumento filosófico, pelas várias razões apontadas: gnosiológicas, antropológicas, metafísicas, morais e escriturísticas (estas últimas, no SED CONTRA). A propósito, para quem não leu o texto, o seu título é: QUESTÃO DISPUTADA SOBRE O USO DE PALAVRAS TORPES POR PARTE DO FILÓSOFO).


Será que o nobre Prof. considera que o uso de palavrões propugnado por ele é matéria não-opinável? Doutrina revelada? Lembro que a "matéria opinável', do ponto de vista da teologia católica, é aquela acerca da qual o Magistério não se pronunciou solenemente, ainda que alguns santos ou Doutores o tenham feito. Ora, tenha santa paciência!