quinta-feira, 14 de julho de 2011

Exercício de resposta em “sermo rusticus” — ou: chamando às falas um blasonador

Corrige o estulto, e ele te odiará.


Sidney Silveira


Se alguém fizer uma pesquisa por palavras neste blog, verá que, nos últimos três anos, o vocábulo “eu” (ego) quase não se encontra, graças a Deus. Ele é percentualmente não identificável. Peço no entanto vênia ao leitor para hoje abusar da tal palavrinha (ainda quando oculta por elipse), e os porquês já se verão. E também peço vênia ao leitor para descer momentaneamente o nível vocabular dos textos do Contra Impugnantes, pois a pessoa a quem me dirijo, o Prof. Olavo de Carvalho, mostrou-se um moleque, embora já entrado em anos, ou seja: os seus fios de cabelo branco não foram acompanhados da mais ínfima sabedoria prática e de bom senso. Só não vou chegar ao nível dos palavrões, porque patologias como esta não se curam com eles (seria como o médico receitar cachaça ao bêbado), mas só com um milagre, constato agora. E também por uma questão de princípios. Mas vou tratar o sujeito, sim, de acordo com o que exige a ocasião e com o que ele mostrou do seu caráter. Ninguém me contou. Eu vi.


Disse aqui eu que não partiria para o ataque pessoal contra o Prof. Olavo de Carvalho, mas vejo-me compelido a me defender; portanto, vai ter osso lascado. E digo que vou apenas me defender não para fingir histrionicamente uma superioridade moral, que ademais não tenho, pois decerto sou uma pessoa bem pior do que ele, devido aos meus tão reiterados pecados. Tampouco me cabe posar de coitadinho, pois quem me conhece sabe o quanto o sangue quente me corre nas veias — com a graça do bom Deus! —, e que a afetação é, para mim, coisa de emasculados espirituais, ou seja, de “mariquinhas”. Sou do tempo em que um molecote, ao brigar na rua, cuspia no chão e dizia ao outro: “Pisa aqui, se ‘tu é’ homem!”. A propósito, eu nunca quis posar de Santo, como o pobre retórico me acusou, pois isto seria ridículo, embora sempre peça a Deus que me dê a santidade (da qual disto infinitamente) e Lhe suplique para me livrar da condenação eterna, dando-me a graça da perseverança final. Sim, porque se eu pegar um Purgatório bem sofrido, já será um enorme lucro.


Muito bem, fui dormir ontem tranqüilo, após assistir à vitória da seleção brasileira de futebol na TV, e também depois de ter mandado uma mensagem direta ao Prof. Olavo avisando cavalheirescamente que responderia a este seu texto, e que não me quissesse mal, porque se tratava de objeções doutrinárias, e não pessoais, como ele presumira. E o sujeito foi dizer ontem à sua platéia que eu lhe fui puxar o saco. Pindamonhangaba! Ah, dizia-lhe eu na tal mensagem que, no tocante ao desbaratamento da esquerda no Brasil (e só quanto a este aspecto, e nenhum outro mais! o que ele entenderia facilmente se conhecesse a linguagem da cortesia e não tentasse adivinhar o coração alheio), eu lhe reconhecia os méritos e a coragem. Revelo isso aqui porque recebi, pela manhã, a mensagem de um amigo que descreve o espetáculo do programa de rádio do qual o Prof. Olavo é apresentador, um talk show de opiniões políticas proclamadas na língua adequada aos conceitos mentais ali veiculados. Pois bem, no talk show da noite de ontem ele leu a minha mensagem pessoal, para induzir os seus ouvintes a crer que eu o “admiro” indiscriminadamente, ou seja, simpliciter. Que pena, Olavo, a admiração que eu tinha quanto ao tópico isolado que tomava por louvável em sua ação (com várias ressalvas que não enumero agora, para não mudar de assunto) perdeu-se totalmente com esta atitude lamentável, seu mal-educado!


No tal programa — em que, dizem, habitualmente se “roga” à Nossa Senhora para que não se cometam injustiças (Santa Margarida Maria!) —, o apresentador mostrou-se um verdadeiro ledor das intenções ocultas do meu maligno coração. Bem, façamos um raciocínio disjuntivo: ou o Prof. Olavo tem a intuição direta da essência da maldade das almas alheias, como se contemplasse os entes a partir de espécies infusas por Deus em sua inteligência, ou é um acusador leviano, que, para se defender dos vários moinhos de vento que a sua prodigiosa imaginação cria, fere os outros porque a sua dolente alma não consegue agir de outro modo. Ora, nenhum ente humano possui a intuição direta das essências; logo, etc.


Seria decerto sucumbir a uma fraqueza humana partir para a “inguinorança” depois dos xingamentos dele à minha pessoa no último talk show, frisando que, se o Prof. Olavo tivesse 20 anos a menos, e eu ouvisse dele pessoalmente tais insultos, eu lhe daria uma santa surra de mão aberta. Ora, fazer isto com um homem uns 20 anos mais velho seria pura covardia, embora eu saiba muitíssimo bem que a velhice não pode abusar de suas imunidades. Lembro-me agora de uma passagem da vida de Olavo Bilac em que o parnasiano, escondido em Ouro Preto da fúria dos florianistas cariocas que o queriam literalmente pegar de pau, deu uns pedagógicos tapinhas num velho que o interpelou no saguão do hotel de forma caluniosa. Mas este certamente não será o meu caso com o venerando Prof. Olavo, pois, embora eu tenha, como ente humano, uma potência enorme para o pecado, é verdade que nem toda tentação pecaminosa passa da potência ao ato. E não será o caso desta vez, tenham certeza...


O fato é que tão elevado filósofo — cuja inteligência parece haurir sua força de uma luz beatífica gloriosa — não consegue receber uma objeçãzinha sequer à sua imaculada obra sem, patologicamente, acusá-la no ato como intenção maligna, quiçá diabólica, do objetor. Santo preparo! Imaginemos um Sto. Tomás de Aquino mandando o herege Siger de Brabante, ou outros piores, ir tomar naquele lugar, só para termos uma imagem em mente, e elevemo-la agora à enésima potência... É mais ou menos este o método “controversista” do Prof. Olavo.


Algo assim:


Premissa maior: Eu xingo a tua mãe. Premissa menor: Eu xingo a tua avó. Conclusão: Sou um gênio! Clap, clap, clap!


Sem dúvida, uma verdade em particular que ele costuma repetir é de fato absolutamente irrefutável. Ei-la: o Prof. Olavo afirma (toda vez que há uma ocasiãozinha para se auto-elogiar) que o Brasil é uma perdição intelectual de dar dó, dado ser ele o único filósofo nesta parte do continente esquecida por Deus e pelos homens. Bem, esta verdade possui uma prova apodítica, cabal, definitiva: ela está em alguns o tomarem por grande sábio! É uma inequívoca evidência, embora concedamos, com certa má-vontade, que seja ele um curioso comentador das efemérides políticas (em sentido maquiavélico)... Bem, tinha eu apresentado ontem um florete e avisado diretamente ao contendor da arma escolhida; de repente o sujeito, julgando-me um covarde adulador, aparece com pedregulhos e os atira sem aviso prévio... Agora, sim: após ler este texto, o insolente Olavo terá todos os motivos para me xingar durante meses, e com palavrões muito mais feios que os de ontem.


O Prof. insinuou na tal rádio que eu não estava sendo sincero ao escrever-lhe particularmente ontem, logo depois que li o seu arremedo de artigo-resposta, e foi dar o seu showzinho de quinta categoria no talk show, mostrando no ato como é péssimo leitor de almas, ou seja: não tem nem sombra daquilo que os místicos chamam de "discernimento dos espíritos". Sou um desgraçado, sim, Prof. Olavo, um pecador horrível — aliás estou dando provas inequívocas disto neste exato momento, ao adotar o seu modus mentis, por pura ira (embora, a meu ver, bem justa). Não obstante os meus pecados, caríssimo, tenho o hábito mental da sinceridade para com os outros, coisa que o Sr. ali mostrou não ter para consigo mesmo. Aliás, é com esta mesma sinceridade habitual que expresso agora o que vejo cristalinamente da sua pessoa, como intelectual. E que Deus me perdoe se nisto eu estiver agindo mal, e me mostre. Mas não é esta a minha sensação, por razões óbvias.


Ao final da tarde de hoje, quando tive um tempo para escrever, meu querido irmão, que conhece a têmpera com que papai do céu me fez, disse: "Calma, rapaz! Não vá perder a razão". E o Prof. Carlos Nougué, companheiro de blog e grande amigo, não apenas telefonou-me, como mandou vários emails pedindo: "Não desça o nível. Pense, isto não é linguagem de um tomista” (ao que lhe dou toda a razão, mas não é como estudioso da obra de Santo Tomás que respondo aqui, e sim como alguém que não tem sangue de barata para ouvir um maledicente profissional referir-se a mim da forma como ele o fez). Vários alunos do próprio Olavo, chateados com a sua "caridosa" reação ao “evitar chamar-me de palhaço”, e também com os impropérios do tal programa, apesar de habituais, disseram-me por meio de mensagens particulares, certamente imbuídos de boas intenções, o seguinte: "Cuidado com o que você vai falar, pois ele irá persegui-lo". Peço perdão ao nobre amigo Carlos e ao meu irmão Ricardo, pois faço agora o que manda o meu coração e o que me parece muito acertado, não sem alguma dor na alma, porque não era este o espírito com que eu escreveria esta resposta — mas o sujeito exorbitou no seu programa e não tenho, definitivamente, espírito de múmia.


Com relação ao último conselho (o dos alunos do Prof.,) respondo serenamente que, depois de passar por uma situação vexatória há alguns anos, em que minha vida foi exposta ao ridículo diante de colegas de trabalho, de familiares e de amigos, perdi totalmente os chamados respeitos humanos. O meu medo maior, como cristão, não é o de ser perseguido por “A”, “B” ou “C”, mas o de ir para o inferno, do qual nos livre Deus — inclusive a mim e ao Prof. Olavo.


Volto às minhas tarefas profissionais. E às publicações da editora que esperam a minha revisão.


P.S. A propósito, este texto foi tão-somente uma resposta ao homem Olavo. Ou seja: conversa de homem para homem. Quanto ao que ele imagina serem tanto o “tomismo” como o “neotomismo”, falo depois, para não misturar os canais neste momento. Tenho mais o que fazer, por ora.