Um amigo querido do meu irmão — que esteve muito próximo ao teólogo Estêvão Bettencourt no Mosteiro de São Bento do Rio, nas décadas de 80 e 90 —, ao ler o texto sobre o inferno no Contra Impugnantes, afirmou: diga ao Sidney que o inferno não é uma realidade ígnea (como nós ali afirmáramos), e que D. Estêvão estava certo.
Pois bem, com relação às premissas implicadas na tese de D. Estêvão (sobretudo a de que Deus não castiga ninguém, mas o homem é quem se autocondena), o texto anterior e as citações do Doutor Comum da Igreja, além do próprio dado da Sagrada Escritura arrolado ali, respondem perfeitamente. E veja-se que me contentei com uma só citação, deixando de mencionar várias outras nas quais se fala de “fogo inextinguível”, “Geeena de fogo”, etc. A propósito, lembremos que Jesus ameaça os habitantes de Betsaida dizendo que, por sua impenitência, terão um castigo muito mais severo do que os habitantes de Tiro e Sidônia (Mt. XI, 22). Ah, isso é porque Deus não castiga ninguém, como dizem os neoteólogos...
Mas vamos a outro ponto.
É claro que as características desse fogo eterno — e portanto do lugar onde ele se encontra — são desconhecidas de todos nós, com exceção dos Santos e místicos que tiveram visões claríssimas do inferno ainda nesta vida, como D. João Bosco, Santa Teresa de Ávila, a Irmã Lúcia em Fátima, etc. Mas estes, de acordo com o que dá claramente a entender D. Estêvão no texto citado, tiveram uma visão “infantil” e “antropomorfizada” do inferno.
Por ora, abstenho-me de citar inúmeros textos de Padres da Igreja que falam do “fogo eterno” (como alguns bem conhecidos de Santo Inácio de Antioquia e São Justino), para apenas verificar algo do que ensina o Magistério, tanto ordinário como extraordinário:
Ø O Credo de Atanásio, nos primeiros séculos da era cristã, diz: “Aqueles que fizeram o mal vão para o fogo eterno”.
Ø A profissão de fé do segundo Concílio de Lyon, ratificada no “Decreto de União” do Concílio de Florença, afirma: “As almas daqueles que morrem em pecado mortal (...) descem imediatamente ao inferno, para ser castigadas, embora com penas desiguais (poenis disparis).
Ø O Papa Bento XII, na Constituição Dogmática Benedictus Deus, frisa: (...) “As almas dos que morrem em pecado mortal descem, imediatamente depois da morte, ao inferno, onde são atormentadas por suplícios infernais”.
Ø O insuspeito Papa Bento XVI afirmou, em alocução de 08/02/2008, durante um encontro que marcava o início da Quaresma daquele ano, nada menos que o seguinte: “O inferno existe, é um local físico e está cheio”.
É lugar teológico seguro que, sendo um fogo eterno em torno do qual estarão confinados os réprobos, o inferno só pode ser mesmo um local, embora com propriedades físicas distintas das que conhecemos atualmente, a ponto de não podermos arriscar um palpite seguro. Até o grande São Gregório Magno afirmava: “Sobre isto [as propriedades do lugar ínfero], eu não me atreveria a escrever” (citado ad tertium em Dial., IV, xlii, en P.L., LXXVII, 400; cf. Patuzzi, “De sede inferni”, 1763; Gretser, “De subterraneis animarum receptaculis”, 1595).
Se levamos também em conta o dogma da ressurreição dos corpos, tudo isso é corroborado. Assim, se os condenados, de acordo com o que ensina a Igreja, reassumirão os seus corpos, isto só poderá acontecer num lugar — pois todo corpo está inserido numa dimensão quantitativa, ou seja, está localizado. Isto para não falar na chamada “pena dos sentidos”, outro padecimento para os condenados, segundo a Igreja.
Por ora encerro o texto, pois estas indicações parecem-me suficientes. E preciso ganhar meu pão... Depois voltaremos ao tema. Apenas despeço-me do nobre amigo que deu razão a D. Estêvão dizendo que os critérios de um teólogo católico devem ser sempre retirados da Sagrada Escritura, da Tradição e do Magistério, além do parecer dos Doutores da Igreja; quem opinou à margem disso tudo, em geral, caiu em heresias mais ou menos graves.