quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Liberalismo e maçonaria

Sidney Silveira
No hoje distante ano de 1956, a editora Vozes apresentava ao público brasileiro o livro A Maçonaria no Brasil – orientação para os católicos, de autoria de D. Boaventura Kloppenburg, obra ricamente documentada. Nele são mostrados com meridiana clareza todos os mais importantes fundamentos do Syllabus maçônico, a partir das instruções das principais “lojas” brasileiras e do resultado de encontros como, por exemplo, a Conferência Interamericana da Maçonaria Simbólica, realizada em Montevidéu, em 1947 — entre vários outros documentos. Kloppenburg desce a detalhes e deslinda-nos o materialismo em ciência, o ecumenismo/igualitarismo em religião, o relativismo em moral, a recusa das verdades da metafísica e da fé e, em suma, o liberalismo que abarca todas essas e muitas outras idéias presentes nessas máximas maçônicas. Vejamos agora alguns destes princípios, na formulação de seus próprios artífices:

“A maçonaria não reconhece outras verdades além das fundadas na razão e na ciência, servindo-se somente dos resultados obtidos pela ciência”.

“A tolerância é sua lei fundamental. [A maçonaria] solenemente inscreveu no preâmbulo de sua Constituição Geral [a de Anderson, válida então para a maçonaria brasileira] o respeito a todas as crenças, a todas as idéias, a todas as opiniões (...). [Por isso] não impõe aos seus adeptos nenhum dogma”.

“Não procura a maçonaria as origens das idéias do dever, do bem, do mal e da justiça nem em pretensas revelações divinas nem em concepções da metafísica”.

“Cada cidadão possui o sagrado, inviolável e imprescritível direito de cultuar a Deus e praticar a religião de modo como ele mesmo bem entender, sem nenhuma interferência ou influência alheia. Qualquer intromissão nas idéias religiosas do cidadão é considerada violência, injustiça, tirania, ambição, fanatismo e condenável intolerância”.

“A maçonaria tem no seu programa, como uma de suas finalidades principais, defender, custe o que custar, os direitos do indivíduo e aniquilar, com uma guerra sem tréguas, toda e qualquer pretensão contrária à sua consciência”.

“A maçonaria considera-se protetora e defensora do ideal religioso do indivíduo (sic.) e da liberdade de culto, de crença, de consciência e de pensamento”.

“A maçonaria ensina, defende e propaga que a sociedade, e de modo particularíssimo o Estado, nãonão deve ter oficialmente nenhuma religião, mas deve excluir e eliminar do ambiente público tudo quanto se relacione diretamente com qualquer religião” [A propósito deste princípio, Kloppenburg nos conta que, quando o governo Vargas mandou colocar uma imagem de Cristo nos tribunais do júri, levantaram-se as lideranças maçônicas em peso para protestar em vários documentos dirigidos a todas as “lojas” brasileiras, dando orientação a ser seguida pelos maçons influentes na política. Cristo no júri “espezinhava a Constituição” no que ela tem de mais nobre: a liberdade de pensar (sic.)]

“É objetivo da maçonaria laicizar a sociedade por meio da imprensa”.

Esses textos da maçonaria falam por si. Mas continuemos o roteiro de Kloppenburg que enumera 9 teses maçônicas (algumas já citadas acima, mas agora formuladas com novas proposições), sempre a partir dos próprios textos maçônicos, ou seja, da própria comunicação exotérica dessas sociedades secretas:

1ª tese (livre pensamento): É sagrado e inviolável em todo indivíduo humano o direito de pensar livremente.

2ª tese (autonomia da razão): O homem deve dirigir seus atos e sua vida exclusivamente de acordo com o parecer da própria razão.

3ª tese (liberdade de culto): É o próprio indivíduo que deve regular suas relações com o Ser Supremo.

4ª tese (liberdade de consciência): Qualquer coação ou influência externa, seja de ordem física, seja de ordem moral, no sentido de dirigir ou orientar o pensamento ou a consciência do indivíduo, deve considerar-se como atentado contra um direito natural e sagrado (sic) e, por isso mesmo, deve ser denunciada como violência, ambição e fanatismo.

5ª tese (indiferentismo religioso): O ambiente em que vive e respira o indivíduo deve manter-se rigorosamente neutro, sem hostilizar ou favorecer a nenhuma religião determinada.

6ª tese (o Estado neutro): A sociedade, e mormente o Estado, deve manter-se oficialmente indiferente ou neutra perante qualquer religião concreta.

7ª tese (o ensino leigo): O ensino público, dado e mantido pelo Estado, deve ser absolutamente leigo ou neutro em assuntos religiosos.

8ª tese (moral independente): A moral não deve estar ligada a nenhuma crença religiosa nem fundar-se em pretensas revelações divinas.

9ª tese (a religião “natural” universal): A religião oficial e pública da humanidade deve manter-se nos limites da religião natural, indicados pelas verdades básicas, pacificamente aceitas e comuns a todas as religiões. [Alguma semelhança com a abstrusa tese da "unidade transcendente das religiões", de Frithjof Schuon?)

A maior parte dessas teses maçônicas ganhou o mundo atual, sobretudo no Ocidente. E vale dizer que todas elas se baseiam, direta ou indiretamente, na tese — insustentável, como já mostramos alhures — da autonomia da consciência individual. Mas vejamos adiante se é possível (malgrado esse erro metafísico, antropológico e gnosiológico basilar) sustentá-las racionalmente, sem exclusão de alguma verdade fundamental a que a razão humana possa chegar.