domingo, 28 de agosto de 2011

Direto do "forno": notícias editoriais — e outro trecho de um belo livro

Sidney Silveira


Enfim, todos os textos do Protréptico, de Clemente de Alexandria, foram enviados à editora É, que em breve começará a preparar a edição desta importante obra. Deu um grande trabalho a revisão e numeração do texto grego, mas os problemas foram todos sanados, graças ao trabalho final do meu querido amigo Luiz Astorga, que ajudou imensamente, e ao da Prof. Rita Codá — que assina a tradução desta edição bilíngüe. Termino também, finalmente, com a ajuda do Nougué na revisão, o estabelecimento do texto do livro Inteligência e Pecado em Santo Tomás, de Celestino Pires, que começará a ser diagramado nesta semana. E, se tiver fôlego, acabarei de escrever também nos próximos dias a apresentação ao livro As Heresias de Pedro Abelardo, de São Bernardo, que está praticamente todo diagramado, esperando apenas a cereja do bolo para ser enviado à gráfica...


Se Deus quiser, apresentaremos estes dois últimos livros, pela Sétimo Selo, no dia do evento Santo Tomás, médico da alma.


Por fim, o Astorga e o Prof. Nougué porão mãos à obra, também por estes dias, à revisão final da Questão Disputada Sobre a Alma, obra-prima das mais importantes da lavra de Santo Tomás de Aquino — que sairá pela É, como primeiro livro de uma coleção tomista coordenada por mim. Quem assina o prefácio do livro é Carlos Casanova, tomista de truz, autor do denso Reflexiones metafísicas sobre la ciencia natural. A propósito, Casanova é orientador de doutorado, no Chile, do angelólogo Luiz Astorga, mencionado várias vezes acima.


Abaixo, deixo aos leitores do Contra Impugnantes mais um tira-gosto do livro Inteligência e Pecado em Santo Tomás.


Os negritos são meus.


“(...)


Pecado e último fim


Como se vê o pecado original tem como sujeito de inerência a essência da alma, daí deriva para as potências e instala nelas a desordem dos seus atos. Inversamente o pecado atual tem como sujeito de inerência as potências. A pessoa orienta-se para o fim último ou dele se aparta pelos seus atos; mas nós recebemos uma natureza já desviada do último fim. Tanto o pecado original como o atual implicam uma desordem em relação ao último fim do homem: o pecado de origem uma desordem ao nível da natureza; o pecado atual ao nível da pessoa. Em ambos os pecados existe verdadeira culpa porque dependem duma vontade. O pecado original é culpa, em nós, porque somos solidários, na natureza, com a vontade de Adão. O pecado atual depende da vontade individual.


Quando Santo Tomás busca o que é formal no pecado original e no pecado atual encontra essa formalidade precisamente na desordenação ao último fim. Aqui se encontram, extrinsecamente, as duas espécies de pecado; ambos consistem, formalmente, num desvio do fim último [1].


Pecabilidade concreta


Mas pela análise anterior da influência do pecado original na ação em geral, podemos estabelecer uma conexão mais concreta e mais clara entre o pecado de origem e o pecado atual. Podemos dizer que a pecabilidade do homem, no plano concreto em que nos situamos, depende estreitamente do pecado original. A raiz da pecabilidade no plano filosófico situa-se a outro nível, ao nível da contingência do ser e do agir[2]. No plano teológico da Revelação, a forma concreta pela qual somos arrastados ao pecado encontra explicação precisamente no fato de que somos uma natureza corrompida. O pecado de Adão foi, segundo Santo Tomás, um pecado do espírito; e não podia ser de outro modo porque todas as tendências inferiores se lhe sujeitavam e só se podiam rebelar depois que a vontade se subtraiu ao domínio de Deus e perdeu, em conseqüência, o seu senhorio[3].


Perdida a harmonia primeira, o homem peca solicitado pelos apetites que o dividem. Essa divisão dentro do homem provém do pecado original. Assim Santo Tomás pode afirmar que o pecado de origem contém virtualmente todos os outros[4]. A tendência que nos impele ao pecado radica nesta desordem fundamental da natureza; o pecado com que nascemos. Não que o pecado atual não seja fruto da liberdade; a responsabilidade da pessoa, se fica diminuída, não fica anulada. Mas a vontade sob os impulsos de outras tendências, sob os ímpetos da “sensualidade” nascidos da desordem da natureza, não resiste ao pecado. E uma tese da teologia da graça ensina-nos que nem sequer a lei natural podemos observar por muito tempo sem o especial auxílio divino.


Este pecado, escreve Bernard, é tão radical e universal que o outro, o pecado atual, parece apenas ser o agravamento e a triste conseqüência do primeiro. Em certo sentido o pecado pessoal não faz mais que reproduzir, por imitação, a obra nefasta do primeiro homem. Assim vemos delineada em toda a sua extensão imensa a trágica história do paraíso perdido [5]. Assim se encontram em íntima solidariedade o pecado de Adão e o pecado pessoal de cada homem. Não apenas uma imitação, como se o homem não fizesse mais que seguir o exemplo do primeiro membro da nossa raça. Há mais. Os vínculos são mais estreitos. Para Santo Tomás, a concupiscência habitual constitui parte essencial do pecado original; ela inclina ao pecado atual [6]. Impelida pela concupiscência, a vontade cede e não guarda a orientação primeira que deve reconquistar pelos seus atos informados pela graça. “O que dá a entender, escreve ainda R. Bernard, que o pecado original é o fundo da alma humana desviado das grandes coisas, e orientado para outra coisa, como o pecado atual consiste num ato desviado do último fim e orientado para um bem caduco”[7].”


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1-“In quolibet peccato est invenire aliquid quasi formale et aliquid quasi materiale. Si enim consideremus peccatum actuale, ipsa substantia actus deordinati materialiter in peccato se habet; sed deordinatio a fine formale in peccato est... Sicut autem peccatum actuale consistit in deordinatione actus, ia etiam peccatum originale consistit in deordinatione naturae. Unde oportet quod ipsae vires deordinatae, vel deordinatio virium sint sicut materiale in peccato originali, et ipsa deortinatio a fine sit ibi sicut formale”. II Sent. XXX, q. 1, a. 3, sol. “Ita tamen quod carentia originalis iustotoae est quasi formale in peccato originali, concupiscentia autem est quasi materiale; sicut et in peccato actuali aversion ab incommutabili bono est quasi formale, conversio autem ad commutabile bonum est quasi materiale; ut sic intelligatur in peccato originali aversa anima et conversa, sicut in peccato actuali actus, ut ita dicam, aversus et conversus”. Mal. 4, c.; cfr. I-II, 82, 1, ad 2.

2- “La possibilité de faillir est la possibilité absolument propre de la liberté finie en tant que telle”. De Finance, J., Existence et Liberté, Paris, Vitte, 1955, p. 284. Cfr. Geffré, C.-Y., La possibilité du péché, “Rev. Thom.” 57 (1957), 213-245.

3- II-II, 163, 1, c.; Mal. 7, 7, ad 12; ad 13; ad 16; II Sent. XXII, q. 1, a. 1, sol.

4- “Peccatum originale quodammodo est actualium peccatorum principium, inquantum fomes ad actualia peccata inclinat. Omnes effectus sunt virtute in sua causa. Peccatum ergo originale per essentiam est unum sed virtute multiplex”. II Sent. XXXIII, q. 1, a. 3, ad 1; Mal. 4, 8, ad 1; I-II, 82, 2, ad 1.

5- Bernard, R. O. P., Le Péché, trad. française de la Some Théologique de Saint Thomas d’Aquin, éd. de la Rev. Des Jeunes, Paris, 1931, p. 322.

6- I-II, 82, 3; Mal. 4, 2; 3, 7, sub fine; II Sent. XXX, q. 1, a. 3.

7- Bernard, R., O. P., o. c., p. 344.