Sidney Silveira
Enfim, todos os textos do Protréptico, de Clemente de Alexandria, foram enviados à editora É, que em breve começará a preparar a edição desta importante obra. Deu um grande trabalho a revisão e numeração do texto grego, mas os problemas foram todos sanados, graças ao trabalho final do meu querido amigo Luiz Astorga, que ajudou imensamente, e ao da Prof. Rita Codá — que assina a tradução desta edição bilíngüe. Termino também, finalmente, com a ajuda do Nougué na revisão, o estabelecimento do texto do livro Inteligência e Pecado em Santo Tomás, de Celestino Pires, que começará a ser diagramado nesta semana. E, se tiver fôlego, acabarei de escrever também nos próximos dias a apresentação ao livro As Heresias de Pedro Abelardo, de São Bernardo, que está praticamente todo diagramado, esperando apenas a cereja do bolo para ser enviado à gráfica...
Se Deus quiser, apresentaremos estes dois últimos livros, pela Sétimo Selo, no dia do evento Santo Tomás, médico da alma.
Por fim, o Astorga e o Prof. Nougué porão mãos à obra, também por estes dias, à revisão final da Questão Disputada Sobre a Alma, obra-prima das mais importantes da lavra de Santo Tomás de Aquino — que sairá pela É, como primeiro livro de uma coleção tomista coordenada por mim. Quem assina o prefácio do livro é Carlos Casanova, tomista de truz, autor do denso Reflexiones metafísicas sobre la ciencia natural. A propósito, Casanova é orientador de doutorado, no Chile, do angelólogo Luiz Astorga, mencionado várias vezes acima.
Abaixo, deixo aos leitores do Contra Impugnantes mais um tira-gosto do livro Inteligência e Pecado em Santo Tomás.
Os negritos são meus.
“(...)
Pecado e último fim
Como se vê o pecado original tem como sujeito de inerência a essência da alma, daí deriva para as potências e instala nelas a desordem dos seus atos. Inversamente o pecado atual tem como sujeito de inerência as potências. A pessoa orienta-se para o fim último ou dele se aparta pelos seus atos; mas nós recebemos uma natureza já desviada do último fim. Tanto o pecado original como o atual implicam uma desordem em relação ao último fim do homem: o pecado de origem uma desordem ao nível da natureza; o pecado atual ao nível da pessoa. Em ambos os pecados existe verdadeira culpa porque dependem duma vontade. O pecado original é culpa, em nós, porque somos solidários, na natureza, com a vontade de Adão. O pecado atual depende da vontade individual.
Quando Santo Tomás busca o que é formal no pecado original e no pecado atual encontra essa formalidade precisamente na desordenação ao último fim. Aqui se encontram, extrinsecamente, as duas espécies de pecado; ambos consistem, formalmente, num desvio do fim último [1].
Pecabilidade concreta
Mas pela análise anterior da influência do pecado original na ação em geral, podemos estabelecer uma conexão mais concreta e mais clara entre o pecado de origem e o pecado atual. Podemos dizer que a pecabilidade do homem, no plano concreto em que nos situamos, depende estreitamente do pecado original. A raiz da pecabilidade no plano filosófico situa-se a outro nível, ao nível da contingência do ser e do agir[2]. No plano teológico da Revelação, a forma concreta pela qual somos arrastados ao pecado encontra explicação precisamente no fato de que somos uma natureza corrompida. O pecado de Adão foi, segundo Santo Tomás, um pecado do espírito; e não podia ser de outro modo porque todas as tendências inferiores se lhe sujeitavam e só se podiam rebelar depois que a vontade se subtraiu ao domínio de Deus e perdeu, em conseqüência, o seu senhorio[3].
Perdida a harmonia primeira, o homem peca solicitado pelos apetites que o dividem. Essa divisão dentro do homem provém do pecado original. Assim Santo Tomás pode afirmar que o pecado de origem contém virtualmente todos os outros[4]. A tendência que nos impele ao pecado radica nesta desordem fundamental da natureza; o pecado com que nascemos. Não que o pecado atual não seja fruto da liberdade; a responsabilidade da pessoa, se fica diminuída, não fica anulada. Mas a vontade sob os impulsos de outras tendências, sob os ímpetos da “sensualidade” nascidos da desordem da natureza, não resiste ao pecado. E uma tese da teologia da graça ensina-nos que nem sequer a lei natural podemos observar por muito tempo sem o especial auxílio divino.
Este pecado, escreve Bernard, é tão radical e universal que o outro, o pecado atual, parece apenas ser o agravamento e a triste conseqüência do primeiro. Em certo sentido o pecado pessoal não faz mais que reproduzir, por imitação, a obra nefasta do primeiro homem. Assim vemos delineada em toda a sua extensão imensa a trágica história do paraíso perdido [5]. Assim se encontram em íntima solidariedade o pecado de Adão e o pecado pessoal de cada homem. Não apenas uma imitação, como se o homem não fizesse mais que seguir o exemplo do primeiro membro da nossa raça. Há mais. Os vínculos são mais estreitos. Para Santo Tomás, a concupiscência habitual constitui parte essencial do pecado original; ela inclina ao pecado atual [6]. Impelida pela concupiscência, a vontade cede e não guarda a orientação primeira que deve reconquistar pelos seus atos informados pela graça. “O que dá a entender, escreve ainda R. Bernard, que o pecado original é o fundo da alma humana desviado das grandes coisas, e orientado para outra coisa, como o pecado atual consiste num ato desviado do último fim e orientado para um bem caduco”[7].”