domingo, 14 de agosto de 2011

Evento “Santo Tomás, médico da alma”, em 24/09 — inscrições abertas

Sidney Silveira


As inscrições para o evento do dia 24 de setembro, no Rio de Janeiro — ao qual demos o nome de Santo Tomás, médico da alma — podem ser feitas a partir desta segunda-feira (15/08) pelo email eventotomista@gmail.com, por meio do qual os interessados serão informados acerca de como proceder. O custo será de apenas R$ 39,00, e os recursos provenientes das inscrições serão utilizados para custear as viagens dos convidados, o aluguel do espaço, brunch, filmagem do evento, etc. Lembro que serão apenas 90 vagas, e, portanto, sugiro aos interessados que não deixem para inscrever-se na última hora.


Na ocasião, além das palestras do Prof. Ricardo da Costa (“O turbulento século XIII, o tempo de S. Tomás”), do Prof. Martín Echavarría (“El concepto de aegritudo animalis: las enfermedades psíquicas del hombre contemporâneo y su curación mediante Santo Tomás”), minha (“A alma humana, ser e operações) e do Prof. Carlos Nougué (“A imortalidade da alma segundo Santo Tomás”), serão apresentados ao público dois livros: As Heresias de Pedro Abelardo, de São Bernardo de Claraval (edição bilíngüe, latim/português), e Inteligência e Pecado em Santo Tomás, do teólogo Celestino Pires.


Com relação a esta última obra, abaixo transcrevo um pequeno trecho da introdução, à guisa de tira-gosto:


“O pecado é um ato da vontade. E perguntar pela influência que a inteligência possa ter nesse ato é pôr, reduzido a um caso particular, o problema das relações da vontade com a inteligência. Em que medida depende a vontade da inteligência? É o pecado um erro? Sócrates identificava ciência e virtude. E sob este erro está latente um problema fundo. Como é possível que o apetite, em concreto a vontade, seja movido pelo mal? Não é a vontade o apetite do bem? Como, pois, pode querer o mal? Se quer o mal é porque o crê um bem, respondia Sócrates, e assim o pecado não é mais que um erro da inteligência. E contudo a experiência humana parece resistir a esta solução tão fácil e libertadora.


Mas seria limitar o alcance do problema supor que as relações do pecado com a inteligência se limitam a saber se todo o pecado implica um erro ou ignorância. O problema é mais complexo como nos revelarão as análises posteriores. É na natureza mesma da inteligência criada que encontramos a explicação próxima da pecabilidade da criatura, como é da natureza mesma dessa inteligência que deriva a forma concreta da sua liberdade.


Poderíamos conduzir a análise dos textos de Santo Tomás limitando-nos a estudar a vontade e a inteligência, a vontade e a liberdade, e dos princípios assim colhidos buscar a solução para o nosso problema. Mas é mais concreto estudar a aplicação desses princípios aos diversos pecados das criaturas. Mais concreto e mais complexo. Porque aqui entram em jogo outras verdades da teologia que porventura podem dar-lhes maleabilidade ou também rigidez.


Para maior clareza estudaremos sucessivamente a impecabilidade divina, a inteligência e a vontade no pecado dos Anjos e no pecado do primeiro homem”.


(...)


1 - Impecabilidade divina


Santo Tomás, ao tratar do problema da pecabilidade, não tem dificuldade em excluir Deus. Deus não pode pecar. O que não derroga em nada a liberdade divina, porque o pecado nem é a liberdade nem faz parte da liberdade [1]. É precisamente a perfeição da Sua liberdade que O priva da defectibilidade. A vontade é a faculdade do bem, e poder tender para o mal é sinal de imperfeição. Querer o bem é natural à vontade. Deus não pode pecar porque não pode querer o contrário daquilo a que o inclina naturalmente a vontade [2]. Ama-Se necessariamente, e sendo a bondade subsistente, o Seu querer coincide com a Sua bondade. Não há distância entre o desejo e a posse. É ato puro, e um ser plenamente em ato não pode ser defectível [3]. E ainda, o mal só pode acontecer quando se apreende alguma coisa como bem e que em realidade o não é [4]. Ora em Deus não se pode dar esta deficiência da inteligência. Além disso a vontade divina coincide com a regra do Seu agir; e onde não há distinção entre a faculdade operativa e a regra da ação não há possibilidade de pecado [5]. Essa ação atinge infalivelmente o fim. E o pecado é, precisamente, como víamos no capítulo anterior, uma ação que não atinge o fim porque privada da regra de agir.


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[1-] “Ad secundum dicendum, quod ad rationem liberi arbitrii non pertinet ut indeterminate se habeat ad bonum vel ad malum: quia liberum arbitrium per se in bonum ordinatum est, cum bonum sit obiectum voluntatis, nec in malum tendit nisi propter aliquem defectum, quia apprehenditur ut bonum, cum non sit voluntas aut electio nisi boni: et ideou ubi perfectissimim est liberum arbitrium, ibi in malum tendere non potest, quia imperfectum esse non potest. Sed hoc ad libertatem arbitrii pertinet ut actionem aliquam facere vel non facere possit, et hoc Deo convenit; bona enim quae facit potest non facere, nec tamen malum facere potest”. II Sent. XXV, q. 1, a. 1, ad 2.




“Ad primum ergo dicendum, quod posse peccare dicitur non esse pars libertatis, quia non requiritur ad libertatem voluntatis ut in peccatum possit; sed sufficit ad rationem libertatis ut in utrumque contratictorium possit, quamvis in his quae peccare possunt, per liberum voluntatis arbitrium peccetur”. II Sent. XLIV, q. 1, a. 1, ad 1.



“Et pro tanto dicitur, quod velle malum nec est libertas, nec pars libertatis, quamvis sit quoddam libertatis signum”. Ver 22, 6, c., in fine; cfr. Ver. 24, 3, ad 2; I, 19, 10, ad 1; I, 62, 8, ad 3.



[2] “Quaelibet autem voluntas naturaliter vult illud quod est proprium volentis bonum, scilicet ipsum esse perfectum et non potest contrarium huius vele. In illo igitur volente nullum potest peccatum voluntatis accidere cuius bonum est ultimus finis; quod non continetur sub alterius finis ordine, sed sub eius ordine omnes alii fines continentur. Huiusmodi autem volens est Deus, cuius esse est Suma bonitas, quae est ultimus finis. In Deo igitur peccatum voluntatis esse non potest”. III Cont. Gent. c. 109.



“Cum autem nulla voluntas possit velle contrarium eius quod naturaliter vult, sicut voluntas hominis non potest velle miseriam; constat quod voluntas divina non possit velle contrarium suae bonitatis, quam naturaliter vult. Peccatum autem est defectus quidem a divina bonitate: unde Deus non potest velle peccare. Et ideo absolute concedendum est, quod Deus peccare non potest”. De Pot., q. 1, a. 6, c.; cfe. Comp. Theol. c. 113.




[3] “Deus solus est actus purus nullius potentiae permixtionem recipiens, et per hoc est bonitas pura et absoluta. Creatura vero quaelibet, cum in natura sua habeat permixtionem potentiae, est bonum particulare. Quae quidem permixtio potentiae ei accidit propter hoc quod est ex nihilo. Et inde est quod inter naturae rationales solus Deus habet liberum arbitrium naturaliter impeccabile et confirmatum in bono”. Ver. 24, 7, c.



[4] “Secunda autem diversitas in quam liberum arbitrium potest, attenditur secundum differentiam boni et mali; se dista diversitas non per se pertinet ad potestatem liberi arbitrii, sed per acidens se habet ad cam, inquamtum invenitur in natura deficere potenti. Cum enum voluntas de se ordinetur in bonum sicut in proprium obiectum: quod in malum tendat non potest contingere nisi ex hoc quod malum apprehenditur sub ratione boni; quod pertinent ad rationem intellectus vel rationis, unde causatur libertas arbitrii. Non autem pertinent ad rationem suae potentiae quod deficiat in suo actu; sicut non pertinent ad rationem visivae potentiae liberum arbitrum quod ita tendit in bonum, quod nullo modo potest tendere in malum, vel ex natura, sicut in Deo, vel ex perfectione gratiae, sicut in hominibus et angelis beatis”. Mal. 16, 5, c.




[5] “Peccare nihil aliud est quam declinare a rectitudine actus quam debet habere... Solum autem illum actum a rectitudine declinare non contingit, cuiús regula est ipsa virtus agentis... Divina autem voluntas sola est regula sui actus: quia non ad superiorem finem ordinatur… Sic igitur in sola voluntate divina peccatum esse non potest”. I, 63, 1, c.